Audiência Pública debate importância de incentivos à agricultura familiar e Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU
A comissão de Direitos Humanos e Minorias realizou, na tarde desta quarta-feira (12), audiência pública com o objetivo de debater a importância de políticas públicas voltadas para a agricultura familiar e iniciar diálogos sobre a Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU. Pesquisa da Rede PESSAN mostrou que 116,8 milhões de brasileiros viveram com algum grau de insegurança alimentar em 2020, e que, desses, 19 milhões passaram fome diariamente.
Na abertura da audiência, o deputado e presidente da CDHM, Carlos Veras (PT/PE), citou os principais dados da pesquisa e reforçou a importância do encontro, que reuniu representantes de diversas organizações da sociedade civil e do governo, e apontou a importância da agricultura familiar para que o Brasil supere o grave contexto de fome atual. “Se o campo não planta, a cidade não janta! É a soberania alimentar que está em jogo. Uma ação importante é o apoio à produção da agricultura familiar. Como agricultor familiar, sertanejo, sei da dificuldade que cada agricultor, cada agricultora encontra para produzir os alimentos. Pela falta de assistência técnica, de crédito, de apoio à produção, à comercialização”.
“Lamentavelmente esse inquérito revelou que o nosso país, embora seja constantemente alardeado como um dos maiores produtores mundiais de alimentos, não consegue assegurar o direito humano à alimentação de boa parte da população. É um país que está convivendo com o retorno da fome a patamares que já tínhamos superado há bastante tempo”, declarou Renato Maluf, da Rede PENSSAN.
Em exposição, Renato Maluf mostrou que os dados de 2018 já revelavam uma inflexão da curva da situação de segurança alimentar dos domicílios. “O país vinha numa trajetória virtuosa de 2004 até 2013, atingindo 77% dos domicílios em segurança alimentar. Os dados de 2018 já revelavam uma inflexão dessa curva, que reduziu o número de domicílios para apenas 63%. Os dados de dezembro mostram menos da metade dos domicílios em segurança alimentar. O país tinha conseguido avançar na condição alimentar e nutricional das suas famílias. Foi quando o país saiu do mapa da fome. Portanto, a pandemia não é a causa única dessa condição, ela já estava se manifestando em 2017, 2018. Entre 2013 e 2018, o país retrocedeu 15 anos, em termos da sua condição. Em 2018, tínhamos voltado à condição que estávamos em 2004”, apontou.
Para Luana de Brito, da Rede de Mulheres Negras para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, a pandemia reforçou desigualdades já existentes no país. “A gente sabe que no país a fome tem cor. Tem gênero, tem raça, tem territórios. E no Brasil, ela se intensifica bastante em alguns territórios. Como já foi apresentado nos estudos, é a população preta e pobre que é a mais atingida. E agora, no contexto de pandemia, essas desigualdades foram escancaradas”.
Importância da Agricultura Familiar no combate à fome
Fernando Schwanke, Secretário da Agricultura Familiar do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, elencou dados do censo agropecuário que reforçam a importância da agricultura familiar para o Brasil. “A agricultura familiar representa 77% dos estabelecimentos rurais do nosso país. Se nós colocarmos ainda os pequenos produtores que já saíram dos critérios da agricultura familiar, esse número passa de 80%. E quando colocamos também o médio produtor rural, o censo mostra que 80% deles vivem na propriedade rural ou no núcleo próximo da propriedade rural. Nós vamos chegar a mais de 90% dos estabelecimentos rurais do nosso país. Isto por si só explica a importância de se ter políticas públicas destinadas a esse público, não só por uma questão produtiva, que é extremamente importante, mas também por uma questão social. A agricultura familiar é a guardiã da cultura de um país que era essencialmente rural até as décadas de 30, 40”.
“A agricultura familiar é um grupo que tem seus direitos previstos, mas ela tem uma importância para um projeto de sociedade, para garantir alimentação, para garantir saúde, não só a saúde das pessoas, mas para a saúde do planeta”, declarou Valéria Burity, da FIAN Brasil. Valéria também reforçou que os agricultores familiares são os maiores responsáveis pela ampliação da produção de alimentos orgânicos no país. “E isso é relevantíssimo, considerando a crise ambiental que ameaça a todos nós”, acrescentou.
