Bosque dos Constituintes revela caminho para o futuro - por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão

Aylê-Salassié Filgueiras QuintãoA história do Bosque tem a ver com o artigo 225 da Constituição de 1988, que, pela primeira vez, tratou explicitamente da questão ambiental.

Para apoiar os constituintes na discussão e encaminhamento do tema, o presidente do Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal (IBDF), que seria incorporado ao futuro Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), engenheiro florestal Antônio José Guimarães, designou uma Comissão, integrada, entre outros, por mim – Aylê-Salassié Filgueiras Quintão, técnico em Comunicação Social, e pelo professor Eleazar Volpato, engenheiro florestal, vice-presidente da Sociedade Brasileira dos Engenheiros Florestais (SBEF). Atuando junto do deputado Fábio Feldman, conseguiu-se gerar até mesmo uma bancada ambientalista na Constituinte e, finalmente, chegou-se à aprovação do artigo 225.

No bojo das discussões sobre os eventos que marcariam a assinatura do texto final da Constituição, o IBDF viu-se na obrigação de dar a sua contribuição para as comemorações. Foi quando, dentro da Comissão, surgiu, entre outras, a idéia do Bosque, como símbolo da adesão definitiva do Brasil à concepção de um mundo ambientalmente correto. A árvore e o verde – os ambientalistas eram chamados de “verdes” - eram ainda as mais fortes representações da natureza. O Dia da Árvore (21 de setembro) era um feriado cívico.  Nesse dia, o Presidente da República, ministros, autoridades de uma maneira geral e escolares plantavam árvores na Esplanada, nas escolas, nos hospitais, em locais públicos etc. Chegamos à conclusão de que seria altamente lisongeiro reconhecer o esforço de cada constituinte dando-lhe a oportunidade de se perpetuar na memória ligada à Constituição com o plantio individual de uma árvore. No entanto, eram seiscentos. Daí surgiu a idéia do Bosque. O Volpato diz que ela foi minha. Pode ter sido, mas o assunto foi decidido dentro da Comissão, cuja lista completa de nomes já não me lembro.

Pensamos em vários locais para o plantio. Decidiu-se por uma consulta à Compania de Urbanização da Nova Capital (Novacap), mais especificamente ao setor encarregado da preservação do plano original da cidade de Brasília. Lá, encontramos a filha do urbanista Lúcio Costa, Maria Elisa Costa, que nos indicou aquela área, atrás da Praça dos Três Poderes, que originalmente não tinha destinação específica. Na Câmara, o jornalista paraense Manoel Pompeu, ligado à Comunicação Social do IBDF, sob minha coordenação, foi encarregado de encaminhar o processo junto ao Legislativo (Câmara e Senado) e aos seus respectivos cerimoniais.

Aprovada a idéia e o local, a questão seria escolher as árvores, o que foi feito junto à Sociedade Brasileira de Engenheiro Florestais (SBEF) e ao Departamento de Parques e Jardins (DPJ) da Novacap, por meio do seu diretor, Ozanan Carneiro, e da arquiteta Ivelise Longhi, que propuseram o formato de aléias,  formando pequenos sub-bosques, cada um de uma única espécie, representando as diversas bancadas estaduais. O documento já veio com o traçado do Bosque, das aléias e com os nomes científicos e populares das espécies a serem plantadas.
 
Decidiu-se também pela inauguração de uma placa de bronze para identificar o Bosque  e explicar a sua finalidade. O setor de relações públicas cuidou de envolver a Secretaria de Educação do Distrito Federal, para mobilizar escolares, que ajudariam os parlamentares a plantar as suas árvores. Isso era também simbólico: o encontro de duas gerações. Era preciso distribuir um lanche e água para as crianças e os presentes, já que a área era totalmente árida. Ora, tudo isso teria um custo, que foi negociado junto ao Banco do Brasil, que concordou em patrocinar o evento.

Além de marcar o promulgação da nova Constituição, o Bosque é um registro dos novos tempos, simbolizando, ainda, o sepultamento dos “entulhos” autoritários – a Constituição de 1977, os atos institucionais e uma legislação complementar castrense - marcando a adesão definitiva do Brasil à concepção de um mundo ambientalmente correto e sustentavelmente justo. As ONGs e os projetos ambientais multiplicavam-se por todo o mundo, inclusive em nosso país. Foi um momento de hegemonia da sociedade civil.

