Audiência pública debate situação de afegãos refugiados em aeroporto de Guarulhos

06/12/2022 14h35
Participantes apontaram a importância da acolhida humanitária pelo Brasil e demandaram mais celeridade para o acesso dos refugiados às políticas públicas brasileiras. Mais de 250 afegãos se encontram acampados no terminal 2 do aeroporto em São Paulo

Agência Câmara

Audiência pública debate situação de afegãos refugiados em aeroporto de Guarulhos

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) promoveu na última quarta-feira (30) audiência pública sobre a acolhida humanitária para afegãos afetados pela situação de instabilidade institucional do Afeganistão. Atualmente mais de 250 afegãos se encontram acampados no terminal 2 do aeroporto de Guarulhos. São mulheres, crianças, idosos, famílias inteiras que estão buscando refúgio no Brasil. 

A retomada do poder pelo Talibã e a instauração do Emirado Islâmico do Afeganistão em 2021 resultaram em um ambiente de receio sobre a garantia aos direitos humanos. Nesse cenário, iniciou-se um esforço de evacuação de cidadãos vulneráveis. Estima-se que mais de três milhões de afegãos fugiram do país. 

No Brasil, a portaria ministerial nº 24 de 2021 autoriza a concessão de visto temporário e de residência para fins de acolhida humanitária para nacionais afegãos. 

Mais de 3 mil afegãos entraram no Brasil de janeiro a setembro de 2022, de acordo com o Observatório das Migrações Internacionais. 

O deputado Orlando Silva, presidente da CDHM, lembrou que a Lei de Imigração do Brasil é uma referência para as nações. “Ela se orienta pelo que há de mais avançado no mundo no que diz respeito à imigração. É uma lei que parte da premissa de que migrar é um direito”. 

“O Brasil é um país construído fortemente por migrantes, nós temos os nossos povos originários, que nos enchem de orgulho, mas tivemos dezenas de levas de migrantes que ajudaram na formação social, econômica e cultural, na identidade do Brasil”, refletiu o parlamentar, que relatou a Lei de Imigração brasileira, sobre a importância do acolhimento de diferentes culturas e experiências para as nações. 

Acolhida Humanitária

 “O visto humanitário salva vidas”, afirmou Maria Beatriz Nogueira, Representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), explicando que ele tem permitido um caminho seguro para que nacionais afegãos consigam chegar ao Brasil. 

Maria Beatriz destacou que já são 3,5 milhões de refugiados afegãos no mundo, a grande maioria no Paquistão e no Irã, mas que o Brasil foi o país da América do Sul que mais contribuiu com a acolhida dos cidadãos afegãos (3.500 afegãos) e explicou que algumas características dificultam ainda mais a adaptação ao país, como a questão do idioma, a inexistência de uma comunidade prévia no país e os grandes núcleos familiares. 

A representante do ACNUR citou cinco pontos principais para a resolução da situação: fortalecimento de posto de atendimento no aeroporto, mais vagas de acolhimento para famílias e homens solteiros, ensino de português, estratégia de saída dos abrigos, sensibilização do mercado privado para acolhimento para o trabalho, lembrando que muitos dos afegãos recém chegados ao país são altamente qualificados. 

“Nesse caso é uma emergência, absolutamente necessária, para que as pessoas possam começar o seu processo de integração, mas também fazer atividades básicas na sociedade brasileira”, reforçou, sobre a importância do ensino do português.

Crise humanitária 

“Eles estão vendendo as crianças para poder nutrir os outros filhos. É uma crise sem precedentes. Esse visto realmente salva vidas. Esse visto simboliza esperança e resistência para todos os afegãos”, afirmou Roberta Abdanur, Presidente do Conselho do Instituto de Empoderamento Humanitário Sustentável – Instituto SHE. 

A audiência pública contou ainda com a participação de uma magistrada afegã que agradeceu muito ao Brasil pela acolhida dos cidadãos afegãos. 

