CBF não cumpre pacto contra abuso de crianças e adolescentes nos clubes esportivos, apontam deputados*
Três anos depois, a avaliação dos parlamentares é de que o pacto não vem sendo cumprido pela confederação. O assunto foi debatido em audiência pública na comissão nesta terça-feira (19). O presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, foi convidado, mas não compareceu.
À noite, em entrevista à Rádio Câmara, o secretário-geral da CBF, Walter Feldmann, disse estranhar as queixas. “Vejo com estranheza, já que fizemos um extenso relatório apresentado à Comissão de Direitos Humanos e Minorias e acredito, inclusive, que extrapolamos o que foi acordado”, afirmou.
Feldmann destacou a criação de programas e campanhas contra o abuso de crianças e adolescentes, desenvolvidas junto as clubes e as escolinhas de futebol. “Estamos dando um tratamento prioritário à questão”, continuou, colocando a CBF à disposição para esclarecimentos.
O ministro do Esporte, Leonardo Picciani, e representantes do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes também foram convidados para a audiência, mas não compareceram.
Pontos não cumpridos
“A CBF cumpriu parcialmente apenas duas ações das dez previstas no pacto”, avaliou a deputada Erika Kokay (PT-DF), autora do requerimento para a audiência. Ela cita que a CBF apoiou campanhas educativas e promoveu cursos de qualificação para profissionais, mas, nesse caso, o tema do abuso sexual não foi abordado. A entidade também criou grupo de trabalho sobre o tema, mas o grupo já foi dissolvido, sem chegar a resultados.
Segundo a deputada, as denúncias de abuso e de exploração sexual nas escolinhas e clubes de futebol permanecem. A comissão vai avaliar o que pode ser feito, do ponto de vista judicial e extrajudicial, para que a CBF cumpra seu compromisso. “Não podemos permitir esse desrespeito ao Parlamento e às crianças e adolescentes”, destacou Erika.
Breiller Pires, jornalista do jornal El País Brasil, autor de reportagens sobre exploração sexual em escolinhas de futebol no País, afirmou que a CBF não cumpre, por exemplo, o ponto do pacto que prevê a fiscalização das atividades das escolas de formação de atletas, e muito menos o ponto que prevê a adoção de medidas punitivas para os clubes que descumprirem as determinações da CPI.
Conforme o jornalista, tem crescido o número de casos de abuso sexual no futebol brasileiro. Ele levantou 102 casos desde 2011; 70 desde a Copa de Mundo de 2014; e 14 casos só neste ano. Porém, estima que o número é muito maior. “No Brasil, apenas 7% dos casos de violência sexual são denunciados”, salientou. Na opinião do jornalista, parte da receita da CBF deveria utilizada para a prevenção do problema.
Conivência
“Os casos que são denunciados não correspondem nem de perto ao que ocorre na realidade”, reiterou o ex-jogador Alê Montrimas, que foi assediado durante sua carreira. Ele disse que o assunto assédio e abuso sexual no futebol é sempre colocado em segundo plano nos clubes. Para ele, alguns clubes são inclusive coniventes com os crimes, já que não divulgam os casos de abuso, mas apenas mandam embora o abusador.
Na visão dele, as crianças não entendem o que é assédio e abuso sexual e não sabem evitá-los. “Os abusadores usam do sonho de menino de ser jogador de futebol para abusá-lo”, observou. Montrimas foi jogador de futebol durante 20 anos e vem promovendo campanhas em clubes no estado de São Paulo sobre o tema.
A partir das falas dos expositores e do público presente, foram definidos os seguintes encaminhamentos:
- Que a CDHM cobre da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) o cumprimento do Pacto pela Proteção dos Direitos de Crianças e Adolescentes, firmado entre a CBF e a CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes em 2014;
- Que a CDHM debata o Projeto de Lei 8038/14 que “prevê controle e fiscalização de escolas de formação de atletas destinadas a crianças e adolescentes de qualquer modalidade”. O PL é resultante da CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes;
- Que a CDHM se reúna com a Caixa Econômica Federal para discutir o estabelecimento de diretrizes mínimas para o financiamento dos clubes de futebol por órgãos públicos;
- Que a CDHM peça informações às autoridades competentes sobre o desaparecimento das quatro crianças na região de Muribara, em Pernambuco;
- Que a CDHM peça informações às autoridades competentes sobre as denúncias de estupro de quinze crianças em Ribeirão Pires - SP. Os casos estariam ligados a promessas de testes em clubes de futebol e presentes oferecidos pelo treinador;
- Que a CDHM peça informações às autoridades competentes sobre as denúncias de exploração de crianças e adolescentes no futebol nas regiões de Ribeirão Preto e de Campinas, em São Paulo;
- Que a CDHM debata com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e com o Conselho Tutelar a possibilidade de instituir o acompanhamento contínuo do Conselho Tutelar às escolinhas e aos clubes de futebol, por meio de visitas periódicas aos alojamentos, reunião com os pais etc.;
- Que a CDHM faça um mapeamento de todas as propostas legislativas relacionadas à exploração de crianças e adolescentes no futebol, a fim de reunir-se com o Presidente da Câmara dos Deputados para cobrar da celeridade de sua tramitação;
- Que a CDHM debata os “pontos cegos” referentes à fiscalização das categorias de base do futebol;
- Que a CDHM adote providências no sentido de cobrar as autoridades competentes a responsabilização da CBF sobre o caso de Denílson Antônio Teixeira da Silva, que sofreu abusos sexuais de seu treinador de futebol e, depois, foi brutalmente assassinado;
- Que a CDHM cobre do Ministério da Justiça articulação com os estados, a fim de elaborar um levantamento sobre os técnicos de futebol que respondem a processos por exploração sexual;
- Que a CDHM cobre providências do Ministério Público do Trabalho, da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e no âmbito estadual sobre a impunidade diante do grave quadro de violações e exploração de crianças e adolescentes no futebol.
Reportagem – Lara Haje (Agência Câmara)
Edição – Rachel Librelon e Ralph Machado, pela Agência Câmara, e Leonardo Aragão, da CDHM
Com informações da Rádio Câmara