Segundo muitos, idéia do Bosque teria sido minha. Acho que foi mesmo: estávamos num momento de grande ebulição e criatividade em torno de formatos de comunicação que conduzissem e ampliassem as discussões ambientais, processo em que a Assessoria de Comunicação do IBDF estava envolvida inteiramente, na tentativa de abrir um debate sobre novas tendências e concepções para o meio ambiente. Gerávamos sistematicamente novas idéias e novas práticas. É desse tempo o início das campanhas contra as queimadas na Amazônia, os planos de manejo das unidades de conservação, a moralização da política de reflorestamento, a educação ambiental ampla, a defesa da criação de um Ministério específico para o meio ambiente, a discussão sobre impacto ambiental, a poluição do ar pelos combustíveis fósseis, a reciclagem, a regulamentação do funcionamento dos zoológicos, a proteção dos mangues e outros ecossistemas, a revisão do Código Florestal e a criação de uma lei ambiental. Eu era o coordenador de comunicação social do Ibama, e tínhamos uma bela equipe, de pessoas ambientalmente motivadas, catalizando cada um desses temas para mobilização e discussão pública. Foi o que  eu sempre soube fazer bem. Vinha das mobilizações do movimento estudantil do período 1965/68/69/70, da luta pela democratização do País, da Coordenação de Comunicação do Ministério Extraordinário para o Desenvolvimento e a Reforma Agrária
 (Mirad). Enfim, estávamos diante de um novo paradigma, que trazia desafios desconhecidos, inclusive ideológicos: a questão ambiental. Assim, por meio de um jornalista paraense que nos ajudava no Congresso, Manoel Pompeu, levamos a sugestão para o presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, para o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Rafael Mayer, e para a Presidência da República, que apoiaram a idéia.

Hoje tenho uma relação emotiva com o Bosque, por todos os motivos que enumerei. Mas criação do Bosque teve uma caráter eminentemente político. Era uma vitória da cidadania, a sinalização de um novo mundo, que, para mim, significava um pouco um retorno às coisas da natureza. Meu primeiro emprego efetivo foi de guarda florestal do Parque Nacional de Brasília, onde acompanhei boa parte das pesquisas de campo do botânico Ezechias Heringer. Ao longo da vida, como funcionário público, conheci muitos parques e florestas nacionais e fiz campanhas em defesa da floresta amazônica, da mata atlântica, do cerrado, dos mangues e de outros ecossistemas. Boa parte da minha infância e da adolescência foram vividos no interior e em fazenda. Sempre residi também em casa com plantas e muitas árvores. Embora artificialmente implantado, considero o Bosque dos Constituintes uma extensão do ambiente natural e fruto de uma longa jornada pessoal e pública em defesa do meio ambiente.
 
Estava vendo um programa na televisão que falava sobre a China, cujo título era “China: from red to Green”. Ora, é fantástico, porque o país, exausto da guerra, passou a incorporar a questão ambiental como uma diretriz de Estado. O ambientalismo constitui-se numa doutrina, até hoje não reconhecida como tal, que, ao contrário de criar fantasias e caos politicamente ideologizados, coloca o homem diante de seu próprio dilema existencial, que é a vida e a morte do Planeta, chamando a atenção para ações ambientalmente sustentáveis, socialmente justas e economicamente corretas.

Assim, a grande importância do Bosque é histórica, ao marcar a entrada do Brasil na era da sustentabilidade ambiental, ou seja, revelar ao país um caminho para o futuro. E o futuro é o homem, que está no topo da cadeia ambiental. Sem ele, a vida perderia o sentido. O Bosque é como um oratório. Você vai lá, sente-se bem e, ao mesmo tempo, é lembrado de que é parte de um ecossistema, representado ali pelas árvores, pelos pássaros, pelos insetos e por você mesmo. É uma área de educação e conscientização ambiental, de educação para o futuro.

