Mentes perigosas

O título acima é também do livro escrito pela psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva sobre a sociopatia, também chamada de psicopatia ou transtorno de personalidade antissocial. São pessoas que não conseguem ver o “outro”, têm total indiferença, não conseguem olhar as outras pessoas como alguém que merece respeito e muito menos respeitam os direitos alheios. “Os psicopatas são minoria no mundo, mas o poder de estrago é enorme. Não só de crimes graves, de morte, mas também de corrupção. Querem status, diversão e poder. Estão em todas as profissões, médicos, políticos. Para eles, mentir é fácil. Difícil é dizer a verdade”, afirma a médica.
17/10/2018 18h55

Najara Araujo/Câmara dos Deputados

Mentes perigosas

Ana Beatriz participou da audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (17), sobre esse tipo de comportamento e as consequências na violação dos direitos dos cidadãos.

“Psicopata não tem culpa, só de deixar rastros. Não fica deprimido, apenas frustrado. Mente olhando nos olhos com muita tranquilidade. Porque o casal Nardoni jogou a filha pela janela? Porque Susane Von Richthofen planejou a morte dos pais? Perversidade”, exemplifica.

A doença pode ter início ainda na infância ou na adolescência e continuar para sempre. Segundo os especialistas, de 3 a 15 por cento da população mundial é composta de psicopatas, e eles reincidem na criminalidade três vezes mais que bandidos comuns.

“O psicopata tem um hipofuncionamento do sistema límbico, onde são processados os afetos do ser humano. Uma forma de identificar é o uso da Escala de Hare, um dos métodos mais conhecidos no mundo todo. São vinte questões, onde são dadas notas de 0 a 2. Queremos que esse teste seja usado no sistema penitenciário brasileiro, onde hoje temos 20% de sociopatas junto com os outros 80% de presos comuns, e eles são responsáveis por mais de 50% dos crimes graves”, explica Ana Beatriz. A psiquiatra defende a separação desses presos para ajudar na recuperação.

A Escala de Hare foi criada em 1991 pelo psicólogo canadense Robert Hare. O método avalia e diagnostica os graus de psicopatia de uma pessoa e identifica os critérios hoje universalmente aceitos. Apenas no ano 2000 Escala Hare PCL-R (Psyco­­pa­­thy Checklist Revised) foi traduzida e validada no Brasil.

“Narconação”

Tanto Ana Beatriz como a médica Hilda Morana, coordenadora do Departamento de Psiquiatria Forense da Associação Brasileira de Psiquiatria, afirmam que o sistema penitenciário brasileiro é dominado pelo crime organizado e pelas facções do narcotráfico, comandadas por sociopatas.

“O psicopata é um mostro, alguém que não desenvolveu o caráter. Tem o corporativo, o que está nas empresas, escolas, aqui no Congresso. Esses podem não matar, mas o mal que fazem é imenso. Mentem no currículo e fazem uma rede de intrigas. Já as nossas cadeias são comandadas por chefes do narcotráfico. Mandam nos secretários de Segurança e na vida do lado de fora das penitenciárias, Marcola e Fernandinho Beira-Mar são exemplos disso. Vivemos numa narconação”, conclui Hilda.

Banalização da violência

A psicóloga Juliana Ferreira da Silva, do Conselho Federal de Psicologia, faz outra abordagem.

“Não referendamos a categoria de 'monstro'. O que acontece é uma naturalização de características pessoais importadas de outros países. Ninguém é destinado ao crime, o que temos são pessoas que, por vários motivos desviaram da ordem socialmente construída.  Esse discurso da monstruosidade, da psicopatia, desconsidera a ordem social. No Brasil, até os negros já foram considerados monstros, inaptos para a vida social, para a educação. Mulheres que queriam se separar dos maridos já foram trancafiadas em hospícios. O crime que mais manda para cadeia é o furto, a nossa sociedade dá cada vez mais valor ao patrimônio que para a vida. Além disso, nossa justiça é seletiva. Oitenta por cento de quem reincide no crime não têm ensino fundamental. A psicologia brasileira não está aqui para dizer quem existem pessoas que merecem mais do que outras irem para a cadeia. Não existe ninguém diferente da gente”, pondera a psicóloga.

Juliana destaca ainda o tempo de ódio vivido no país. “Hoje, os conflitos são resolvidos através da violência. Brigas em acidentes de trânsito, briga de bar, motivados pelo ódio. Estamos abrindo mão de um modo de vida societário, estão banalizando a tortura, a violência e a violação dos direitos humanos”.

O psicólogo e policial militar Astronadc de Moraes defende a qualificação das policias para enfrentar a violência.

“Existe uma onda violenta no mundo todo para o mal vencer o bem. Nessas eleições estamos vivendo isso. Candidatos incentivam a violência e o desrespeito entre os brasileiros. Precisamos de uma reforma e modernização das polícias, para que funcionem de forma humana e promovam transformações”, considera.

Vinícius Monteiro de Barros, defensor público federal, esclarece que todo tipo de conduta criminal deve tipificado no Código Penal.

“Na legislação brasileira existem três possibilidades que a lei oferece para delitos cometidos por psicopatas: responsabilidade total; responsabilidade atenuada; e isenção de responsabilidade. Nessa última opção, o psicopata é considerado doente mental, com anomalia estrutural da personalidade, e deve ser encaminhado a um hospital psiquiátrico ou ao chamado manicômio judicial. Nossos presídios são universidades do crime” explica Vinícius. 

O perigo perto do poder

Para o deputado Adelmo Leão (PT/MG), o psicopata deve ser tratado como um ser humano, mesmo com todos os problemas que tiver.

“Temos que seguir uma lógica humanista. O grande desafio agora é diminuir o estrago que eles possam causar, já que temos sociopatas em posições de poder e, dessa forma, podem influenciar no nosso presente e futuro”. 

“O indivíduo adulto com o chamado transtorno da personalidade antissocial tem como características principais o engodo e a manipulação. Um padrão de comportamento repetitivo e persistente, com a violação dos direitos básicos dos outros”, explica o deputado Luiz Couto (PT/PB), presidente da CDHM e que pediu a realização do debate.

Luiz Couto alerta para o perigo que essa doença representa. “As pessoas com esses transtornos são responsáveis por violações de direitos alheios, além de tortura física e mental e até assassinatos. Vivemos em uma sociedade que se baseia no lucro. O psicopata é um predador, um destruidor. Nossa sociedade está ficando desumana, desumanizante e desumanizadora. Na política, sociopatas podem estar muito bem escondidos em suas personalidades acima de qualquer suspeita”, conclui Luiz Couto.

Como identificar  

De acordo com a Escala de Hare, as principais manifestações para identificar um sociopata são boa lábia, ego inflado, reação estourada, sede por adrenalina, impulsividade, falta de culpa, sentimentos superficiais, comportamento antissocial, falta de empatia, má conduta na infância e irresponsabilidade. O diagnóstico só pode ser feito por profissionais especializados.

 

Pedro Calvi / CDHM