Mecanismos de monitoramento das recomendações feitas na RPU da ONU não estão claros, concluem expositores de audiência da CDHM

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), por iniciativa de seu presidente, deputado Luiz Couto (PT-PB), realizou hoje (22/05) audiência pública sobre a elaboração do Plano de Monitoramento do Estado Brasileiro para as recomendações da Revisão Periódica Universal (RPU) da Organização das Nações Unidas.
22/05/2018 19h25

Michel Jesus / Câmara dos Deputados

Mecanismos de monitoramento das recomendações feitas na RPU da ONU não estão claros, concluem expositores de audiência da CDHM

A RPU é um processo de avaliação da situação dos Direitos Humanos em todos os países integrantes da ONU, que apresentam relatórios a cada quatro anos e meio narrando os avanços realizados na implementação de políticas públicas de garantia de direitos humanos. A última ocasião em que o Brasil apresentou seu relatório foi em maio de 2017, em Genebra, na Suíça, oportunidade em que a CDHM esteve representada pelo seu então presidente, deputado Paulão (PT-AL).

 

Após a fala oficial do país, representado pela ministra dos Direitos Humanos à época, Luislinda Valois, 103 países pediram a fala e fizeram 246 recomendações ao Brasil de políticas de Direitos Humanos sobre os mais diversos temas. O governo brasileiro aceitou 242 das 246, ou seja, quase a totalidade das recomendações. É a partir de então que surgiu a necessidade de debater a forma como o país irá monitorar o cumprimento das recomendações durante esse ciclo.

 

Estabelecimento de GTs e diversidade de temas

 

Fernando de Oliveira Sena, chefe da Divisão de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores, ressaltou que o Governo Federal tem observado um aumento na participação dos membros da ONU no processo da RPU, inclusive no número de recomendações efetuadas a todos os países. Sena apontou que os temas mais citados que requerem a atenção do Brasil são os ataques contra defensores e defensoras de Direitos Humanos, direitos humanos dos povos indígenas, violência contra as mulheres e encarceramento em massa.

 

O Governo Federal deve publicar nos próximos dias um relatório preliminar monitorando o estado de cada recomendação, informou o secretário-executivo adjunto do Ministério dos Direitos Humanos, Marcelo Dias Varella. O MDH criou uma série de grupos de trabalho que avaliaram cada grupo temático de recomendações no sentido de criar métodos de monitoramento, afirmou Varella.

 

Falta de assertividade e clareza

 

Os demais expositores, mencionando aspectos distintos, avaliam que há falta de assertividade e clareza na definição dos mecanismos de monitoramento e disposição política de cumprimento das recomendações. É o caso, por exemplo, da procuradora federal dos Direitos do Cidadão da Procuradoria-Geral da República, Deborah Duprat, que pede mais participação e atenção a projetos que violam os Direitos Humanos.

 

“Os Direitos Humanos são frutos de conquistas, de lutas e sofrimentos, e não foram assegurados por meio de decretos e vontades de uma única cabeça. Portanto, a participação social é essencial nesse processo e a sociedade deve participar de todas as construções em torno dessas recomendações. Além desse tema, é fundamental revisar a PEC 95, que congela os gastos públicos. Será praticamente impossível cumprir as recomendações se o Estado tiver uma capacidade quase nula de investimentos”, ponderou.

 

A coordenadora da PFDC apontou que nota na elaboração dos relatórios uma disposição em considerar como avanços atuais temas que já foram implementados em ciclos anteriores da RPU, passando a sensação de conquista quando se tratam de assuntos superados e assimilados pela sociedade. Esse cenário demonstra falta de transparência sobre os critérios adotados. “Qual os mecanismos adotados para o monitoramento? Quais as metodologias? Há interlocução com os demais poderes e com a sociedade civil? Tais perguntas não estão sendo respondidas satisfatoriamente pelo governo e esse relatório que está prestes a ser divulgado me parece que não dará conta desses anseios”, apontou Deborah.

 

Os direitos dos povos indígenas, um dos temas mais citados nas recomendações ao Brasil, estão longe de serem garantidos e o cenário é de piora na conjuntura, opina Dinaman Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “Ao falarmos do direito à terra dos povos indígenas, estamos falando diretamente do direito à vida”, lembrou o indígena, crítico do desmantelamento estrutural e institucional da Funai. “Atender as recomendações referentes aos povos indígenas passa pelo fortalecimento institucional da Funai, e com a suspensão dos processos de demarcação, o desmantelamento do órgão e a PEC 95, torna-se impossível”, afirmou.

 

Sugestões para o monitoramento

 

A coordenadora-executiva do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos, Fernanda Lapa, avalia que há insuficiências na publicidade dos dados relativos ao cumprimento das recomendações e sugeriu uma série de medidas para criar a plataforma de monitoramento, como a definição de uma metodologia de sistematização das recomendações (por país, continente ou tema), a criação de um comitê interministerial de análise das recomendações, pois muitas pastas são instadas a implementar políticas que atendam à RPU, a formulação de indicadores de cumprimento, a realização de consultas nacionais, submetendo à sociedade civil as versões preliminares do relatório final, e a publicação de um relatório de “meio período”, na metade do prazo da próxima avaliação, com o indicativo do atendimento a cada uma das 242 recomendações assumidas.

 

Para Rodrigo Deodato, representante do Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa, essas ações devem ter caráter transversal. “A adoção de métodos transparentes das iniciativas do Executivo na temática de Direitos Humanos deveria ser a tônica em todas as políticas públicas de implementação, cumprimento e estruturação de garantias de Direitos Humanos, e não apenas aquelas no âmbito da RPU”.