Brasil recebe cerca de 600 migrantes venezuelanos por dia; audiência pública discute direitos humanos para quem busca abrigo no país

Uma crise migratória pontual e sem precedentes atinge Roraima desde o final de 2010 por causa de problemas econômicos e políticos que atingem a Venezuela. Estima-se que, atualmente, de 500 a 600 migrantes venezuelanos entram diariamente no estado. Os números são da Polícia Federal. Por causa disso, o Brasil se tornou um dos 10 países com mais venezuelanos do mundo por conta de refugiados.
19/11/2018 12h10

Foto: Fernando Bola

Brasil recebe cerca de 600 migrantes venezuelanos por dia; audiência pública discute direitos humanos para quem busca abrigo no país

Essa foi uma das situações discutidas na audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), no dia 7 de novembro. No encontro ainda foi debatida a violação de direitos dos migrantes e refugiados no Brasil.

De acordo com a Polícia Federal, o Brasil tem cerca de 1,2 milhão migrantes, algo em torno de 0,5% do total da população, que hoje é de 208 milhões de habitantes. Em alguns países, como Estados Unidos e França, esse percentual chega a 10%. Por isso, a situação de Roraima é localizada e o Brasil não passa por uma crise migratória.

Para Alexandre Patury , coordenador-geral de Imigração da Polícia Federal, o número de migrantes é grande em comparação à população do estado, que gira em torno de 500 mil habitantes.

Ainda sobre a situação em Roraima, a procuradora federal do Ministério Público do Trabalho Marina Pimenta, que atua na capital, Boa Vista, alerta que por causa da dificuldade para os migrantes conseguirem emprego em Roraima, a situação fica cada vez mais grave.

"Há um grande contingente de mão de obra disponível e pessoas necessitando sobreviver. Os venezuelanos estão aceitando trabalhar por muito pouco e na informalidade. Então, trabalham sem carteira assinada, trabalham por diária, até por um prato de comida. Existem relatos de venezuelanos que estão sendo aliciados para fazendas para trabalho escravo e também para exploração sexual"

“Temos que lembrar que a situação dessas pessoas é de total vulnerabilidade, sem moradia adequada, sem acesso a políticas de saúde, educação e saneamento e ao mercado regular de trabalho. E isso fere totalmente os direitos humanos básicos. E o Estado Brasileiro ignora convenções internacionais que envolvem o tema”, argumenta o deputado Luiz Couto (PT/PB), presidente da CDHM.

Números

De acordo com a Agência das Organizações das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), o ano de 2017 teve o maior número de pedidos de refúgio no Brasil. No total, 33.866 pessoas solicitaram o reconhecimento da condição de refugiado nesse ano. Os venezuelanos representam mais da metade dos pedidos realizados, com 17.865 solicitações. Na sequência estão os cubanos (2.373), os haitianos (2.362) e os angolanos (2.036).

Também em 2017, o Brasil reconheceu 10.145 refugiados de diversas nacionalidades. Já no que diz respeito à imigração, o IBGE calcula que, até o final de 2018, mais 9,7 mil venezuelanos imigrem para o Brasil. Ainda de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística o Brasil deve chegar em 2022 com cerca de 79 mil imigrantes do país vizinho.

Além dos migrantes que procuram residência no Brasil, há também inúmeros pedidos de refúgio, como também informa Luiz Couto.

"O ano de 2017 teve o maior número de pedidos de refúgio no Brasil. A Lei de Refúgio e a Lei de Migração podem resolver a maior parte dos casos de refugiados e migrantes. Mas é preciso saber em que situação se enquadrar”, explica o presidente da CDHM.

Flávio Diniz, do Departamento de Migrações do Ministério da Justiça, esclarece quais são as situações de refúgio.

"Se a pessoa realmente estiver sendo perseguida e tiver medo de ser devolvida para o país de origem, é o caso de refúgio. Mas se ela não tem esse tipo de preocupação, ela pode, por exemplo, procurar qualquer outra solução: trabalho, estudo, se casar no Brasil e ter filhos, tem dezenas de possiblidades de regularização. A lei é flexível no sentido de garantir várias hipóteses de legalização", afirma Flávio.

A Lei

A Lei 9.474 de 1997, chamada Lei de Refúgio, avalia as motivações de um pedido de refúgio e leva em consideração as condições políticas do país de origem do refugiado. O deputado Luiz Couto é o relator Projeto de Lei 844 de 2011 que prevê mudanças na Lei de Refúgio e que tramita na Câmara.

“Um pedido de refúgio requer urgência em sua apreciação e uma ação imediata do Estado, oferecendo proteção ao solicitante. Fui o relator desse PL e rejeitei porque inverte a lei vigente, coloca em primeiro lugar a extradição, se sobrepondo à a concessão da condição de refugiado, que tem como fundamento a proteção da vida e o respeito aos direitos humanos que são inalienáveis”, afirma.

Mais números

Os sírios representam 35% da população de refugiados com registro ativo no Brasil. Os dados foram divulgados pelo Ministério da Justiça na 3ª edição do relatório Refúgio em Números. Do total, 52% moram em São Paulo, 17% no Rio de Janeiro e 8% no Paraná.

Os estados com mais pedidos de refúgio são Roraima (15.955), São Paulo (9.591) e Amazonas (2.864), segundo dados da Polícia Federal.

O Atlas Temático Observatório das Migrações em São Paulo, da Universidade Estadual de Campinas, apresentado em abril deste ano, mostra que, dos 5.570 municípios brasileiros, 3.432 tiveram ao menos um registro de imigrante internacional, como boliviano, haitiano e, mais recentemente, cubano e venezuelano, entre 2000 e 2015.

Esses fluxos de imigrantes contribuem para criar novos padrões da migração internacional em todo país.

Audiência pública

Também participaram da audiência pública, Natália Vilar, do Ministério dos Direitos Humanos; Deborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão; Fabiana Severo, presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos e Gustavo Zortea, defensor público federal.

Segundo o deputado Luiz Couto, uma nova audiência da Comissão de Direitos Humanos vai ouvir representantes da sociedade civil que tratam do problema e os próprios migrantes e refugiados.

 

Pedro Calvi / CDHM

Fontes: Acnur, IBGE e Polícia Federal