Os esforços para o Código de Defesa do Consumidor sair do papel

Uma lei no papel não vale muito. Para ser eficiente, ela tem que estar viva e no dia a dia do cidadão. Em 25 anos, o Código de Defesa do Consumidor conseguiu entrar no cotidiano do brasileiro.
20/08/2015 15h55

       


 Pesquisa do Data Senado informa que 84% dos brasileiros já ouviram falar da legislação de defesa e 68% creditam a ela a mudança positiva no comportamento dos empresários. “O CDC produziu um conjunto de valores nas relações de consumo do brasileiro. Um fornecedor não pode mais enganar o consumidor, realizar cobranças abusivas, publicidade enganosa. Esse capital social é o grande tributo dos 25 anos de Código”, analisa Ricardo Morishita, diretor do Departamento Nacional de Defesa do Consumidor (DNPC) entre 2003 e 2010 e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Ceub e Ibmec. 

A recepção do consumidor ao Código e a luta das entidades civis para que a lei não virasse “letra morta” deu força ao CDC no Brasil. Na opinião de especialistas ouvidos pelo Correio, o cidadão se apropriou do Código mais do que os fornecedores, por isso, os conflitos de consumo ainda são grandes no Brasil. “O consumidor avançou até mais do que as empresas. Tornou-se mais consciente de seus direitos, mais crítico e mais exigente e mais informado sobre o aparato estatal e institucional que foi montado para protegê-lo. Já as empresas ainda têm dificuldades para se comunicar com os clientes e resolver suas demandas legítimas”, analisa Geraldo Alckmin, governador do estado de São Paulo e autor do anteprojeto do CDC. 

A adaptação de alguns fornecedores foi uma das principais dificuldades enfrentadas pelo Código nesses 25 anos, principalmente os estabelecimentos ligados às áreas de varejo, indústria e serviços financeiros. Tanto que, mesmo depois de aprovado, alguns setores produtivos questionaram a legislação. Foi o caso dos bancos. O segmento entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade alegando que a relação entre cliente e instituição deveria ser regulada pelo Banco Central, e não pelo CDC. O setor perdeu a ação em 2006, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela submissão dos bancos ao Código. O Correio tentou contato com a Federação Nacional dos Bancos (Febraban) para avaliar os 25 anos da legislação de defesa, mas até o fechamento da edição, a entidade não tinha se manifestado. 

Outra tentativa das empresas de “escapar” do CDC é se apoiar em normas das agências reguladoras para assuntos de defesa com o consumidor. É o caso, por exemplo, do direito de arrependimento das passagens aéreas. Por mais que o Código determine sete dias para a devolução da mercadoria em caso de compras feitas fora do estabelecimento comercial, as companhias aéreas não cumprem essa determinação e alegam que cumprem a resolução da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). 

Rede de defesa 

O apoio das associações civis, de órgãos administrativos como os Procons, do Judiciário e do Ministério Público foi essencial para que o Código se consolidasse no Brasil . Bruno Miragem, presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), conta que a entidade foi criada com o objetivo de proteger a legislação e colocá-la em prática. “Depois de tramitado, os autores entenderam a natureza acadêmica e científica do Código. Por isso, eles resolveram fundar o Brasilcon como entidade científica para promover estudos, divulgar o Código e promover a sua efetivação”, comenta. Na opinião de Bruno, o esforço de articulação deu bons resultados. “Em termos de efetividade, o Código venceu e hoje tem um reconhecimento”, completa. 

Leonardo Bessa, procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), conta que, nos primeiros dez anos, as empresas estranhavam a atuação do Ministério Público na defesa do consumidor. “ A partir de 1993 e 1994, os Ministérios Públicos passaram a ter as procuradorias especializadas porque a função do MP é fazer a defesa coletiva. Mas quando chamávamos a empresa em um processo, elas não entendiam porque o MP estava se metendo nessa questão e não respeitavam. Entravam até com habeas corpus para não comparecer no Ministério Público”, lembra Bessa. 

Segundo o procurador, no início da vigência do Código, os MPs centraram mais nas ações judiciais contra as empresas, mas, à medida que as relações de consumo foram amadurecendo no país, o órgão focou mais na resolução de conflitos antes da judicialização, pelos Termos de Ajuste de Conduta (TAC). “Mudou a cultura do MP e das empresas também. Uma ação coletiva gera um desgaste muito maior, por isso, as empresas preferem fazer um acordo antes”, defende.    

Papéis bem definidos 

No Brasil existia proteção nas relações de consumo pelos códigos Civil e Comercial antes do CDC, o que este trouxe foi uma consolidação de leis esparsas e uma tutela específica sobre o assunto. “O Código vai estabelecer não só normas mais específicas sobre o consumo, mas também princípios, como o da boa-fé e da transparência”, explica Ivete Maria Ribeiro, diretora executiva da Fundação Procon de São Paulo.  

O reconhecimento do cliente como parte mais vulnerável na relação de consumo e a inversão do ônus da prova, isto é, a obrigação da empresa de provar o contrário do que o cliente está reclamando, são os dois principais trunfos que o CDC deu ao comprador. “O consumidor é a parte mais vulnerável da relação de consumo. Isso fica consolidado. Agora, isso não implica que ele deixe de ter deveres”, analisa Elici Bueno, coordenadora executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). 

O professor Ricardo Morishita lembra que, na época da mudança do Plano Cruzado para o Plano Real, a existência de uma rede de defesa do consumidor foi de suma importância para manter a economia do país e evitar abusos. “Os Procons tiveram um papel fundamental nessa questão, eles fiscalizaram os preços praticados nos últimos quatro meses antes da mudança da moeda e viam se os fornecedores estavam aproveitando a mudança para subir preços”, relembra. 

        

Para o aposentado Jovino José dos Santos, 84 anos, antes da existência da lei e de mecanismos de proteção ao consumidor, como os Procons, a situação era mais dificíl, porém, ele ressalta que ainda tem muito o que melhorar. “Nossas leis são omissas, o legislador deixa válvula de escape para as empresas aproveitarem. Nisso, o interessado fica no jogo de empurra”, comenta. O aposentado esteve no Procon na semana passada para tentar quitar, antecipadamente, um crédito com o banco. A instituição não enviava o boleto para o pagamento antecipado. Somente após a intermediação do Procon foi que o aposentado conseguiu resolver o problema. 

Fonte: Correio Braziliense / Blog do Consumidor https://www.dzai.com.br/blogconsumidor/blog/blogconsumidor