Audiência Pública da CDHM debate pesquisas científicas sobre pessoas em situação de rua
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) debateu em audiência pública nesta quinta-feira (8) pesquisas científicas realizadas sobre pessoas e famílias em situação de rua no Brasil e no Distrito Federal.
A deputada Erika Kokay, que requereu e presidiu a audiência, defendeu na estrutura do governo a existência de uma pasta que consiga possibilitar a transversalidade das políticas públicas necessárias para o atendimento dessas pessoas. “É muito importante que nós tenhamos a escuta para a construção da metodologia, é preciso identificar quem são de fato as pessoas em diálogo com a população em situação de rua. Muitas vezes o Estado acha que fez a consulta, mas ele não considerou a interlocução legitimada. E ali foi negada a condição protagonista das pessoas que estão em situação de rua”.
A parlamentar reforçou a importância dos estudos sobre pessoas em situação de rua. “Pesquisas estabelecem diagnósticos, e diagnósticos são fundamentais para a elaboração de políticas públicas”.
Kokay lamentou ainda as situações de violência vivenciadas por essas pessoas, como despejos, retiradas de objetos, e apontou a importância de uma busca ativa que inclua essas pessoas no Cadúnico. “Ele é um cadastro absolutamente valioso como porta de entrada para as políticas. É preciso fortalecer o Cadúnico, atualizar, ter um cuidado com o cadastro”, defendeu.
Kokay quer também que a Frente Parlamentar incida sobre a agenda do Legislativo na próxima legislatura e contribua com o diálogo com os movimentos sociais.
Joana D'Arc, do Núcleo Distrito Federal do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, defendeu a humanização dos censos para vencer a resistência das pessoas em situação de rua com relação à participação em pesquisas.
Joana D'Arc demandou também mais investimento do poder público, mais qualidade dos serviços públicos voltados para essa parcela da população, políticas habitacionais, respeito aos pertences dessas pessoas, humanização do atendimento e punições para os agressores de pessoas em situação de rua.
“A gente é ser humano também, a gente sangra, chora, vivemos na sociedade, fazemos parte da sociedade, em Brasília a cada 100 metros que você anda tem alguém em situação de rua. O movimento identifica 7.500 pessoas em situação de rua. É necessário que tenha esse atendimento humanizado”, reforçou.
Política Nacional para População em Situação de Rua
Cristiane de Souza, da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), lembrou que apesar do Decreto 7053/2009, que instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua, as 27 unidades da Federação ainda não executam políticas efetivas para essa população.
A defensora pública elencou algumas ações essenciais para garantir os direitos humanos das pessoas em situação de rua: revogar o Decreto 9894/2019, que alterou o CIAMP Rua, assegurando o comitê como instância deliberativa, paritária, com poder de decisão e orçamento próprios; edição de uma medida provisória que estabeleça essa organização básica, vinculando o CIAMP à Presidência da República; criar a Secretaria Nacional para População em Situação de Rua, para articular e implementar de forma intersetorial as políticas públicas para essa população, garantindo a participação da sociedade civil e possibilitando a articulação entre os entes federativos; tornar a Política Nacional de População de Rua uma política de Estado por meio da aprovação do PL 5.740; aprovar a Lei 1635/2022, que institui o Estatuto da Pessoa em Situação de Rua, e garantir orçamento para as políticas públicas voltadas para essa população. A defensora também apontou a importância de incluir essa população no censo e em pesquisas municipais, de garantir a documentação básica dessas pessoas, o acesso à moradia, além da criação de um plano de segurança cidadã que garanta a posse dos pertences dessas pessoas.
Marcelo Pedra Martins, do Observatório Nacional de População em Situação de Rua da Fiocruz, reforçou que as pesquisas recentes realizadas em grandes cidades mostraram aumento significativo de mulheres e famílias em situação de rua. O pesquisador apontou a questão de trabalho e renda e de saúde mental como agendas fundamentais para essas pessoas.
“Um terço dessa população das três maiores cidades do país estão em situação de rua a partir da pandemia. As estratégias de proteção social, de proteção do laço previdenciário, tornam-se fundamentais para a gente pensar a agenda pública da população em situação de rua. 50% da população dessas cidades não têm acesso a benefícios sociais”, disse Pedra.
O pesquisador também elencou experiências que vêm dando bons resultados em alguns estados: diminuir as exigências dos espaços de acolhimento institucional; a Revista Traços, que existe em Brasília e no Rio de Janeiro, como estratégia de trabalho e renda como forma de emancipação; a relação SUS e SUAS, e o Colaboratório Nacional POP Rua, dispositivo que tem como objetivo monitorar, avaliar e interferir na agenda pública para pessoas em situação de rua.
Censo DF
Daienne Amaral Machado, Diretora de Estudos e Políticas Sociais do IPDF/CODEPLAN, explicou que existia no DF uma grande lacuna de dados e havia uma demanda dos órgãos de governo e de organizações da sociedade civil por informações atualizadas.
“Muitas delas têm receio, não sabem o que vai ser feito com aquela informação, algumas pessoas não quiseram responder o questionário”, apontou Daienne, lembrando que foram aplicados dois questionários, um mais curto, um amostral, além de uma pesquisa suplementar sobre a trajetória dessas pessoas.
“Sem os dados fica mais difícil pautar essas questões”, disse a pesquisadora sobre a importância de realização de pesquisas periódicas com pessoas em situação de rua. “Quanto mais pesquisas forem feitas, mais vamos conseguir ter aprendizados para chegar nessas pessoas”, acrescentou, explicando que existe a possibilidade de ser minutado um decreto no DF que possibilite essa periodicidade.
Aumento das pessoas em situação de rua no Brasil
André Luiz Freitas Dias, do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da Universidade Federal de Minas Gerais (Polos- UFMG), apontou a necessidade de pensar política pública pensada em evidências.
“Em 2021, somente 2055 municípios, ou seja 36,89%, fizeram registros de pessoas em situação de rua na base de dados do Cadúnico”, apontou o pesquisador, sobre um apagão de dados sobre essa população.
“32% das pessoas em situação de rua estão fora do Cadúnico. A estimativa do IPEA é de que mais de 280 mil pessoas estejam em situação de rua”, sinalizou André, lembrando que a partir de 2018 o número de pessoas em situação de rua aumentou significativamente no Brasil.
Normatização das metodologias
Marco Antunes, do Ministério da Cidadania, defendeu uma normatização metodológica para a realização de pesquisas pelos municípios e um esforço federativo para incorporar no cotidiano de saúde e assistência social pesquisas sobre pessoas em situação de rua.
“Esse conceito tem que ter unidade nacional, ou eu não consigo ter a soma das pesquisas. A gente tem que regulamentar, normatizar de maneira que os municípios sejam induzidos a ter pesquisas periodicamente, com a mesma metodologia. É possível. É um esforço federativo”, afirmou, reforçando a importância desses dados para a formulação de políticas que consigam responder às diferentes necessidades dessa população.
A audiência contou ainda com a participação de Margarida Quadros, integrante do grupo técnico de Direitos Humanos na Transição de Governo. “Muitas das demandas que vocês trouxeram são as que chegaram a nós. Então, um dos pontos que vão ser reforçados no relatório vai ser a inclusão da população de rua nos censos, o desenvolvimentos de metodologias que alcancem essas pessoas”, afirmou.
Assista aqui à audiência pública.
Acesse aqui o Censo do Distrito Federal sobre população em situação de rua.
Fábia Pessoa/ CDHM