“meu prazer de verdade, é ser honesto”
“Quanto à liminar, cabe recurso ao Tribunal de Justiça, através de um agravo de instrumento. O MST também está fazendo outro recurso e os prazos cumprem o Código de Processo Civil. Há elementos jurídicos para poder sustentar a tese que essa liminar não cabe. Muita coisa que está no papel não condiz com a realidade”, afirma presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Minas Gerais, Wiliam dos Santos.
Para ver de perto a situação dos moradores e dos acampamentos, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) estiveram no local nesta segunda-feira (26). Moradores e líderes do MST acompanharam os parlamentares e fizeram com eles o caminho que o juiz teria feito durante a vistoria realizada antes de assinar o mandado.
“O juiz que emitiu o mandado está cego ou agindo de má fé. Aqui tem produção em todos os lugares. Café, milho, banana e outras frutas. Tem uso racional da água. É uma vergonha essa decisão de juiz que afirma que aqui não há produção. Os trabalhadores que estão aqui vão resistir. A Justiça não pode ser cega só para os patrões, para aqueles que querem destruir esse imenso trabalho”, afirma o deputado Luiz Couto, presidente da CDHM.
Luiz Couto adverte ainda que essa decisão da justiça pode ter consequências sociais graves. “A Comissão de Direitos Humanos e Minorias vai tomar as providências para garantir o respeito àqueles que estão aqui há 20 anos e que não podem ser despejados, levados para as periferias das cidades e ficarem sem ter o que comer. A produção deste quilombo não é importante só para Minas Gerais, mas para todo país”, conclui.
O deputado Adelmo Carneiro Leão (PT- MG), também da CDHM, elogiou a organização social e política do grupo. “O juiz está mentindo e isso é inaceitável”, disse.
O reverendo Bernardini, do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), que também participou da diligência, reitera a percepção sobre a atuação da justiça. "Há uma total incoerência entre a sentença do juiz e essa realidade que estamos vendo. Parece que há por trás alguma intenção de grandes cafeicultores que querem massacrar a vida, a esperança e o esforço dos pobres”, disse.
De trabalhador em usina a agricultor
“Foi com o cabo da enxada embaixo de sol e de chuva que eu e meus filhos plantamos isso tudo aqui, aí vem um juiz e diz que não produzimos nada?” , pergunta Antônio Cândido Fernandes, de 71 anos, e morador do acampamento Girassol, um dos 10 que formam o Quilombo Campo Grande. Ele e os filhos cuidam de uma área que tem quase 30 mil pés de café.
A história do “Seu” Antônio começa ainda antes da falência da antiga usina de cana de açúcar que existia na cidade. Ele conta que era funcionário da empresa e que, nos últimos anos, antes da falência, ele e muitos colegas trabalharam sem salário. Com o fechamento da usina, ficaram sem emprego e até hoje não receberam nenhuma indenização.
“Fiz tudo isso sozinho, sem ajuda de ninguém. O jeito era plantar para comer e poder vender um pouco da produção para viver”, conta Antônio, que fala em alto e bom som para toda diligência ouvir: “meu prazer de verdade, é ser honesto”.
Belchior Serafim de Morais também viveu essa situação. “Meu pai morreu sem receber o que a usina devia a ele”, lamenta. Hoje, ele cuida de um viveiro com cerca de 100 mil mudas de café.
Deputados mineiros
O deputado Cristiano Silveira (PT/MG), presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, questiona a velocidade com que o processo de reintegração foi julgado e destaca a produtividade das terras ocupadas. “Nenhum pé de café fica daquele tamanho do dia para a noite, não é possível que o juiz não viu isso”, disse.
Já o deputado Rogério Correia (PT/MG) conta que os comerciantes da região já entregaram à ALMG um abaixo-assinado pedindo que o MST permaneça na região, porque é importante para abastecer escolas e residências com alimentação saudável.
Audiência pública
Depois das visitas aos acampamentos, mais de 300 pessoas se reuniram com os parlamentares em um antigo galpão da usina.
A deputada estadual eleita Beatriz Cerqueira (PT/MG), que também acompanhou a visita, pediu que outros deputados, que têm se posicionado contra os acampamentos, visitem o local. “Que eles venham aqui, pisem nesse chão, conversem com todos vocês! Eles não têm coragem! Não vamos deixar que a luta e o trabalho de vocês sejam criminalizados”, disse.
Também participaram da diligência Gabriel Rocha, secretário de Direitos Humanos de Minas Gerais, Afonso Miranda, procurador de justiça do Ministério Público/MG e o deputado federal Valmir Assunção (PT/BA).
A produção
Os agricultores do quilombo trabalham com produção agroecológica ou de transição. O maior destaque é o Café Guaií, que também é exportado. Cerca de 2 mil pessoas são beneficiadas através da geração de trabalho e renda nos acampamentos. A safra anual do famoso café chega a 510 toneladas.
São 1.200 hectares de lavoura de milho, feijão, mandioca, amendoim e abóbora, 40 hectares de horta agroecológica, 520 hectares de café com 1,8 milhão de pés.
Os agricultores vivem em 418 casas de alvenaria. Algumas já têm ligação de luz feita pela Cemig, outras usam baterias de carro para iluminação.
O Quilombo é formado por dez acampamentos: Fome Zero, Resistência, Rosa Luxemburgo, Betinho, Tiradentes, Potreiros, Girassol, Sidnei Dias, Chico Mendes e Vitória.
O caso
As famílias de trabalhadores rurais vivem na área da usina falida Ariadnópolis, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia). A empresa fechou as portas em 1996, mas ainda tem dívidas trabalhistas de aproximadamente R$ 300 milhões. Em 2015, a usina teve a falência transitada em julgado e, no mesmo ano, o governo estadual publicou um decreto que transformava o local em área de interesse social.
Também em 2015, um decreto estadual previa a desapropriação de 3.195 hectares da usina, mediante o pagamento de R$ 66 milhões à Capia. Há dois meses, as famílias do Quilombo Campo Grande firmaram um acordo em que o Estado se comprometia a pagar o valor em cinco parcelas.
Mas, acionistas da empresa com o apoio de ruralistas e latifundiários da região, não aceitaram o acordo. O grupo levou o caso para a Justiça, contra o governo de Minas Gerais, pedindo anulação do decreto que já havia sido validado por dois julgamentos. Os empresários retomaram uma liminar de despejo de 2012 referente à falência da usina e que estava parada há mais de um ano. Foi essa a liminar aprovada no dia 7 de novembro.
Já aconteceram 11 despejos na área, mas apenas parciais. É a primeira vez que um mandado determina o despejo de toda a área. Os líderes do MST questionam a legalidade do processo.
Pedro Calvi / CDHM