“O tempo não para”
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, é uma das Comissões realizadoras do Seminário, além das Comissões de Seguridade Social e Família, de Legislação Participativa, de Cultura e de Educação da Câmara dos Deputados. Já pelo Senado Federal, participam as Comissões de Assuntos Sociais e a de Direitos Humanos e Legislação Participativa.
Abertura
O deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ), que pediu a realização do evento, ressaltou a dificuldade para que ele acontecesse. “Fazer esse Seminário não é uma coisa simples. Durante todo ano, a agenda do Congresso tenta banir a pauta LGBT das discussões da Casa. Tivemos dificuldades como a falta de dinheiro e hoje tem gente que veio como voluntário. Nos governos anteriores era diferente, havia apoio material e institucional. Hoje vivemos um país dividido pelo ódio”, afirma.
“Nem todos da comunidade LGBT envelhecem, o índice de suicídios é imenso, principalmente na adolescência, por causa da ruptura do amor dos pais, bullying em casa na escola, ou assassinado”, completa Jean Wyllys.
Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado Luiz Couto (PT/PB), o tema deste ano une duas situações importantes.
“Trata-se da intersecção de dois grupos que sofrem preconceito, são alvos de intolerância, ódio e falta de políticas públicas. A população LGBT e os idosos. Queremos trabalhar, cada vez mais, por respeito e dignidade, somos brasileiros e brasileiras e a Constituição garante tratamento igual para todos”, observa Luiz Couto
“Sou a pessoa mais interessada pelo tema desse Seminário. A velhice não está em mim, está no olho de quem me vê. Tenho 83 anos, mas o sonho não envelhece. E peço, que quando falarem de velhos, não falem em doenças ou cuidadores, mas sim de uma pessoa que continua lutando e sonhando. Temos uma sociedade envelhecida que não percebe que o mundo mudou”, testemunhou a deputada Luiza Erudina (PSOL/SP).
Família, previdência, saúde
Margarida Pressburger, que foi a primeira representante do Brasil no Subcomitê de Prevenção à Tortura da Organização das Nações Unidas (ONU) e detentora do Prêmio Direitos Humanos afirma que o Brasil é um país machista e homofóbico. “Até um tempo atrás as viúvas e viúvos de casais homoafetivos eram expulsos de casa ou perdiam todos os bens adquiridos enquanto estavam juntos, para a família de um deles. Tenho fé que isso vai mudar. Mas precisamos de políticas públicas que, por exemplo, criem casas de custódia para pessoas trans, também abrigos para que possam envelhecer em boas condições e não sozinhos e abandonados. Envelhece o corpo, mas a cabeça não. Homoafetividade é a afetividade da vida”, pondera a advogada.
Para Ana Brocanelo, advogada especialista em Direito de Família, Sucessões e Direito Homoafetivo, o maior problema está na falta de preparo da Previdência Social para cuidar, tratar e receber a população LGBT idosa. “O INSS não está preparado para encaminhar pensões por morte de companheiro (a), a legislação trabalhista não está preparada para receber companheiros do mesmo sexo em um plano de saúde, por exemplo. Além disso, o estatuto do idoso não faz distinção entre homem e mulher, muito menos LGBT. O que acaba acontecendo é a judicialização do que deveria ser legislação”, observa Ana.
Alguns avanços são registrados, por exemplo, no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, do Rio de Janeiro. A instituição deve passar a ser um “hospital amigo” da população LGBT. Uma série de medidas estão sendo adotadas. Entre elas, processo de transgenitalização pelo no SUS, tratamento de lipodistrofia, cirurgia plástica pra travestis e trans, histerectomia, cirurgia estética íntima peniana e vulvar, ambulatório e clínica médica para população trans, ambulatório de psicologia, ambulatório de IST com diagnóstico por biologia molecular e tratamento integral da violência por homofobia ou estupro. “O envelhecimento é uma questão inerente em todos, todos vamos morrer. Mas temos que ter envelhecimento bem-sucedido, com boa alimentação, produzindo, amando e usando poucos remédios”, avalia Fernando Ferry, médico e diretor do Hospital.
Heliana Hemetério, historiadora pós-graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Secretária de Direitos Humanos da ABGLT, e também faz parte da Rede de Mulheres Negras e da Candace/Coletivo de Lésbicas Negras. Ela lembra que é difícil falar de previdência e trabalho em uma sociedade separada por raça e classe. “ O racismo nos coloca no lugar de pobreza. Sou negra e lésbica concursada do IBGE. Mas não pude ascender porque era negra, o que me “salvou” foi não dar “pinta” de lésbica. Como falar em previdência quando a pessoa tem que se prostituir para comprar comida, sapato, casa? Falar de dignidade numa sociedade hipócrita, construir um envelhecimento com dignidade, numa sociedade que diz que você tem que ser jovem, magra, maravilhosa e branca? Nós construímos nossa sexualidade na clandestinidade”, denuncia Heliana.
