Brasil pode ter um milhão de presos até 2025

De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, o país tem 726.712 pessoas presas. O número é do último levantamento, feito em 2016. Porém, o número de vagas é de 368 mil. Ou seja, taxa de ocupação chega a 197,4%. No lugar onde cabe um presidiário, estão dois ou mais. De todo esse contingente, 64% são negros ou pardos e quase 90% têm até o ensino fundamental. Para Vilma Reis, socióloga e ouvidora-geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia, o sistema penitenciário brasileiro é perverso e atualiza a época da escravidão. Ainda de acordo com o Depen, a população carcerária deve bater em um milhão até 2025.
08/08/2018 19h15

Foto: Fernando Bola

Brasil pode ter um milhão de presos até 2025

Vilma participou da audiência pública desta quarta-feira (8), da Comissão de Direitos Humanos e Minorias sobre a situação do encarceramento em massa no Brasil.

“Vivemos um populismo penal perverso. É um sistema colonial atualizado de vingança, enchendo as prisões querem se livrar daqueles que foram ineficientes ao capitalismo. O judiciário repete as regras da colonização em pleno século 21. Como diz Ângela Davis, temos que ter um abolicionismo penal e o fim das dinastias togadas”, pontua Vilma.

Números

Márcia Barreto, coordenadora-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), apresenta números do sistema. As estatísticas mostram que nos últimos 25 anos a população carcerária aumentou impressionantes 707%. Hoje, são mais de 665 mil homens e quase 44 mil mulheres. Mais da metade dos presos são jovens entre 18 e 29 anos.

“O número de mulheres nas prisões está crescendo. Elas são presas, na maioria, por tráfico de drogas, por subsistência e até por levar para o companheiro que está preso. Setenta e cinco por cento delas têm filhos e, porque são jovens, são crianças que estão na primeira infância. Que futuro essa família vai ter? Os três níveis de governo são responsáveis por essa situação e a sociedade civil também. E depois de anos na prisão as portas do mercado de trabalho estão fechadas”, pondera Márcia.

Márcia informa ainda que o déficit de vagas, hoje, é estimado em quase 400 mil. Ela estima que, no ritmo atual, até 2025 o país pode chegar a ter um milhão de presos.

Dermeval Farias Gomes Filho, do Conselho Nacional do Ministério Público, traz números semelhantes. A Comissão do Sistema Carcerário, coleta dados três veze por ano durante as inspeções de controle externo.

“Entre março de 2017 e fevereiro de 2018 chegamos a contagem de 699 mil presos, com uma taxa de ocupação de 170%. Porém, o que mais nos preocupa é o mau uso dos recursos do Fundo Nacional Penitenciário. Em Roraima, por exemplo, foram destinados 45 milhões de reais para a construção de um novo presídio. Três milhões desapareceram. Não estamos enfrentando o problema como ele merece. São ações isoladas mesmo dentro do judiciário. Não podemos nos limitar ao desencarceramento, temos que discutir penas alternativas ou restritivas”, avalia Dermeval.

Ele também pede o cumprimento da Lei de Execução Penal e que os presos sejam classificados. E critica a elaboração de novas leis se mesmo a atual não é cumprida.

Márcio Schiefler, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), contesta as estatísticas apresentadas. “Temos um monte de números não confiáveis. Hoje, sabemos o número de presos pela quantidade de quentinhas servidas nas prisões. Nunca vi promotor ou defensor público contando preso. Se inspeção desse resultado, nosso sistema seria maravilhoso. Já vi unidades com apenas dois servidores, mas instituição que faz a inspeção chega com 20 pessoas”, critica.

HIV, tuberculose e roubo por fome

“A gente não consegue nem cuidar das crianças, com tantas doenças que estavam erradicadas voltando, quanto mais de quem está na prisão”, afirma Alberto Amaral, defensor público do Distrito Federal e representante da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). 

“A superlotação leva aos motins e às rebeliões. O percentual de negros dentro dos presídios é maior do que fora. Se aprisiona muito por furto, onde não existe violência. E isso é um aspecto social, de pobreza. Muitos pensam em se redimir, mas entram num ciclo de desestruturação pessoal dentro da prisão e acabam cedendo ao ciclo de violência da cadeia. Mais de 40% dos presídios não oferece nenhum tipo de educação”, analisa Alberto.

O defensor público também informa que o índice de contágio por HIV nas prisões é 66% maior do que para quem está livre. Além disso, os surtos de doenças de pele e tuberculose são constantes.

“E o pior de tudo, se é que existe, é que 40% dos presos são provisórios. Não foram julgados. Como podemos ser tão cruéis, podendo não ser?"

Para Raissa Belintani, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), o sistema penitenciário está alicerçado no encarceramento. “Aumentar as penas e criar novas vagas não aumenta a sensação de segurança. Vivemos uma sanha punitiva e prisional. O número de mulheres presas passou de 10 mil para 42 mil em 2016. O governo expande o sistema para encarcerar os excluídos”.

Já o padre Gianfranco Graziola da Pastoral Carcerária denuncia a restrição, cada vez maior, que os integrantes da Pastoral enfrentam para dar assistência aos presos. “Nossos advogados não conseguem conversar com os assistidos e é muita burocracia para cadastrar agentes pastorais”, comenta.

“O próprio Estado faz apologia das facções quando pergunta a qual grupo o preso pertence. A pessoa adere na hora a qualquer um para ter mais garantia e segurança dentro da cadeia. A audiência da custódia, se fosse seguida à risca, seria um dos instrumentos de desencarceramento, mas infelizmente não é”, comenta José Ribamar Silva, do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura.

“E há o aprisionamento por crimes famélicos, milhares estão presos por causa de comida”, acrescenta. Na audiência pública aconteceu também o lançamento do relatório anual do Mecanismo.

Para o deputado Adelmo Leão (PT/MG), que conduziu a audiência pública, o problema vai além dos números.

“Afora as estatísticas, o sistema penitenciário brasileiro está dominado pelo crime organizado. Além disso, a estrutura que condena é a estrutura dominante e que, infelizmente, também está inserida na cabeça dos dominados. A própria presidente do Supremo Tribunal Federal, a ministra Cármen Lúcia disse, após visitas aos presídios que, se a população soubesse que ela viu, não dormiria à noite”, conclui o deputado.

Pedro Calvi / CDHM