Brasil tem um caso de estupro a cada dois minutos, estimam pesquisas
Segundo a pesquisadora, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2014, produzido pelo Fórum, mostra que apenas 13% das vítimas registraram o crime. Outro trabalho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com dados dos serviços de saúde, aponta índice de notificação ainda menor, de 10%.
Assim, na realidade, seriam 500 mil estupros por ano, contra os cerca de 50 mil registrados. A subnotificação, conforme Hanashiro, não surpreende. “Os aparelhos de segurança acabam afastando a vítima porque a obrigam a passar por revitimização, isso se existirem”.
Vítima do médico Roger Abdelmassih, que estuprou 58 pacientes, Vana Lopes confirma essa tese. “As vítimas não denunciam os estupradores porque é muito difícil”. Segundo ela, quando foi violentada, em 1993, recorreu à Justiça para lutar por seus direitos e foi ignorada, mesmo tratamento que recebeu ao ir à delegacia fazer ocorrência. “Não é fácil ir à Justiça e ser desprezada”, relatou.
“Cultura do estupro”
Na concepção dos participantes, a “cultura do estupro” decorre do patriarcalismo e do conservadorismo. A pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Mulheres da Universidade de Brasília (UnB), Lourdes Bandeira, ressalta que até hoje acredita-se que só as virgens podem ser vítimas de estupro, como na Idade Média. “Também se considera que só é vítima se gritar, se reagir à agressão”, sustenta.
Conforme Lourdes Bandeira, existe no imaginário social um padrão de vítima e de estuprador. A vítima seria a mulher promíscua, de moral duvidosa, e, o estuprador, um monstro sem controle de seus instintos. A pesquisadora destaca que esses mitos contribuem para a manutenção da cultura do estupro.
Bandeira sublinha que “não existe o grande monstro estuprador, a grande maioria dos ataques é cometida por homens comuns sem nenhuma anomalia, que não consideram que cometeram crime, e são tidos por boas pessoas”. Estudos demonstram que entre 70% e 80% dos casos de violência sexual ocorrem dentro de casa e são praticados por parentes da vítima ou amigos próximos.
A professora da Universidade Federal de São Paulo e ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, também sustenta que os estupradores não são doentes, mas “machistas, patriarcais e de mau caráter”.
Autora do requerimento para a realização do debate, a deputada Érika Kokay (PT-DF), defende ser importante entender que a culpa do estupro não é apenas do estuprador. Para ela, responsável por essa cultura é “a sociedade machista que considera as mulheres, porque quase 80% das vítimas de estupro são do gênero feminino, objetos, nega a elas sua humanidade”.
Crianças e adolescentes
Érika Kokay ressalta ainda que crianças e adolescentes representam 70% do total de casos de violência sexual. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que a cada duas horas, uma menina menor de dez anos é estuprada.
Para o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Fábio Paes, “o processo que gera o machismo é o mesmo que faz enxergar a criança como não gente”. Ele defende que a mudança deve ocorrer em três esferas – compreensão do fenômeno, mudança das estruturas sociais e de ações e atitudes. Para isso, considera fundamental incluir esses temas nos currículos das escolas.
“Desmonte”
Os debatedores também denunciaram o “desmonte” da estrutura pública voltada às mulheres. Eleonora Minicucci lembrou que o governo interino retirou o status de ministério da Secretaria de Direitos Humanos. “Já a Secretaria de Políticas para Mulheres virou um ‘puxadinho’ dentro do ministério da Justiça”, disse. Com isso, na concepção da professora, o país volta “à época das trevas, quando a violência contra as mulheres era considerada apenas caso de polícia”.
Érika Kokay sustenta que “a ruptura democrática” ameaça todos os direitos. Na concepção da deputada, nesse momento, “vozes sexistas, machistas e facistas contidas pelo peso da democracia vêm à tona com força total, como no rompimento de diques”.
Já a pesquisadora Olaya Hanashiro lembrou que nenhuma conquista está garantida, e é preciso continuar lutando por elas. “Precisamos empoderar nossas crianças e adolescentes, as vítimas, é assim que a gente vai combater essa cultura”, defende.