“Estou aqui como a voz do povo afegão”, disse a magistrada, que trabalhou durante 10 anos na profissão no Afeganistão. 

“Quero agradecer profundamente ao povo brasileiro pela emissão de visto para os afegãos que se encontram no Brasil. É um trabalho admirável como, através desses vistos, tem promovido o direito das pessoas que se encontram nessa situação. Para nós é de quebrar o coração o fato das mulheres não terem oportunidade de dar continuidade à sua educação, de não ter seus direitos reconhecidos como em outros países do mundo. A situação no Afeganistão atualmente está terrível, as pessoas não têm condições de manter seus empregos, de alimentar suas famílias”, lamentou, acrescentando que a mídia  não expõe todos os horrores que ocorrem no país. 

A magistrada afegã e membra do Instituto de Empoderamento Humanitário Sustentável (Instituto SHE) pediu ainda que governo, instituições e sociedade civil continuem auxiliando a enfrentar essa grave crise humanitária. 

Aeroporto de Guarulhos: maior fronteira aérea da América Latina 

Gabriel Saad Travassos, Defensor Público Federal e Secretário-Geral de Articulação Institucional da Defensoria Pública da União, ponderou que existem pessoas retidas aguardando documentação e outras aguardando vagas de acolhimento, e que é fundamental a regulamentação de uma política nacional de imigração que não garanta apenas o visto, mas também o acesso ao Cadastro Único e a programas de educação.

“O aeroporto de Guarulhos é a maior fronteira aérea da América Latina, é preciso reforçar a acolhida humanitária”, disse o defensor, reforçando que não há pessoas suficientes para atender à demanda e à humanização do posto de atendimento. 

Aumento do Fluxo Migratório no mundo 

O deputado Túlio Gadelha (Rede/PE), presidente da Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados do Congresso Nacional, reconheceu os esforços realizados até o momento. Também defendeu ainda que o Estado brasileiro tenha uma pasta permanente voltada para o atendimento do fluxo migratório e lembrou que a CEMIR aprovou emenda de 150 milhões para o tema em 2023. 

“Esse fluxo migratório tende a aumentar no mundo todo e aqui no Brasil não é diferente. As questões climáticas, ambientais, as guerras que acontecem, são fatores que acentuam ainda mais o fluxo de migrantes em todo o mundo. Por isso esse tema precisa ser tratado como política de Estado”, afirmou o parlamentar. 

“Ou a gente trata isso como política pública e debate com profundidade e orçamento e soluções, ou a gente vai estar sempre buscando ações emergenciais. Os problemas vão aparecer e a gente vai estar sempre apagando incêndio”, acrescentou. 

Ao fim da sessão, o presidente do colegiado afirmou que as contribuições da audiência serão sistematizadas e encaminhadas ao governo de transição para que possam ser incorporadas na agenda do próximo governo. 

“O Brasil é um país filho de imigrações, a construção da nossa identidade nacional é feita a partir de diversos fluxos migratórios. Algumas delas forçadas, como a escravidão do povo negro. Outras com motivações distintas: guerras, experiências econômicas, dramas climáticos. As mudanças climáticas têm impactado e estimulado muitos fluxos migratórios, mas de todo modo a acolhida de tantas pessoas, inclusive em função de crises humanitárias como as vividas no Haiti, na Síria e no Afeganistão, também pode vir a contribuir para a formação nacional”, disse Orlando Silva. 

O presidente do colegiado reforçou que é necessária uma política nacional de imigração e refúgio, além de um esforço conjunto das três esferas de governo: municipal, estadual e federal. 

“Existem cerca de três vezes mais brasileiros pelo mundo do que não brasileiros que habitam o país. E se nós queremos que nossos irmãos sejam bem recebidos pelo mundo afora, obtendo oportunidades e direitos, nós temos que acolher aqui irmãos que não nasceram nesse território, mas que podem contribuir para que o nosso país seja um lugar melhor para se viver”, finalizou o presidente da CDHM. 

 

Fábia Pessoa/ CDHM