16 mortes por dia
Correio Braziliense - 23/08/2005
Direitos humanos - 16 mortos por dia
Paloma Oliveto
Pesquisa da Unicef mostra que a violência assombra as crianças e adolescentes do país até dentro de casa
Está cada vez mais perigoso ser criança no Brasil. Meninos e meninas de todas as realidades sociais vivem cercados por ameaças. Algumas, dentro de casa. Sofrem espancamentos, são assassinadas, além de serem alvos de discriminação e exploração sexual. Hoje, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lança, em São Paulo, uma compilação de pesquisas sobre as mais diversas formas de violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Os dados dimensionam o problema: a cada dia, 16 brasileiros com menos de 18 anos morrem no país, vítimas de homicídio.
"O que mais nos chamou a atenção foi o fato de a realidade da violência contra crianças e adolescentes ser tão forte no Brasil", conta Helena Oliveira, oficial de projetos do Unicef e coordenadora do livro A violência no ciclo da criança e do adolescente, organizado em parceria com o Observatório de Favelas. O trabalho aborda a violação dos direitos humanos de crianças e jovens em 11 formas: doméstica, comunitária, institucional, sexual, étnica, racial, na saúde, nas escolas, no trânsito, no trabalho infantil e em relação aos adolescentes em conflito com a lei.
O perigo, aponta o estudo, está dentro de casa. Dos homicídios envolvendo crianças, 44,3% acontecem nos seus lares, e em 34,4% dos casos, algum parente é o responsável pelo crime. Setenta e cinco por cento das crianças agredidas em casa têm menos de 10 anos de idade. Os números, porém, podem estar subestimados, já que é praticamente impossível fazer um controle sobre esse tipo de violência. "É um problema que acontece em todas as famílias, sejam ricas, pobres ou de classe média. Há uma espécie de complô do silêncio, ninguém quer que os dados apareçam", argumenta Helena Oliveira.
Segundo o estudo do Unicef, a punição corporal é fruto de um passado no qual a punição com dor física aos filhos era algo considerado normal. "Essa era a resposta punitiva por excelência para travessuras, choros, rebeldia, desatenção na escola. Podia ser uma prática vingativa e despótica, funcionando absurdamente como verdadeiro dispositivo de tortura física e psicológica. A criança era rebaixada à condição do réu e não tinha a quem apelar para se defender", diz o estudo da pesquisa. O documento conclui que o problema só poderá ser resolvido quando houver uma mudança cultural: "Mesmo os profissionais da saúde e do direito convivem de forma pacífica com essa realidade trágica e ultrajante da infância e adolescência".
Abuso
É dentro de casa, também, que ocorre a maioria dos casos de abuso sexual. Quarenta e nove por cento das crianças que sofrem dessa violência no ambiente doméstico têm entre 2 e 5 anos de idade. Além do dano físico, há o psicológico. "A criança tende a pensar que a culpa foi dela", afirma a psicóloga Dalka Chaves de Almeida Ferrari, especialista em violência doméstica e revisora técnica do livro Abuso Sexual em Crianças, da conferencista norte-americana Christiane Sanderson.
Coordenadora do programa Sentinela/Cuidar do governo federal no oeste de São Paulo, Ferrari defende que o agressor também precisa ser inserido no tratamento. "O abusador é vítima de uma patologia e tem de ser submetido à terapia", afirma. Na unidade do Sentinela, que oferece apoio às vítimas da agressão sexual, a psicóloga conseguiu criar um programa voltado à família e ao agressor. "É um processo longo, mas muitas pessoas conseguem se reestruturar e recuperar o autocontrole", conta.
O Sentinela é um dos projetos discutidos durante a Consulta Nacional sobre a Violência contra a Criança e o Adolescente, evento organizado pelo Unicef em parceria com outros órgãos das Nações Unidas, que acontece em São Paulo. A partir do diagnóstico das várias formas de violência, especialistas de diversas áreas debatem as causas e os projetos bem-sucedidos no combate às agressões. "Nosso objetivo é incentivar a sociedade a debater o assunto e encontrar caminhos para enfrentá-lo", explica Marie-Pierre Poirier, representante do Unicef no Brasil.