Texto Base da Consultoria Legislativa

 

TIPO DE TRABALHO: ESTUDO E CONSULTA - OUTROS

SOLICITANTE: CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO

Autor:        Adolfo Costa Araujo Rocha Furtado

Consultor Legislativo da Área V
Direito do Trabalho e Processual do Trabalho

 

Versão em PDF: Trabalho Informal

 

Introdução

   O Brasil passou recentemente por uma das maiores recessões de sua história. A economia brasileira, que já havia sofrido uma abrupta desaceleração no seu crescimento em 2014, encolheu 7,1% nos dois anos subsequentes. Embora o Produto Interno Bruto tenha voltado a crescer a partir de 2017, o ritmo da recuperação econômica tem sido extremamente lento.

   Esse baixo desempenho da economia brasileira foi responsável por um quadro de deterioração no mercado de trabalho. O número médio anual de trabalhadores desocupados, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD Contínua, do IBGE, praticamente dobrou entre 2014 e o primeiro semestre de 2018, ao mesmo tempo em que se verificou um crescimento expressivo no tempo médio de procura por emprego. Por outro lado, a quantidade de trabalhadores com carteira de trabalho assinada no setor privado atingiu, no segundo trimestre de 2018, o menor patamar desde 2012.

   A dimensão da crise do emprego justifica a atenção que a imprensa tem dado ao assunto, ao longo de todo o ano de 2018. No entanto, o leitor pouco familiarizado com os conceitos utilizados nas pesquisas sobre o mercado de trabalho certamente ficará confuso com a divulgação de números aparentemente contraditórios, atribuídos ao IBGE. Os títulos de duas notícias recentes, publicadas por um dos maiores jornais do País, exemplificam essa dificuldade:

   “País tem 13 milhões de desempregados e 37 milhões na informalidade, aponta IBGE”[1]

   “Falta emprego para 27,6 milhões no País, mostra IBGE”[2].

   A leitura conjunta dessas manchetes gera uma compreensível dúvida. Se há treze milhões de desempregados no Brasil, por que falta emprego para 27,6 milhões de pessoas? A análise atenta de ambas as matérias, entretanto, mostrará que não existe contradição entre esses números. O primeiro refere-se ao nível de desocupação, enquanto o segundo retrata a subutilização da força de trabalho.

   No entanto, até mesmo quem conhece os termos básicos utilizados na literatura sobre o mercado de trabalho pode se perder no cipoal de conceitos e definições. Apenas nas duas matérias jornalísticas citadas, o leitor se depara com expressões como população em idade de trabalhar, força de trabalho, taxa de participação, taxa de desocupação, taxa de desemprego, população desalentada, nível de ocupação, informalidade, subutilização da força de trabalho etc.

  Dominar esses conceitos é o primeiro passo não apenas para melhor entender o funcionamento e a dinâmica do mercado de trabalho, mas também – e principalmente – para a correta formulação de políticas públicas.

 

População e mercado de trabalho

   A Constituição Federal de 1988, no art. 7º, XXXIII, proíbe “qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze”. Em função desse mandamento constitucional, o IBGE define a população em idade de trabalhar como o universo constituído pelas pessoas de quatorze ou mais anos de idade, na data de referência da pesquisa[3]. No segundo trimestre de 2018, segundo a PNAD Contínua, a população em idade de trabalhar era estimada em 169,8 milhões de pessoas.

   Como se pode ver no Gráfico 1, a população em idade de trabalhar se divide entre as pessoas que fazem parte da força de trabalho e aquelas fora da força de trabalho.

   O conceito de força de trabalho está relacionado exclusivamente à participação das pessoas, por meio de trabalho remunerado, nas atividades econômicas de produção de bens e de serviços. Do ponto de vista da economia, por conseguinte, a força de trabalho – também chamada de população economicamente ativa – é formada pelo conjunto de indivíduos que ofertam sua capacidade de trabalho no mercado, em troca de uma remuneração.

   Por outro lado, as pessoas que não estão trabalhando ou buscando trabalho remunerado no período de referência são consideradas fora da força de trabalho, mesmo que estejam, por exemplo, realizando algum tipo de trabalho voluntário ou dedicadas a afazeres domésticos[4]. Também estão fora da força de trabalho os indivíduos que se dedicam exclusivamente a estudar, os aposentados que não querem voltar ao mercado de trabalho, aqueles que estão temporária ou permanentemente incapacitados para o trabalho etc.

