"Brasília é uma cidade jardim, que hoje é tombada como Patrimônio Cultural da Humanidade por conta da sua concepção urbanística. É diferente, e é interessante que permaneça assim. Tem uma qualidade de vida que nenhuma outra cidade tem, apesar das dificuldades que temos hoje, porque Brasília é Brasil, com problemas comuns a todas as metrópoles, não só brasileiras.

É muito interessante acompanhar o crescimento da cidade e essa interação que ela tem com o ambiente natural. Lúcio Costa dizia muito, quando conversávamos, que o projeto de Brasília é o contrário do que costumam ser as cidades, pois não se tem os prédios rodeados de natureza, mas um grande ambiente natural onde colocamos prédios. É uma visão diferente de outras cidades, pois o que se quer privilegiar aqui é a Escala Bucólica, que é todo esse verde, esse espaço aberto que permeia o projeto de Brasília. Tudo aqui é amplo, não há espaço confinado. Brasília é realmente muito especial.

Em 1988, eu estava dirigindo o Departamento de Urbanismo do GDF, que era um departamento dentro da Secretaria de Obras, quando fomos procurados por Aylê-Salassié, técnico em Comunicação Social do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, trazendo a proposta da Câmara dos Deputados de criar o Bosque dos Constituintes. Percebemos logo que o local mais adequado seria nas proximidades da Praça dos Três Poderes. Até porque não queríamos nada naquele espaço, que estava disponível, que pudesse interferir muito na concepção da Praça, de modo que um bosque seria a melhor utilização. Já tínhamos uma área grande de cerrado naquela região, que hoje ainda persiste, que seria complementada com outra árvores, árvores do País como um todo – lá temos pau-ferro, jacarandá – para que pudéssemos trazer um pouco do Brasil para Brasília. Seria um bosque com a conotação de preservar aquela área e de despertar as pessoas para as questões ambientais – afinal, aquela era a primeira constituição a tratar do tema, no seu artigo 225. Naquele momento, era muito importante que se pensasse no significado do Bosque não como um único elemento, pois havia a nossa autonomia como cidadãos, que estávamos definindo a nossa Lei Maior, tínhamos uma cidade que havia sido recentemente considerada Patrimônio Cultural da Humanidade, uma cidade que nós, brasileiros, escolhemos, que foi fruto de um concurso público, enfim, vários fatores interessantes. Acho que o Bosque consegue reunir esse sentimento, essa mística de Brasília, todas essas premissas com as quais estávamos preocupados e buscando despertar.

A criação do Bosque foi marcada pela integração entre essa equipe que nos contatou, em nome da Câmara, formada pelo Aylê, que já citei, por Eleazar Volpato, também do IBDF e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Engenheiros Florestais (SBEF), e por Ozanan Coelho, que, na época, era o diretor do Departamento de Parques e Jardins da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (DPJ/Novacap), e nós, que, pelo Departamento de Urbanismo do GDF, tínhamos a atribuição de definir a área e seus limites, determiná-la topograficamente, fazer a planta para ser registrada em cartório – enfim, sacramentar o projeto. Trabalhamos muito a questão de que teriam que ser árvores de determinado porte, que não causassem nenhuma interferência excessiva na praça. Assim, o Departamento de Urbanismo definiu a área, submeteu a decisão ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo, formado por membros do governo e da sociedade, que aprovou a proposta de lá criar um bosque, e seguiu-se, então, a tramitação natural, de definir o tipo de vegetação e quais seriam seus caminhos.

Uma coisa que sempre me fascinou em trabalhar com cidades é que propor é um trabalho de equipe. Em urbanismo não se trabalha sozinho, você tem que trabalhar com pessoas de outras áreas, e esse é um momento muito enriquecedor, em que se aprende muito. E no Bosque também foi assim, ouvíamos as colocações do Aylê, como jornalista, a respeito do momento pelo qual estávamos passando, do Ozanan, sobre o paisagismo da cidade, que também faz parte do projeto urbanístico... enfim, foi um momento muito rico, até por causa da ocasião: não só estava se propondo um novo espaço para a cidade, mas também havia um importante fato histórico em questão.

Foi tudo bastante corrido, porque já estávamos no final dos trabalhos da Constituinte. Mas foi algo que atraiu a todos, deu vontade de trabalhar, cooperar, ver aquilo sair do papel e realmente acontecer. Todos que participaram têm, até hoje, um orgulho muito gostoso, quando passamos por lá e vemos aquele Bosque, apesar de ele ter ficado maltratado por alguns anos. Mas agora o espaço está sendo revitalizado, revigorado, e acredito que tenha um papel importante para todos, brasilienses e brasileiros. E para nós, que participamos do início, tem um papel muito mais forte, sentimos aquilo quase como um pedacinho de cada um.

