O Congresso é soberano
Nos últimos meses, Rousseau, Montesquieu, Kant, Espinosa, Bobbio e outros teóricos do Estado democrático de Direito devem ter tido pesadelos brunos nos seus sonos eternos. Já Maquiavel, Jean Bodin, Jacques Bossuet e Thomas Hobbes, teóricos do absolutismo, devem ter levantado dos túmulos para aplaudir as investidas do Supremo Tribunal Federal sobre as prerrogativas do Congresso Nacional.
Essa é a impressão que passa quando se observa, com a devida atenção, recentes manifestações do STF e de alguns de seus ministros, tanto em relação a tomadas de decisão, como ocorreu recentemente ao conceder liminares que ferem a autonomia do Congresso Nacional, quanto em relação a declarações afrontosas sobre o trabalho legislativo.
O presidente do STF, Joaquim Barbosa, foi infeliz quando disse que os partidos políticos são de "mentirinha" e que o Congresso Nacional é "inteiramente dominado pelo Poder Executivo". Trata-se de uma declaração despótica, que feriu gravemente a cidadania do povo brasileiro.
É inegável que o Congresso Nacional não está bem na opinião pública. Talvez por ser o Poder da República mais transparente e devassado pela imprensa, que tudo escarafuncha com sua lupa impiedosa. Seus erros são tratados com rigores extremos, com ou sem razão, diferentemente de seus acertos, nem sempre considerados. Mas é preferível a permanente vigilância à censura, à opressão e ao cerceamento da liberdade, próprios dos regimes autoritários. A democracia e o tempo se encarregarão de corrigir as injustiças.
São muitas as imperfeições do Congresso, mas isso não pode ser motivo para ataques preconceituosos, desrespeitosos, como tem acontecido com frequência, numa escalada perigosa, sem que haja, por parte do Legislativo, defesa de sua soberania à altura dos ataques. O Congresso, na democracia, é o poder soberano da República, constituído de profundos vínculos com a sociedade, especialmente por ser resultado da expressão da cidadania do povo por meio do voto direto. É bom que isso fique claro. É a instituição mais resistente ao autoritarismo, aos governos discricionários.
Somos uma República Federativa de instituições sólidas com garantias constitucionais fundamentadas no Estado democrático de Direito. Na democracia nenhum assunto é proibido discutir e não se admitem supremacia, decisões monocráticas e usurpação de poder. Uma sociedade politicamente madura pressupõe capacidade de resolver conflitos por meio de seu sistema constitucional.
Afinal, democracia é conflito; é o exercício permanente da dialética, do contraditório. Ao contrário do que se imagina, o debate que envolve o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, sobre as respectivas prerrogativas constitucionais, é saudável e necessário para o aperfeiçoamento de nossas instituições e consolidação da democracia. Mas com elevado espírito cidadão, não com bravatas e arroubos autoritários.