Alberto Broch, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), reforçou que é impossível dissociar o combate à fome da agricultura familiar. “Nós entendemos que o agronegócio tem o seu papel, mas ele por si só não faz frente para enfrentar o tema da fome”, disse.
Cúpula dos Sistemas Alimentares
Sobre a Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU, o representante da CONTAG sinalizou preocupação com o processo de organização do encontro, que parece privilegiar corporações, afirmando que, ao contrário das demais reuniões, não estaria existindo amplo debate envolvendo estados, instituições e sociedade civil. “Qualquer cúpula que não discuta as falhas, os sistemas corporativos, pode, inclusive, acentuar os problemas”, ressaltou Broch.
“O espaço da cúpula dos sistemas alimentares é importante para denunciar esse processo que o Brasil está vivendo. O processo de fome, da falta de alternativa. Como se organizar para ter incidência nesse espaço? Para que ele não vire mais um espaço de fortalecimento das corporações que dominam o processo de produção, industrialização e comercialização?”, acrescentou Claudeilton Luiz, do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), lembrando que organizações da sociedade civil emitiram nota pública sobre a Cúpula, afirmando a necessidade de construção de uma conferência popular que valorize a soberania e a segurança alimentar e nutricional.
Atuação do Executivo
Claudeilton Luiz lamentou os vetos do Executivo à lei que beneficiava a agricultura familiar. “A lei 14.048, conhecida como Lei Assis Carvalho, tinha um objetivo muito claro de um fomento produtivo, crédito rural emergencial, central para o enfrentamento do contexto de fome. E, infelizmente, a resposta do Executivo foi praticamente vetar a lei”. Ele também reforçou que o contexto de fome não se deve somente à pandemia. “Esse contexto de fome, de insegurança e desemprego deve-se às medidas adotadas pelo Executivo. O que está sendo apresentado como alternativa a esse contexto de aumento da desigualdade, da volta da fome e do desemprego em alta?”, questionou.
Débora Nunes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), ressaltou que o investimento do Estado em políticas públicas não reflete a importância da agricultura familiar no enfrentamento à fome. “A agricultura familiar precisa ser vista como prioridade. E lamentavelmente não é isso que a gente vivencia aqui do chão de onde eu piso. O Censo Agropecuário já apontou que mais de 70% dos alimentos são produzidos pela agricultura familiar”, disse.
“Nós vivemos uma ofensiva, um desmonte de políticas que foram construídas ao longo dos anos, políticas conquistadas pelos agricultores e agricultoras do nosso país. Políticas essenciais para produção de alimentos e consequentemente para o enfrentamento da fome. E aí, dentro dessas ofensivas, eu gostaria de reforçar que há uma paralisia total em relação à reforma agrária, e o Incra está atuando em uma contra reforma agrária, e não em garantir as condições para que nós, assentados da Reforma Agrária, possamos permanecer no campo produzindo alimentos saudáveis”, denunciou a representante do MST.
Débora pediu urgência na votação do PL 823 e também lamentou os vetos à Lei 14.048/2020. Ela reforçou que a lei seria um auxílio emergencial que possibilitaria ao pequeno agricultor se manter e continuar produzindo alimentos. “É um ataque a quem, efetivamente, pode contribuir para o enfrentamento à situação da fome do nosso país”, disse.
Tiago Costa, da Articulação do Semiárido (ASA), apontou que a paralisação de políticas públicas possibilitam o retorno de um cenário grave, com famílias morrendo de fome e de sede. “As famílias precisavam caminhar quilômetros e mais quilômetros atrás de água, em busca de oportunidades, de emprego e renda. E a gente tem visto essa realidade se acentuar”, finalizou.
No final da audiência, o presidente da Comissão, Carlos Veras, antecipou que as contribuições da audiência serão entregues à Ministra da Agricultura, Tereza Cristina e ao presidente da Câmara, Arthur Lira, solicitando a imediata apreciação do PL 823/2021.
Fábia Pessoa/CDHM