Uma preocupação grande que tivemos na época foi com a placa comemorativa, de bronze, que teríamos que colocar. O secretário de Obras, Wanderley Vallim, me deu a missão de providenciá-la e disse que placa teria que estar lá no dia. Só que você tem, dentro do governo, toda uma burocracia a ser seguida. Chegou uma hora que tive que dizer a ele que achava que, dentro dos trâmites normais, ela não estaria pronta a tempo. Ele me perguntou se eu tinha alguma ideia, e respondi: “Apenas uma: nós nos cotizarmos e faremos a placa”. E assim foi. De modo que a placa não foi adquirida pelo governo, mas doada por todos nós, que queríamos resultados. O próprio secretário entrou com boa parte e nós, com o resto.

Ficamos apreensivos com a inauguração, sem saber se daria tempo para tudo estar pronto. Até o cimento da placa ainda não estava muito bem seco... mas, no final, deu tudo certo e praticamente todos os parlamentares participaram, com algumas poucas exceções. O próprio presidente Lula estava lá, como constituinte, plantando a sua árvore. Apesar da proximidade que temos em Brasília com os políticos, foi muito interessante vermos os constituintes e pensarmos: “Essas pessoas estão escrevendo nossa lei maior e hoje estão aqui plantando uma árvore, é a semente de um Brasil diferente, um Brasil novo”. Havia aquele espírito, em cada um de nós, de que haveria, de fato, transformações.

O Bosque dos Constituintes significa uma conquista nossa, de cidadãos. Significa a nossa independência para pensar, expor nossas ideias, e traz a preocupação ambiental, muito legítima, através da qual você começa a pensar no homem, no cidadão. A preocupação que devemos ter, como seres humanos, de garantir o espaço em que vivemos. O Bosque simboliza tudo isso, simboliza liberdade. Como Brasília é um avião, eu diria que foi um grande voo, de Brasília e dos brasileiros.

Em 2008, a Câmara dos Deputados adotou o Parque Bosque dos Constituintes, dentro do programa “Abrace um Parque”, do GDF. Assim, tomou para si a responsabilidade de mantê-lo, guardá-lo e preservá-lo, em uma grande parceria com o Governo do Distrito Federal. Mais uma vez, tive o prazer de participar do processo, não só por ter me envolvido na criação do Bosque, em 1988, mas também porque naquele momento, vinte anos depois, estava ocupando o cargo de administradora de Brasília.

O espaço estava precisando disso, desse cuidado, desse olhar que hoje está sendo dado. E as propostas para o parque são muito interessantes, como as novas alamedas e equipamentos. Nós andamos muito lá, e o que queremos não é apenas revitalizar o Parque, mas temos uma preocupação em também criar um caminho para turismo, juntando o Panteão, o Espaço Oscar Niemeyer, o Espaço Lúcio Costa, a Casa de Chá e outras áreas de interesse próximas, em um local muito agradável para caminhadas. Estamos buscando integrar, revitalizar esses monumentos e trazer mais a sociedade para aquele espaço.

O objetivo que temos hoje é mostrar o Parque à sociedade e incentivá-la a visitá-lo, desenvolvendo também atividades lúdicas para mostrar o seu significado, para que ele seja algo além de apenas mais uma área bonita em Brasília. Para isso, temos que investir em diferentes formas de divulgação, inclusive atividades que levem a população até lá, para que ela possa participar, usufruir e sentir que aquilo é um espaço dela. Assim, ela própria será um vetor de divulgação de toda a simbologia que o envolve. O Bosque dos Constituintes é a marca da liberdade, do meio ambiente, da preservação da cidade, e será sempre um marco, que há de se perpetuar.

O arquiteto tem sempre o sentimento de guardar, cuidar e preservar. No momento em que propomos um novo bairro, uma nova cidade ou o Bosque dos Constituintes – este especialmente, por suas características singulares – passamos a ter por aquilo um carinho muito grande, pois passa a ser como um pedacinho da gente. Então, cada vez que passo ali, penso que poderei contar para os meus netos que participei da criação desse Parque, que sentei com a prancheta – na época, ainda não havia computadores – e desenhei a sua poligonal.

Estamos perdendo muito a noção de valores. Se hoje vemos certas confusões acontecendo, que incomodam demais, é porque muitas vezes se esquece do que é importante, o que deve ser realmente valorizado, preservado. A memória das pessoas tem ficado muito curta, se prendendo muito ao hoje, pensando às vezes um pouquinho no amanhã. Eu costumo dizer sempre: nós só podemos construir o amanhã se tivermos o passado muito bem cristalizado dentro da gente. Não se pode perder a noção da importância de determinados momentos. E o momento da Constituição foi extremamente importante, porque demos mais um passo em direção à nossa autonomia como cidadãos e como País, à democracia e ao sentimento de ser parte atuante do que está acontecendo na sociedade.

Temos que convidar as pessoas a visitar o Bosque com esse pensamento: qual o valor, a simbologia desse lugar? Como transformar isso em outras coisas, outros fatos relevantes? O que eu posso fazer para participar? O que temos que garantir para as futuras gerações? A mensagem é amar o País em que se mora e valorizar as instituições, que hoje estão extremamente fragilizadas. Porque as instituições somos nós mesmos.

O Bosque é isso".


(Texto extraído de entrevista concedida por Ivelise Longhi à equipe da Coordenação de Divulgação da Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados em 25 de fevereiro de 2010).