Audiência pública aborda vulnerabilidade de povos indígenas e quilombolas durante a pandemia

Os participantes defenderam a urgência de análise pelo STF sobre Notícia-Crime que aponta responsabilidade do governo federal pela situação de grave exposição e condição de extrema vulnerabilidade durante a emergência sanitária. Argumentaram também que os efeitos da pandemia ainda estão ocorrendo e que é necessário ações efetivas para cessar a violação de direitos desses povos
03/11/2021 14h10

Fábia Pessoa

Audiência pública aborda vulnerabilidade de povos indígenas e quilombolas durante a pandemia

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) debateu nesta  sexta-feira (29) em audiência pública a urgência da análise pelo Supremo Tribunal Federal da Notícia-Crime (NC) 9020, que trata das condições de extrema vulnerabilidade vivenciadas pelos povos indígenas e quilombolas durante a pandemia da Covid-19. A NC foi apresentada em julho de 2020 pelo advogado André Barros.

“Quando se veta o acesso à água potável, nós não temos dúvida de que essas ações colocam em risco a própria existência dos povos indígenas”, afirmou a deputada Erika Kokay (PT/DF), 2ª vice-presidente da CDHM, que presidiu a audiência pública. A parlamentar destacou que a conduta de violação dos direitos indígenas está expressa em inúmeros discursos públicos. “Não há inocência nos discursos, discurso é ponte entre pensamento e ação”, disse, citando que o colegiado da CDHM aprovou diligência à comunidade Yanomami, que teve duas crianças mortas ao serem sugadas por maquinários do garimpo ilegal. 

A deputada Joenia Wapichana (REDE/RR), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, lembrou que a Lei 14.021/2020, aprovada pelo Congresso, que institui medidas de vigilância sanitária e epidemiológica para prevenção do contágio e da disseminação da Covid-19 nos territórios indígenas, teve mais de 20 itens vetados, e que entre os trechos vetados estava o acesso à água potável, à internet e à segurança alimentar. 

“A gente vê que há retrocesso na proteção das terras e da vida dos povos indígenas. Com a chegada da Covid-19 essa vulnerabilidade aumentou e muito, as invasões, a ganância e a cobiça não pararam, pelo contrário, avançaram”, apontou Wapichana.

“Vidas indígenas importam, vidas quilombolas importam. Mais de 1000 vidas se foram”, afirmou a parlamentar, que completa mil dias de mandato como a primeira parlamentar indígena na Câmara. 

Para Alessandra Nilo, coordenadora geral da Gestos e co-facilitadora do GT Agenda 2030, o STF tem uma oportunidade histórica de abrir uma investigação sobre os atos, que geraram muitas mortes. “Ainda há tempo para que a sociedade brasileira se debruce sobre essa questão. Se o STF aceitar a análise e pautar a Notícia-Crime no seu plenário, vai estar atuando com o objetivo 16 da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável”. 

“Essa singular maneira de não dizer o nome das coisas é um traço constituinte de nossa história e diz muito a respeito de como ela se perpetua. Pode parecer descuido, mas tem método, e, ao nomeá-las, as ações e políticas permanecem na sua lógica interna, que não é explicitada, ou seja, tudo acaba por parecer uma mistura de descaso, improvisação e desespero”, citou, lembrando texto de Vladimir Safatle.

“Vetar o acesso universal à água potável a grupo nacional, étnico, racial ou religioso é submeter esse grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhes a destruição física total ou parcial?”, questionou o advogado e mestre em Ciências Penais André Magalhães Barros, responsável pela NC 9020, afirmando que é essa resposta que precisa ser dada a partir dos vetos a trechos do Projeto de Lei n° 1.142/2020, que “Dispõe sobre medidas de proteção social para prevenção do contágio e da disseminação da Covid-19 nos territórios indígenas”. 

Denildo Rodrigues, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), também lamentou os vetos ao projeto que deveria ter minimizado o impacto do novo coronavírus para os povos indígenas e comunidades quilombolas. 

“Vivemos um momento de muita insegurança, temos uma média de 117 milhões de brasileiros e brasileiras que não fazem três refeições por dia. Um fantasma que a gente achava que tinha derrotado volta a assombrar os lares das famílias, daquelas que têm lar, porque tem muitas que já não têm mais lar”, disse, falando sobre o esforço da instituição de levar alimentos de comunidades quilombolas produtoras de alimentos para as que não os produzem. 

“Não tivemos a oportunidade de chorar, muito menos de enterrar nossos mortos pelas questões sanitárias, mas também pelo avanço dos grandes empreendimentos sobre nossos territórios”, acrescentou Denildo, reforçando que a COP será um espaço para denunciar à comunidade internacional as violações vivenciadas por indígenas e quilombolas no Brasil. 

Aumento da Violência

Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), destacou que relatório lançado pela instituição nesta quinta-feira (28) mostra o aumento da violência contra os povos indígenas no Brasil. “O relatório apresenta um retrato de um trágico ano para os povos originários no país”, disse. 

Segundo o relatório, foram registrados 263 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio, que atingiram 201 terras, de 145 povos, em 19 estados. 

“A grave crise sanitária provocada pela pandemia do coronavírus não impediu que madeireiros, garimpeiros e outros invasores intensificassem ainda mais suas investidas sobre as terras indígenas”, afirmou. 

“Em meio à pandemia tivemos que ir até Brasília para tentar parar o PL 490. O PL estava em andamento e a gente não tinha como se defender”, comentou Anildo Lulu, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), reforçando que a luta dos povos indígenas pela preservação das terras indígenas e do meio ambiente é em benefício de toda a sociedade. 

 

Fábia Pessoa/ CDHM