Em audiência da CDHM, povos indígenas reafirmam a importância da demarcação de terras
A audiência contou com ampla participação de representações dos povos indígenas, que compuseram a primeira mesa do debate ao lado do presidente da CDHM, além de lotarem o Plenário 8 do Anexo II da Câmara, permitindo a fala de todos os indígenas que quiseram se manifestar.
“Queremos apenas reivindicar nossos direitos”
Os indígenas que compuseram a primeira mesa foram uníssonos ao apontar um processo de criminalização das lutas dos povos originários do Brasil, como se exigissem algo além do que têm por direito segundo a Constituição de 1988. Ângela Kaxuyana, que falou representando a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organizadora do Acampamento Terra Livre, povo que vive na região norte do Pará, foi incisiva nesse sentido. “Quando o governo promove a estagnação dos processos de demarcação de terras indígenas, nossa vida é duramente atingida. São retrocessos que atacam a nossa sobrevivência, a nossa vivência e existência. A terra garante a construção da identidade dos nossos povos. O fato de nos maltratarem não nos vai fazer parar, mas temos observado que as violações de Direitos Humanos estão aumentando”, afirma.
Em alguns estados, a criminalização ocorre também pela força do poder econômico, que empurra os indígenas para fora de suas terras, como relata Sandro Potiguara sobre o estado da Bahia. “É muito comum as empresas e políticos defenderem a expulsão dos indígenas de nossas terras para construir resorts e empreendimentos imobiliários. Índio sem terra é índio sem vida. Queremos apenas reivindicar nossos direitos. Não somos bandidos”, apontou. Potiguara criticou também a atuação de determinados segmentos do Congresso Nacional, como parte das bancadas evangélica e ruralista.
O estado do Mato Grosso do Sul apresenta os índices mais preocupantes em relação à questão indígena, segundo dados divulgados na audiência. O deputado Luiz Couto lembrou que esse foi um dos principais fronts de atuação da CDHM nessa legislatura. “Realizamos sete diligências ao Mato Grosso do Sul, inclusive em momentos de extrema tensão, como logo após o massacre de Caarapó e coordenando uma missão oficial de deputados do Parlamento Europeu. Valcelio Terena, liderança indígena sul-matogrossense, complementou. “Não consigo compreender como o Mato Grosso do Sul é o segundo estado em população indígena e o que menos tem demarcações. Demarcação
Para Kretá Kaingang, o discurso de criminalização dos povos indígenas é fundamental para a perpetuação dos projetos econômicos e anti-indígenas. “A nova fronteira agrícola brasileira, que torna Mato Grosso do Sul campeão na produção de soja transgênica, contamina os rios, os alimentos... Mas para se perpetuar necessita do discurso de que os indígenas são criminosos, não querem trabalhar. Não somente os indígenas, mas parece que nesse país nós, os quilombolas e os gays são grupos que não prestam”, afirmou.
Violência anti-indígena
A segunda mesa trouxe para reflexão do público as diversas formas de violência a que os indígenas são submetidos. Danielle da Silva Osório, defensora pública federal e coordenadora do GT de Comunidades Indígenas na DPU, trouxe números que requerem atenção do Estado. “Tomando como exemplo o Mato Grosso do Sul, a média de suicídios entre indígenas é três vezes maior que a média nacional. Se formos avaliar os homicídios, a taxa de morte dos indígenas é quase o dobro do que a média do país. Isso mostra a tensão a qual os povos indígenas são submetidos”. Danielle critica também a cultura vigente entre os brancos de olhar o indígena como um povo que necessita de favores. “A demarcação de terras indígenas tem que ser considerada como um direito dos povos, e os operadores do direito têm o dever de implementar as políticas públicas previstas na Constituição Federal”, disse.
Cleber Buzzatto, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), uma das principais organizações que atuam em defesa dos povos indígenas, denunciou uma série de medidas que, na opinião da entidade, atentam contra os direitos humanos dos indígenas. É o caso, por exemplo, do Parecer nº 01/2017 da Advocacia Geral da União, que tenta anular processos já definidos de terras demarcadas com base na tese do marco temporal, considerada inconstitucional em pareceres proferidos pelo Supremo Tribunal Federal. A Câmara dos Deputados tem sido um palco de discursos e projetos contrários aos indígenas, argumenta Buzzatto. “Há uma articulação muito forte de determinados grupos que fazem discursos abertamente anti-indígenas, que fomentam ameaças e apresentam projetos, como a PEC 215, que não deve ser aprovada”, falou.
O artigo 169 da OIT é um instrumento fundamental na defesa dos povos indígenas, afirma o subprocurador-geral da República e membro da 6ª Câmara, que trata das Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais da Procuradoria-Geral da República, Antônio Carlos Alpino Bigonha, que sugeriu ao Cimi reiterar a representação sobre o cumprimento do artigo, cujo teor ressalta a necessidade de oitiva prévia das comunidades indígenas, em sua língua nativa, sobre todos os assuntos de interesse da comunidade no bojo do processo judicial, sob pena de nulidade processual. Em muitos casos, os povos indígenas não tomam sequer conhecimento do andamento das etapas de processo demarcatório, o que os prejudicam. Na primeira ocasião em que a representação foi entregue pelo Cimi, acabou arquivada pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, informou Bigonha.
Reportagem: Leonardo Aragão (CDHM)