X Conferência Nacinal de Direitos Humanos - Encontro Repudia Ameaças e Manutenção do Neoliberalismo

02/06/2006 10h10

Palestrantes das mesas de abertura condenaram a ofensiva de forças retrógradas contra defensores de direitos humanos depois da onda de violência em São Paulo e pediram mudanças na política econômica vigente.

BRASÍLIA - A 10ª Conferência Nacional pelos Direitos Humanos começou na quarta-feira (31) com manifestações de repúdio às ameaças sofridas pelos ativistas da área de direitos humanos, principalmente depois das provas cabais da falência da segurança pública nacional. "Eu temo que a onda de violência em São Paulo leve a um avanço do pensamento reacionário e de grupos de extrema-direita no Brasil", declarou o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Greenhalgh criticou duramente o pacote de leis aprovado pela Câmara no calor do ataque do PCC, chamado de pacote "do pânico" pelo Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. "Neste mesmo plenário, já vi serem propostas leis para redução da maioridade penal. Isso é um absurdo e eu temo que novas propostas surjam". O deputado participou de mesa que contou também com a presença do ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Paulo Vannuchi, da deputada Maninha (PSol-DF), do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) e de Ivônio Barros, coordenador do Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos.

Para Barros, os defensores de direitos humanos estão sendo ameaçados por forças retrógradas, que abusam de bordões como "direitos humanos para humanos direitos". Ele lamenta a atitude desse segmento. "Pedem pela implantação da pena de morte, mas se esquecem de que ela já existe para os negros e os pobres, todos eles cidadãos brasileiros".

Para Barros, a reforma agrária se arrasta, sem rumo; as políticas indigenistas estão paradas (e ainda estão à mercê de autoridades que "têm coragem de dizer que eles exigem terra demais"); o Judiciário defende as elites; e os últimos três anos da SEDH foram frustrantes.

A explosão da violência em São Paulo, completou Cristovam Buarque, foi uma conseqüência da desigualdade social, caracterizado pela apartação social, tanto de raça quanto de classe. "O massacre foi cometido contra os que são estranhos para nós da classe média. Não os vemos como semelhantes".

"O Brasil precisa de uma política nacional de direitos humanos que não seja alterada pelos interesses partidários", disse o ministro Paulo Vannuchi. Ele reconheceu que o governo Lula errou ao rebaixar o status de Ministério da SEDH nos anos passados. Para Leme, se não houver política pública de longo prazo para os direitos humanos, nunca haverá garantias de sua implantação.

Greenhalgh condenou ainda a perseguição contra os líderes de movimentos sociais. Ele clamou aos participantes da Conferência para que fosse feito um "ato de desagravo" em defesa de mais de 40 militantes que foram incriminados na Justiça, e foi aplaudido de pé. "João Pedro Stédile (MST), Conceição Paganele (da Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco-AMAR), Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê (Movimento por Moradia no Centro de São Paulo-MMC) e muitos outros estão sendo perseguidos politicamente", destacou o deputado.

BOMBEIROS DO CAPITAL
Críticas ao modelo econômico foram recebidas pelo público da conferência com aplausos. Foi assim que a platéia ovacionou os posicionamentos de João Pedro Stédile, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e da professora de políticas públicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Laura Tavares, na segunda mesa da noite desta quarta-feira (31).

"Se não tivermos coragem de mudar essa política econômica, seremos eternamente bombeiros do capital. Sem mudança, não há direitos humanos que resolva o problema do povo", previu Stédile. O alvo principal do ataque foi a prioridade dada pelo governo ao superávit primário, ou seja, ao pagamento de dívidas financeiras, em detrimento dos investimentos sociais.

Para o integrante da coordenação nacional do MST, o imperativo da mudança se coloca em números. São 120 milhões de pobres no Brasil e cerca de US$ 1 trilhão em riquezas transferidas da América Latina à Europa e Estados Unidos na última década.