João Nery, psicólogo, professor universitário, psicoterapeuta e consultor em gênero e sexualidade, aponta a causa para a falta de informação sobre o que é cisgênero, trans e sexo. “Das faculdades no Brasil, só 5 tem como obrigatoriedade cadeiras sobre gênero. Então, são formados psicólogas, médicos, assistentes sociais, que não sabem diferenciar gênero de sexo”, completa o também escritor. Ele é autor do livro “Viagem Solitária: memórias de um transexual trinta anos depois”. Nery foi o primeiro homem trans a fazer cirurgia de redesignação de gênero no Brasil.
Marcia Rachid, médica e mestre em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, destaca os avanços no tratamento da Aids. “Durante 10 anos trabalhamos sem nenhum antirretroviral e existia muita ignorância em relação à infecção pelo HIV. Mas o preconceito permanece e até dos familiares, a partir do diagnóstico positivo, tratam o assunto como um segredo. A ciência progrediu, mas o preconceito voltou. E hoje o vírus atinge principalmente os jovens de 19 a 24 anos, eles ficam perdidos e são expulsos de casa. Se for transgênero complica muito mais ainda”, explica a médica.
Preconceito entre os gays
Para Raicarlos Durans, homem trans, militante de direitos humanos, no município de Marituba (PA) e colaborador para a criação do “processo transexualizador” do Ministério da Saúde no Estado do Pará, o Estado tem responsabilidade sobre a atual situação da população trans. “Temos um Estado anacrônico e de classes. A violência está nos quatro cantos do país, e temos um Legislativo atrasado, que estimula a violência”, critica Raicarlos.
Rogério Pedro, é idealizador e presidente da ONG Eternamente SOU, para a implantação de serviços e projetos voltados ao atendimento psicossocial de pessoas idosas LGBTI60+. Ele afirma que existe preconceito dentro do próprio público gay. “Jovens discriminam os gays idosos, que ficam num canto, numa balada, porque não são bem-vindos. Mas estamos falando de um indivíduo que nasceu, cresceu e criou uma identidade própria. Então, na velhice não se deve voltar para o armário. Devemos pensar sobre o que estamos fazendo para o nosso envelhecimento e levar adiante a revisão do Estatuto do Idoso”, pede Rogério.
Bayard Tonelli, ator e coreógrafo, é um dos fundadores do grupo artístico Dzi Croquettes, que rompeu barreiras e preconceitos nos anos 70. “Envelhecer é um aprendizado, tenho 71 anos e me sinto um privilegiado. Quero vida, quero ser atrevido, mas não tenho aposentadoria e não tenho plano de saúde”, pondera o ator.
As várias facetas da velhice começam a ser discutidas na chamada gerontologia LGBT. Carlos Eduardo Henning, antropólogo e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), estuda, há dez anos, o envelhecimento de homens homossexuais. Ele aponta uma fragilidade nas redes de apoio sociais e das famílias. “ Hoje os LGBTs têm as chamadas famílias do coração formadas por amigos, sejam gays ou não. E temos desafios extras. Não tem como imaginar idosos LGBT nos asilos convencionais e a atual geração LGBT tem uma série de conquistas em todas as áreas vai chegar à terceira idade numa situação bem diferente, não vai aceitar ter negado o direito de viver plenamente essa etapa da vida”, observa Henning.
“Gay não morre, vira purpurina”
“Nada disso, gay morre e muito. O Brasil é o país do mundo que mais mata travestis e transexuais. A cada 27 horas uma pessoa é morta no país por causa da identidade de gênero” informa Elcimar Reis Bitencourt, procurador do Ministério Público do Trabalho e responsável pelo projeto Transformando Vidas, em Rondonópolis (MT), para capacitação de mulheres trans. “ O MPT tem tratados de igualdade no trabalho. Hoje são três projetos que tratam da empregabilidade trans. Em São Paulo e em Rondonópolis, onde 20 travestis fazem um curso de empreendedorismo e estética para trabalhar por conta própria e, nessas circunstâncias, poderão ter uma aposentadoria ou ir para um lugar onde recebam cuidados”, acrescenta Elcimar.
Tramita na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei que propõe alterar os processos de licitação para contratação de serviços, dando preferência para empresas que tenham índices de equidade de gêneros nas suas propostas. O PL é de autoria do deputado Jean Wyllys.
Pedro Calvi /CDHM