O Nicholas Behr escreveu um livro – “Braxilia” - muito interessante sobre o futuro da Capital. É um livro de poesia, uma viagem sobre o ridículo e o caos que vem tomando conta de Brasília. Ele sugere uma grande catástrofe, e descreve os esqueletos dos prédios e espaços públicos, o Lago vazio, as vias interrompidas por ervas e voçorocas que restarão sobre o solo do cerrado, como na Roma dos imperadores. Eu espero que, pelo menos, o nosso Bosque sobreviva. Na realidade, ele parece que sobreviverá, não necessariamente no mesmo lugar, mas porque algumas espécies têm dado “filhotes” (mudas), que são colhidas e cultivadas por ambientalistas e distribuídas por aí. Temos ali várias espécies nobres e de longevidade centenária, como o jacarandá.


No dia do plantio, o deputado Ulysses Guimarães disse que a “Constituição passará, mas o Bosque marcará por 600 anos a memória dos Constituintes de 1988”. Assim, numa próxima solenidade comemorativa, ou, quem sabe, num ato solitário, o presidente José Sarney deveria ir lá e plantar a própria árvore, como fez o Lula recentemente, porque, no dia, Sarney não compareceu, dizem que para não encontrar-se com Ulysses Guimarães. A árvore que se atribui a ele no Bosque foi, de fato, plantada pelo ministro da Agricultura, Íris Resende.
 
Vale a pena lembrar a iniciativa da deputada Cristina Tavares, de Pernambuco, que, para preservar no Bosque sua memória de Constituinte de 1988, pegou um avião, apenas para buscar uma muda de pau-brasil, para plantar pessoalmente no Bosque, no dia seguinte. Ela morreu logo depois.

Na comemoração dos 20 anos do Bosque, encontrei famílias de ex-deputados constituintes que foram ali para revitalizar, cuidar ou replantar a árvore que o pai ou o avô plantara. Um deputado, constituinte remanescente, manifestou o desejo de que suas cinzas, quando morto, fossem colocadas no pé da árvore que plantou no Bosque. Pitoresco, talvez, fosse nos enterrar por ali mesmo, ou jogar também nossas cinzas num canto qualquer do Bosque quando morrermos, já que, se demorarmos muito, vamos ter dificuldade de encontrar lugar no Cemitério Campo da Esperança. Afinal, fomos coniventes com a geração parlamentar constituinte de 1988, o que, certamente, não nos compromete.
 

Sobre o Autor:

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão, professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), nasceu em Piraúba, Minas Gerais, e é jornalista, mestre em Comunicação e doutor em História Cultural pela Universidade de Brasília (UnB), onde foi também professor . É graduado em Jornalismo, Política e História. Como jornalista, trabalhou na Folha de São Paulo, Última Hora, Rádio Jornal do Brasil, Diário Popular de São Paulo, Correio Braziliense, Jornal de Brasília, Diário da Manhã e revista Afinal, prestou consultoria para a TV Amazonsat e editou, durante quinze anos, a revista Brasil Florestal. Viajou pelo Brasil e conheceu as Américas e outros continentes trabalhando como enviado especial, tendo sido correspondente em Londres por dois anos. Repórter setorista em Brasília durante anos, dedicou-se, com prioridade, às áreas de economia, relações internacionais e meio ambiente. Seu primeiro emprego foi de guarda florestal do Parque Nacional de Brasília. Integrou, como membro representante do IBDF, a Comissão que elaborou o Programa “Nossa Natureza”, do qual resultou a criação do Ibama e, em seguida, do Ministério do Meio Ambiente e coordenou a área de Comunicação Social do IBDF/Ibama e da primeira gestão do Ministério Extraordinário para o Desenvolvimento e a Reforma Agrária (Mirad) na Nova República.
É autor do livro  “Jornalismo Econômico no Brasil” (1987), o primeiro publicado sobre o tema; de “A Cidade sem Pecado” (2006), que trata dos efeitos pedagógicos migração alemã para o Brasil;  de “Dossiê de um Projeto Clandestino” (2008), que retrata a cobertura dos Jogos Olímpicos de 2004, em Atenas;  de “Americanidade – Mercosul, passaporte para a integração da América do Sul” (2010) e está concluindo outro sobre a “Geração Ninho de Pássaro”, no qual analisa o perfil da juventude empresarial chinesa responsável pela realização dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, também cobertos por ele. Participou com artigos, ainda, de “Jornalismo em Brasília”, “Marketing e Mobilização Social I e II” e “Espaços da História Cultural”. Escreve para revistas especializadas sobre  jornalismo esportivo e história. Concentra, entretanto, seu interesse em questões relacionadas à América Latina.

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