"O capitalismo explora não mais pela mão-de-obra barata, mas pela alta taxa de juros imposta pelos bancos ao governo. Assim, o sistema consegue explorar não só o trabalhador operário, mas toda a população", diz Stédile. "Eles nunca lucraram tanto como agora". O Bradesco, por exemplo, maior instituição financeira do País, anunciou um lucro de 1,53 bilhão somente no primeiro trimestre deste ano.

Para o representante do MST, o modelo econômico aplicado no Brasil desde a colonização conseguiu desenvolver o Estado e gerar riquezas, mas fracassou em combater a pobreza e a desigualdade social. Desigualdade, aliás, que pode ser observada de forma gritante no Distrito Federal. Brasília é como uma cidade de um país desenvolvido. Arborizada, gramas aparadas, ruas impecavelmente asfaltadas. Os veículos param na faixa para a passagem dos pedestres. Não há muros. É como se fosse um imenso parque. Isso até dentro do Projeto Piloto elaborado pelo urbanista Lúcio Costa e desenhado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. No entorno, as cidades satélites são pobres, carentes de recursos básicos, conurbadas. Diz-se que Brasília é de primeiro mundo; o Brasil mesmo está em volta.

A opinião é compartilhada por Laura Tavares. "Não agüento mais a palavra ‘inclusão social’. Inclusão onde? Neste mercado? Ensinar o pobre a mexer em computador para ele competir com quem? Com universitário que fala duas línguas e que mesmo assim não consegue emprego?", indagou.

Laura Tavares finalizou falando da importância de o Estado ter políticas públicas de inclusão, independente da atuação de organizações não-governamentais (ONGs). "Mais da metade dos projetos sociais no Rio de Janeiro são tocados por ONGs. São importantes, ajudam uma série de pessoas, mas têm data marcada para acabar", colocou. "Projeto social se faz com política pública permanente, pelo Estado. Por isso, não podemos permitir a desvinculação de verbas sociais em detrimento do superávit primário".

 


 

Consolidada - 1/6/2006 21h37 - AGÊNCIA CÂMARA
Especialista alerta: defender direitos não é crime

A criminalização dos movimentos sociais e as restrições à atuação de atores sociais e políticos que defendem os direitos humanos foram discutidos nesta quinta-feira em um dos painéis da 10ª Conferência Nacional de Direitos Humanos. O professor da Universidade de Brasília (UnB) José Geraldo de Souza Júnior citou relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) segundo o qual a principal constatação decorrente dos esforços de implementação da política de direitos humanos é a da criminalização das práticas dos defensores desses direitos.
O evento foi promovido pelo Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos; pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias; e Legislação Participativa da Câmara e pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, além da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão - órgão do Ministério Público Federal. A conferência teve ainda o apoio e a participação da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.

Intimidação
Para José Geraldo, autor de estudo sobre a criminalização dos movimentos sociais, a "cultura de criminalização" presente na legislação brasileira faz parte de uma estratégia de intimidação.
Segundo ele, as lutas dos movimentos sociais fazem com que os "crimes" dos defensores dos direitos humanos em determinado momento se transformem no direito de todos. José Geraldo citou como exemplos a luta pela jornada de oito horas de trabalho (que deu origem ao Dia do Trabalho, em 1º de maio) e por melhores condições de trabalho das mulheres (que fez do dia 8 de março o Dia Internacional da Mulher).
"O 'crime' daqueles trabalhadores formou o nosso direito", disse. Ele afirmou ainda que não basta o Estado editar leis; é preciso que elas sejam democráticas e tenham legitimidade. A crítica, segundo José Geraldo, precisa ser feita porque "só é direito aquilo que realiza a liberdade".

