Audiência Pública debate situação do Complexo do Salgueiro no Rio de Janeiro

No último dia 17 de dezembro foi realizada no Rio de Janeiro audiência pública conjunta entre as Comissões de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, da Assembleia Legislativa de São Gonçalo e da Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro (OAB/RJ).
27/01/2022 18h40

Mandato do Vereador Romário Regis (PCdoB/RJ)

Audiência Pública debate situação do Complexo do Salgueiro no Rio de Janeiro

A audiência pública foi espaço para que lideranças locais, movimentos sociais e moradores fossem ouvidos pelos vereadores de São Gonçalo, Professor Josemar (PSOL) e Romário Régis (PCdoB), por membros de comissões de Direitos Humanos da Alerj, pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB), por membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que acompanham as famílias das vítimas, e pela Associação Juízes para a Democracia, representada pela magistrada Cristiana Cordeiro.

“A cidade de São Gonçalo já tem sido alvo desse modelo de operação policial há algum tempo e a gente tem visto essas ações serem cada vez mais presentes. E a gente precisa tomar uma atitude e dialogar sobre que tipo de sociedade queremos e o que podemos fazer para que seja diferente. Precisamos ouvir a comunidade do Salgueiro, que é uma comunidade abandonada pelo poder público, que só tem a presença do Estado por meio da polícia”, afirmou o presidente da 8ª subseção OAB/São Gonçalo, Eliano Enzo. Ele reforçou que é preciso exigir do poder público algo diferente. “Morreram nove pessoas, e o que o Estado vai fazer agora? Não haverá nenhum movimento, nenhum investimento?”, disse.

Andreia Pereira, presidente eleita da 8ª subseção, defendeu que é preciso dar atenção à juventude de comunidades como as do Salgueiro, trabalho que a advogada desempenha em sua prática particular. "Nós vemos a necessidade de políticas públicas nesses lugares para mudar e trabalhar a mente desses jovens”.

“O episódio do Salgueiro é muito grave para São Gonçalo, é uma fratura exposta de uma série de contusões que a cidade já sofre. A gente precisa sair daqui com encaminhamento de investigações independentes, mas também garantir que a legislação para colocar microcâmera nos policiais seja executada o mais rápido possível. Isso vai garantir o mínimo de segurança para saber que as operações vão ter registros”, afirmou o vereador Romário Régis (PCdoB).

“A gente tem visto que segurança pública para alguns se resume a policial armado, a colocar a arma na mão e falar ‘você vai para rua para matar ou para morrer’. E não por acaso a polícia militar do Rio de Janeiro é a que mais mata e a que mais morre”, disse Álvaro Quintão, presidente da CDHAJ, criticando a ausência de políticas públicas efetivas voltadas para a segurança pública.

“As vítimas dessa diretriz são sempre as mesmas pessoas, negros, pobres, jovens, moradores de periferia”, disse Quintão, lembrando do caso do menino João Pedro, assassinado pela polícia em maio de 2020 também na comunidade do Salgueiro, que influenciou o ajuizamento da ADPF das Favelas, e determina que as polícias justifiquem a "excepcionalidade" para a realização de uma operação policial numa favela, durante a pandemia.

“O direito à segurança só nos interessa se for para construir a segurança dos direitos. Se for para violar direitos, não é segurança. E é impossível construir isso sem a participação das lideranças. Nós estamos vivendo um extermínio, não é de agora, nem só no Salgueiro. É o extermínio da população periférica, negra, favelada”, apontou Guilherme Pimentel, da Defensoria Pública.

“Nós temos duas propostas de Brasil em curso, uma que aposta na violência, no extermínio, na matança. E outra que aposta na construção de cidadania e acesso a direitos”, acrescentou, apontando que a história vai mostrar que o caminho correto é o da garantia de direitos.

FAFERJ

“Apesar de ser uma instituição com mais de 50 anos, que enfrentou a ditadura militar no Brasil, a gente nunca viu uma situação tão complicada como a gente vive hoje, a gente vive uma chacina nas favelas cariocas”, narrou Felipe dos Anjos, da Federação da Associação de Favelas do Rio de Janeiro (FAFERJ), organização fundada em 1963.

Gabriel Siqueira, também da FAFERJ, lembrou que a organização acionou o Plantão do Ministério Público durante o início da operação no Complexo e que isso teria salvado a vida de moradores. “Em agosto haviam morrido 60 pessoas em 40 dias, somente no Complexo do Salgueiro”, contou, recuperando a cronologia da gravidade da situação recente na região.

Siqueira apontou que as “Troias” (tocaias feitas por policiais) servem para burlar a ADPF das favelas, e seria a responsável por inúmeras mortes, como a de Katlen Romeu, e reforçou a necessidade da aprovação da Lei 4631 – que reconhece a prática de “Troias” e proíbe as mesmas.

Stephanie Nunes, da FAFERJ, moradora do Salgueiro, relatou a mobilização da comunidade para encontrar os corpos após a operação policial e reforçou que são os moradores que mais sofrem com a violência intensa.

Debate social necessário

“Nós precisamos enfrentar essa questão do inimigo interno, nós herdamos a formação de uma polícia militar que não raciocina com a defesa dos direitos humanos e que estabeleceu que defender direitos humanos é defender bandido. E lamentavelmente a gente ainda não conseguiu ganhar esse debate na sociedade. Quantas vezes a gente não vê a sociedade defendendo isso, porque o raciocínio é o de que bandido bom é bandido morto?”, disse a deputada Jandira Feghali, defendendo a necessidade de um debate contínuo sobre segurança pública com a sociedade.

“Não há pena de morte no Brasil, não pode entrar atirando, nós não podemos mais assistir a população civil desarmada ser assassinada dessa forma. E morte, nessas comunidades, tem cor, tem cara, tem gênero, são as mulheres negras que sentem a maior dor do mundo, que é a perda de um filho. É essa juventude que perde a vida cedo, sem perspectiva”, reforçou a parlamentar, apontando que não podemos naturalizar esses episódios de intensa violência e que esses homicídios suspeitos precisam ser investigados e punidos.

O Ministério Público do Estado do Rio e a Auditoria da Justiça Militar (MPRJ) investigam a operação policial realizada no Complexo do Salgueiro, nos dias 20 e 21 de novembro do ano passado, que resultou em oito mortes, supostamente movidas por vingança pela morte de um policial.

A íntegra da audiência pode ser vista na página da OAB São Gonçalo.

Com informações da OAB São Gonçalo.

Fábia Pessoa/CDHM