Alteração da regulamentação do Marco Civil da Internet é objeto de audiência pública da CDHM

Representantes da sociedade civil reconhecem a necessidade de pensar a moderação de conteúdo pelas plataformas, mas reforçaram que a alteração deve ser construída com a participação da sociedade e não pode ser feita por meio de decreto
04/06/2021 14h49

Captura e montagem: Fernando Bola/CDHM

Alteração da regulamentação do Marco Civil da Internet é objeto de audiência pública da CDHM

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias debateu, nesta quarta-feira (02), proposta de alteração, por meio de decreto, da regulamentação do Marco Civil da Internet, que tem como objetivo limitar a moderação de conteúdo pelas plataformas de internet. A partir da alteração, diversos conteúdos só poderiam ser excluídos pelas plataformas com ordem judicial.

Demi Getschko, diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto Br e Conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil, destacou que a internet brasileira é vista como referência devido à sua estabilidade e à legislação estabelecida com o Marco civil e com a lei de proteção de dados, a LGPD. 

“Não podemos ter um Ministério da Verdade no governo federal e nem um controle privado dessas plataformas”, afirmou Jonas Valente, do Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB, destacando que o debate é complexo.

Para Jonas, existem aspectos-chave que precisam ser debatidos de forma cuidadosa e participativa: fixar condutas vedadas em lei, atualizar as obrigações das plataformas, assumir que há determinados tipos de moderação que podem ser feitos diretamente pelas plataformas e assegurar os devidos processos das plataformas, que muitas vezes são automatizados e erram muito.

Flávia Lefèvre, do Intervozes, reforçou a importância do processo democrático que levou à construção da lei do Marco Civil e a necessidade de estabelecer mecanismos de governança multissetorial e transparentes, e argumentou que a participação do comitê é fundamental nessa discussão.

“O Marco Civil estabeleceu diretrizes claras para a participação dos poderes públicos nas três esferas federativas: necessidade de estabelecer mecanismos de governança multiparticipativa, transparente, colaborativa e democrática, com participação do governo, do setor empresarial, da sociedade civil e da comunidade acadêmica”, destacou.

Flávia argumentou que a proposta de decreto ignorou as disposições do Marco Civil, que estabelece governança multissetorial e a participação do CGI, e também fere princípios da legalidade e da reserva legal e significam uma distorção do processo democrático. Além disso, teriam vícios de motivação e finalidade, pois o decreto seria uma reação devido à exclusão de conteúdos com base nos termos das plataformas por divulgação de informações falsas.

“É necessário pensar em garantias para que as plataformas não removam conteúdos de usuários que são permitidos, mas não é isso que o decreto está fazendo, e isso precisaria ser feito por lei”, destacou Mariana Valente, da InternetLab.

Mariana destacou como problemática a indicação de um órgão do governo para agir como fiscalizador da moderação. “Uma das expressões mais importantes da liberdade de expressão é o direito de criticar um ente público”. 

Para ela, o decreto toca em pontos que merecem ser debatidos, mas existe um extrapolamento de questões relacionadas ao direito autoral, que perdem a autenticidade como impedimento para exclusão de conteúdo. 

Para Raquel Saraiva, da Coalizão Direitos na Rede, o decreto extrapola limites estabelecidos na lei do Marco Civil da Internet, promovendo inovação de atividades já reguladas, e acarretaria na judicialização de moderação de questões rotineiras.

“A lei como está redigida já promove a garantia do direito à liberdade de expressão, que é justamente a justificativa do governo para a edição desse novo decreto”, disse.

“Esse regime é visto até hoje como modelo em todo o mundo, e nós devemos conservá-lo assim sob pena de insegurança jurídica tanto para usuários quanto para empresas'', reforçou Raquel.

A deputada Carla Zambeli, que já teve conteúdo excluído, argumentou que as plataformas estariam  agindo como juízes. A parlamentar acrescentou que muitas pessoas não teriam condições para acionar a justiça e questionar as plataformas, que estariam descumprindo a Lei do Marco Civil e do direito autoral. “A gente sabe que a liberdade econômica é algo importante, eu sou uma defensora da liberdade econômica, mas ela não pode vir antes da liberdade de expressão”.

Jonas Valente rebateu a fala da parlamentar e reforçou que a liberdade de expressão não pode ser encarada como um valor absoluto, pois existe arcabouço jurídico que prevê limites e reconhece crimes como o racismo. Para Jonas, o desafio é construir um equilíbrio para promover a liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, o direito de informação do cidadão. “Se a gente absolutizar a liberdade de expressão, as pessoas podem promover medicamentos sem eficácia, colocar mentiras, crimes de ódio e uma série de problemas que a gente já tem visto e que afetam a nossa democracia”, destacou.

Valente reforçou que o mundo inteiro vem debatendo soluções regulatórias nesse sentido, e que no Brasil a solução passa por preservar o espírito e o regime de responsabilização do Marco Civil, mas que é preciso avançar na discussão da medição pelos grandes agentes. Ele defendeu a retomada da discussão do Projeto de Lei n° 2630, e que deve ser pensada uma regulação pública democrática. “Nós precisamos de uma solução sofisticada, inteligente, democrática, que não signifique deixar o poder na mão das plataformas, mas também não signifique que o governo federal inove e extrapole por decreto e defina como vai se dar essa regulação”, concluiu.

“A gente decidiu fazer essa audiência pública para sensibilizar os órgãos do governo, para que não seja publicado um decreto que, no lugar de resolver distorções e problemas, cause muito mais problemas, inclusive para a liberdade de expressão do povo brasileiro”, declarou o presidente da CDHM, deputado Carlos Veras, ao final da audiência.

 

Fábia Pessoa/CDHM