Justiça
No mesmo painel, intitulado "Defensores de Direitos Humanos e os Processos de Criminalização", o procurador Regional dos Direitos do Cidadão na Paraíba, Luciano Maia, ressaltou que o Poder Judiciário e o Ministério Público devem obediência clara ao tratados internacionais de direitos humanos. Para ele, o Judiciário, que deveria ter integridade para ser firme e fazer cessar violações de direitos humanos, muitas vezes não consegue entender onde essas violações estão acontecendo. "O problema do Ministério Público e do Judiciário é que aquela venda que cega a Justiça a cega para a injustiça social, para a violência estrutural e para a violência institucional. Ela [a Justiça] só tira a venda para enxergar a violência pessoal", criticou.
Para Luciano Maia, é preciso mudar essa mentalidade. No caso dos trabalhadores rurais sem terra, por exemplo, ele criticou a existência de uma lei que não permite sequer a vistoria da terra em caso de ocupação e lembrou que o ocupante é afastado dos programas sociais do governo. "A lei privilegia a propriedade privada contra o cumprimento da sua função social", observou. Para ele, em vez da superação do conflito, a legislação em vigor o agrava. O procurador acrescentou que aquele que luta pela terra parece não ser merecedor do reconhecimento de direitos como o acesso ao trabalho, à saúde e à alimentação, e passa a ser visto como marginal.

 
 


POLÍTICA EXTERNA - AGÊNCIA CARTA MAIOR

Comitê quer garantir a prevalência de direitos humanos na questão

Diversas instituições da sociedade civil e estatais criaram o Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa, que pretende criar mecanismos formais de participação social para influir na construção das posições brasileiras.

SÃO PAULO — De acordo com a Constituição Federal, um dos princípios que deve reger a política externa brasileira é a prevalência dos direitos humanos. Isso quer dizer que nenhum outro interesse, mesmo que legítimo, pode fazer com que o Brasil aja nas relações internacionais em desacordo com tais direitos. Partindo dessa diretriz constitucional, que nem sempre é levada em consideração pelos representantes do país em instâncias internacionais, 18 instituições da sociedade civil e estatais lançaram, quarta-feira (31), em Brasília, o Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa, que pretende garantir o respeito a esse princípio por meio da participação e do controle social.

Uma das propostas do novo comitê é exatamente promover a criação e o fortalecimento de mecanismos formais de participação da sociedade civil e entidades estatais na elaboração, execução e acompanhamento da política externa brasileira em direitos humanos. Esses mecanismos, que já existem em países como Canadá, México, Holanda e Argentina, podem ser concretizados em atividades relativamente simples, como reuniões prévias às conferências das quais o país vai participar; apresentação e discussão das posições a serem adotadas pelo Brasil nos encontros internacionais; e audiências públicas para promover o debate entre integrantes do Ministério das Relações Exteriores — responsável pela elaboração e execução da política externa, mais conhecido como Itamaraty - e representantes de ONGs, parlamentares e procuradores.

"Queremos estimular a participação da sociedade civil e das comissões de direitos humanos da Câmara e do Senado, que não têm como função principal tratar da política externa, mas que estão cada vez mais preocupadas com essas questões. Mas para participarem de forma efetiva precisam desses mecanismos formais, de prestação de contas, de transparência. Por isso queremos promover espaços de diálogo entre quem tem como competência primária a execução da política externa e esses atores interessados em participar dela", explica a secretária executiva do comitê, Lúcia Nader, coordenadora de Relações Internacionais da ONG Conectas Direitos Humanos.

Na avaliação do comitê, outra condição fundamental para uma participação qualificada é o acesso à informação sobre política externa e direitos humanos. Muitas vezes isso não ocorre porque o Estado brasileiro não fornece os dados que possui ou porque as organizações não governamentais não fazem circular as informações que chegam até elas. O objetivo do comitê nesse sentido é pressionar o Ministério das Relações Exteriores para que divulgue o andamento dos processos em âmbito internacional e estimular a produção e disseminação de informações sobre a elaboração e condução da política externa brasileira em direitos humanos, para dar maior visibilidade ao tema.

"O voto do Brasil nos organismos internacionais só é conhecido depois de dado. O comitê pretende articular governo, parlamentares e sociedade civil para promover um diálogo entre eles para construção das posições do Brasil nos fóruns internacionais acerca de direitos humanos, para orientar a consolidação das posições brasileiras no exterior", explica o deputado federal Luis Eduardo Greenhalgh (PT-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, que integra o comitê. Segundo ele, se o Brasil for celebrar um acordo com determinado país que é reconhecidamente violador de direitos humanos, como a China, o comitê vai recomendar que isso não seja feito e pressionar para que tal acordo não seja selado. "Queremos ajudar o país a avançar na prioridade brasileira de negociação com países que não violam esses direitos", afirma o deputado.

