Pandemia exige atualização de normas de defesa do consumidor, aponta estudo do Senado

Além de mudanças excepcionais em regulamentos sobre consumo, os impactos econômicos e sociais decorrentes da pandemia de covid-19 devem promover discussões para atualização do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A previsão faz parte de um estudo elaborado pela Consultoria Legislativa do Senado, levando em consideração o atual cenário de consumo e vendas no Brasil e a necessidade de viabilizar alternativas jurídicas que atendam aos desafios impostos pela crise sanitária.
02/03/2021 00h00

O estudo analisou as principais medidas adotadas ao longo de 2020 para garantir os direitos dos consumidores na pandemia. De acordo com Beatriz Simas, consultora legislativa que conduziu a pesquisa, a maior parte das ações na esfera regulatória, legislativa e judiciária nos setores econômicos mais afetados possui, até agora, um caráter transitório. Por essa razão, ainda deve permanecer na agenda de discussões dos agentes públicos, principalmente do Congresso Nacional.  

“Este parece ser um dos desafios para o futuro próximo: decidir sobre a retirada ou prorrogação de algumas dessas regras em um cenário ainda repleto de incertezas, ao mesmo tempo em que aperfeiçoamentos ao marco legal de proteção ao consumidor permanecem sob discussão”, avalia.

A consultora ressalta que os impactos econômicos que envolvem, por exemplo, a paralisação de negócios, quedas abruptas da demanda e a súbita perda de renda das famílias vão despertar a formulação de iniciativas que ajudem a construir um arcabouço geral para lidar com algumas dessas questões.

Entre as medidas que podem auxiliar nesse cenário, ela citou a proposta de atualização do CDC apresentada, ainda em 2012, por uma comissão de juristas instalada pela Presidência do Senado. O trabalho desse grupo resultou na apresentação de três projetos de lei, já aprovados pelos senadores, para ajustar a atual legislação às novas realidades tecnológicas e mercadológicas, além de disciplinar a oferta do crédito ao consumidor. Vale lembrar que o CDC, aprovado quando não existia a internet, completou 30 anos em 2020.  

Um dos projetos de lei elencados pela pesquisa é o PLS 283/2012, que estabelece mecanismos para a prevenção ao superendividamento, acesso ao crédito responsável e promoção da educação financeira ao consumidor.

“Uma das principais inovações propostas é o estabelecimento de normas para incentivar a conciliação entre os devedores e o consumidor enfrentando uma situação de superendividamento. As regras foram inspiradas em normas já existentes em outros países, bem como em práticas adotadas em tribunais de Justiça locais, e visavam promover a elaboração de planos de pagamento para quitação de dívidas que preservassem o mínimo existencial, facilitando assim o adimplemento das dívidas e permitindo a reinclusão do consumidor no mercado”, ressalta Beatriz Simas, lembrando que a proposta também foi inserida na lista de 35 projetos considerados prioritários pelo Poder Executivo na sessão de abertura do ano legislativo, em fevereiro.

A análise traz ainda a avaliação de vários indicadores de organismos internacionais sobre os reflexos da pandemia nas relações de contratos de consumo e venda em outros países. No topo das preocupações mundo afora, está o aumento das fraudes em operações feitas eletronicamente.

Com o agravamento da crise sanitária mundial, conforme dados apresentados pela pesquisa, o consumo remoto também cresceu consideravelmente, fazendo com que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) alertasse para a necessidade de colaboração entre os países para ampliar ferramentas de transparência das informações e conscientização do consumidor, além do monitoramento e punição dos responsáveis pelas fraudes.

Nesse sentido, Beatriz Simas lembra que também faz parte da proposta de modernização do CDC o PLS 281/2012. Já aprovado no Senado, o texto estabelece a inclusão de novas regras sobre a proteção de consumidores em operações de comércio eletrônico, com foco principalmente na proteção à privacidade e na transparência de informações prestadas ao consumidor pelo fornecedor. Ela ressalta que ganham relevo propostas que possam aumentar a confiança dos consumidores nos mercados on-line, melhorando a segurança e ajudando a combater variados esquemas de fraude.

O debate em torno do comércio eletrônico deve continuar relevante, especialmente considerando que certas mudanças de hábitos adquiridas ao longo da pandemia, como um maior uso dos serviços de entrega em casa, podem vir a se tornar permanentes, e que uma grande quantidade de pequenos negócios migrou para as plataformas on-line ou tem no comércio eletrônico hoje uma fonte indispensável de receita”, diz.

Já em 2021, mais de 200 milhões de brasileiros tiveram seus dados vazados ilegalmente. Os vazamentos incluem informações como números de CPF, acompanhados de dados sobre nome, sexo e data de nascimento, além de uma tabela com informações de veículos e uma lista com CNPJs (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) que podem ser usadas por criminosos para emitir cartões de crédito, fazer empréstimos e financiamentos, abrir conta em bancos ou operar qualquer outro tipo de golpe.

O estudo identifica ainda outras questões surgidas na área de consumo no Brasil desde o início da pandemia e elenca algumas respostas excepcionais que foram dadas, nas diversas esferas governamentais.

Com a contribuição do Congresso Nacional, a pesquisa cita a aprovação da Medida Provisória (MP) 925/2020, direcionada ao setor aéreo, que estabeleceu novas regras para o reembolso de passagens aéreas, e a MP 948/2020, que regulou o cancelamento dos serviços e de reservas nos setores de turismo e eventos. Ambas foram transformadas em lei.

O estudo cita ainda uma série de iniciativas legislativas discutidas no Parlamento que, mesmo que não tenham sido aprovadas, “indicam pontos de preocupação durante a pandemia a respeito de questões envolvendo direito do consumidor”. As mesmas questões, conforme a previsão da pesquisa, continuarão na pauta, porque visam promover algum tipo de alteração em contratos de consumo, seja vedando o corte do fornecimento de serviços essenciais por falta de pagamento, suspendendo temporariamente pagamentos ou mesmo permitindo o cancelamento de contratos sem a cobrança de penalidades contratuais para consumidores que continuam enfrentando dificuldades financeiras.

Entre os projetos, Beatriz Simas cita o PL 2.113/2020, que veda qualquer tipo de restrição de cobertura do seguro de assistência médica e seguro de vida ou invalidez permanente em função do estado de emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. Ela também faz referência ao PL 675/2020, que suspendia, por 90 dias, a inclusão de nomes de devedores em cadastros negativos de crédito (e que foi integralmente vetado pelo Poder Executivo), além de uma série de propostas que buscam resolver impasses no setor educacional, área diretamente atingida pelos impactos da pandemia.

A pesquisa também ressalta que muitas das matérias aprovadas e transformadas em lei tinham seu prazo de vigência vinculado ao Decreto 6, de 2020, que reconheceu o estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020. Como as iniciativas caducaram e os consumidores continuam enfrentando os mesmos problemas, a tendência é que as questões sejam retomadas.

Fonte: Agência Senado