Outra função do recém-lançado comitê será a promoção de atividades educativas para as entidades da sociedade civil e instituições estatais que integram a iniciativa, para capacitar ONGs e atores governamentais em relação a política externa e direitos humanos e qualificar a atuação deles quanto a elaboração e execução de propostas do governo brasileiro nessa área.

O comitê também pretende monitorar o cumprimento de pactos e tratados internacionais e inclusive já começou a fazer uma pesquisa sobre quais são os relatórios que o Brasil deve à ONU (Organização das Nações Unidas) e à OEA (Organização dos Estados Americanos) e quais tratados que o país ainda não ratificou e deveria ratificar, para poder cobrar ações do Ministério das Relações Exteriores e do poder legislativo. "A gente sabe a quem cobrar, mas como não tem mecanismos formais de participação, não sabemos exatamente onde a política empacou. De repente surge um relatório. Falta transparência ao longo do processo de formatação da política externa e por isso há dificuldade de saber onde está o problema. Queremos que o Ministério das Relações Exteriores perceba que essas organizações estão vigiando, acompanhando, porque só de saber que tem gente preocupada com a política externa já pode fazer uma diferença grande", avalia Lúcia.

A necessidade de criação de uma instância nos moldes do comitê foi proposta durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara em setembro do ano passado. Além da Comissão e da Conectas, fazem parte do comitê, entre outras instituições, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, o Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos (FENDH), o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), a ONG Justiça Global e representantes do Programa Nacional de DST/AIDS (Ministério da Saúde).

"A política externa tem que ser encarada como a política pública do Ministério de Relações Exteriores, e não mais ser vista como fechada e hermética, como ocorre atualmente. Ou seja, tem que haver participação popular, controle social, debates e difusão de informações sobre ela", resume Lúcia.

Hoje - 2/6/2006 8h31  - AGÊNCIA CÂMARA
Conferência vai propor compromisso com direitos humanos

A 10ª Conferência Nacional de Direitos Humanos termina hoje com a discussão e aprovação do Compromisso Brasileiro com os Direitos Humanos, carta que vai reunir as propostas e conclusões do encontro. Entre as sugestões deve constar um projeto de Lei de Responsabilidade Social, que estimule a administração pública a adotar políticas de manutenção dos direitos humanos.
A carta também deve propor a organizações da sociedade civil e do Estado uma agenda sobre o tema, com base no estudo das relações entre o modelo econômico e os direitos humanos. Ainda será oferecida a políticos e a candidatos uma plataforma com prioridades para o setor.

Temas
Das 9 às 11 horas, a plenária estará aberta a intervenções gerais, com denúncias, moções, informes e lançamento de livros, no auditório Nereu Ramos. No mesmo horário, os grupos de trabalho se reúnem simultaneamente para concluir os relatórios, nos plenários do anexo 2. Os temas são:
- Modelo econômico e direitos humanos;
- Falcões, racismo e violência;
- Violência nas instituições totais;
- Situação atual dos direitos indígenas no Brasil;
- Política Nacional de Direitos Humanos (Programa Nacional, Sistema Nacional, Conselho Nacional e matérias da agenda legislativa);
- Defensores de direitos humanos e processos de criminalização;
- Avaliação e propostas para educação em direitos humanos;
- Exigibilidade dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais.
Os relatórios serão apresentados das 11 às 13 horas, no auditório Nereu Ramos. A plenária final segue das 14h30 às 17 horas, com Aprovação do Compromisso Brasileiro com os Direitos Humanos.

Organizadores
O evento é promovido pelo Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos; pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias; e Legislação Participativa da Câmara e pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, além da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão - órgão do Ministério Público Federal. A conferência tem ainda o apoio e a participação da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.