   As pessoas que fazem parte da força de trabalho, por sua vez, são classificadas em ocupadas ou desocupadas. O IBGE define da seguinte maneira o conceito de desocupação:

   “São classificadas como desocupadas na semana de referência as pessoas sem trabalho em ocupação nessa semana que tomaram alguma providência efetiva para consegui-lo no período de referência de 30 dias, e que estavam disponíveis para assumi-lo na semana de referência. Consideram-se também, como desocupadas as pessoas sem trabalho em ocupação na semana de referência que não tomaram providência efetiva para consegui-lo no período de referência de 30 dias porque já o haviam conseguido e iriam começá-lo em menos de quatro meses após o último dia da semana de referência”[5] (Grifo nosso)

   Por conseguinte, o que distingue a situação de desocupação não é o fato de a pessoa estar sem trabalho, já que os indivíduos fora da força de trabalho também se encontram nessa mesma condição. O elemento determinante da situação de desocupação é a busca ativa por trabalho, no período de referência de trinta dias[6], que é caracterizada pelo fato de a pessoa ter tomado providências tais como o estabelecimento de contato com empregadores; a consulta a agência de emprego; a resposta a anúncio de emprego; a solicitação de trabalho a parente, amigo, colega ou por meio de anúncio; a tomada de medida para iniciar o próprio negócio; a solicitação de registro ou licença para funcionamento do empreendimento etc.

   A taxa de desocupação – comumente conhecida por taxa de desemprego – corresponde à proporção de pessoas desocupadas, em relação ao total de pessoas na força de trabalho. No segundo trimestre de 2018, a taxa de desocupação, de acordo com a PNAD Contínua, atingia 12,4%.

   É importante ter em mente que essa taxa média de desocupação encobre o fato de que o fenômeno do desemprego atinge grupos de trabalhadores de forma muito diferente. Estruturalmente, a taxa de desemprego é inversamente correlacionada com a idade. No segundo trimestre de 2018, por exemplo, a taxa de desocupação entre os jovens de 14 a 17 anos[7] era de 42,7%. Para os jovens de 18 a 24 anos, essa taxa era de 26,6 %. Por outro lado, a taxa de desocupação entre as pessoas com 60 anos e mais de idade era somente de 4,4%. Por fim, a taxa de desocupação entre mulheres é estruturalmente superior à dos homens; as pessoas que se declaram negras, por sua vez, também apresentam taxa de desocupação superior à média nacional.

   É importante salientar que a definição de desocupação exclui a população desalentada, que é definida como “pessoas fora da força de trabalho na semana de referência, que estavam disponíveis para assumir um trabalho na semana de referência, mas não tomaram providência para conseguir trabalho no período de referência de 30 dias, por não ter conseguido trabalho adequado, não ter experiência profissional ou qualificação, não haver trabalho na localidade em que residia ou não conseguir trabalho por ser considerado muito jovem ou muito idoso[8].(Grifo nosso)

   O chamado desemprego por desalento, portanto, refere-se aos trabalhadores que aceitariam uma ocupação, se lhes fosse ofertada, mas que desistiram de buscar ativamente uma colocação no mercado de trabalho. No segundo trimestre de 2018, esse contingente, que tecnicamente é classificado como fora da força de trabalho, totalizava 4,8 milhões de pessoas.

   O fenômeno do desalento explica por que a taxa de desemprego demora a cair, mesmo quando a economia retoma seu crescimento. À medida que o mercado de trabalho começa a gerar mais oportunidades de emprego, os antes desalentados passam a buscar ativamente colocações, passando a ser considerados desocupados (ver Gráfico 1).

 

Ocupação, emprego e informalidade

   IBGE (2018) classifica como população ocupada[9] o conjunto dos indivíduos da força de trabalho que, na semana de referência da pesquisa, trabalharam, mediante remuneração, pelo menos uma hora completa; trabalharam, mesmo sem remuneração direta, pelo menos uma hora completa em ajuda à atividade econômica de membro de domicílio ou parente; ou estavam temporariamente afastados do trabalho remunerado por motivo de férias, folga, jornada variável, licença remunerada etc.

   O conceito de população ocupada, como se pode observar, é extremamente amplo, pois abrange desde o trabalhador por conta própria que só conseguiu fazer um “bico” durante uma hora na semana de referência, até o empregado fixo, com jornada integral e todos os direitos trabalhistas assegurados.

   Como se pode observar no Gráfico 2, esse continuum de ocupações engloba:

  • as pessoas empregadas pelos setores privado, público e pelas famílias, estas últimas na ocupação de trabalhadores domésticos;
  • os indivíduos que trabalham por conta própria;
  • os empregadores; e
  • os trabalhadores familiares auxiliares, que trabalharam sem remuneração ajudando a atividade econômica de membro do domicílio ou de parente.

   Cada uma das três primeiras formas de inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho apresenta, internamente, grande heterogeneidade.

   É considerado empregado tanto o jovem que é contratado sem carteira de trabalho assinada como único ajudante de um pedreiro, quanto o executivo de uma grande empresa. São também classificados nessa condição de ocupação os clérigos, os jovens em serviço militar obrigatório, os servidores públicos civis e militares, os estagiários, os menores aprendizes. O elemento comum a todas essas situações é a relação de subordinação a um empregador e o recebimento de uma remuneração, não necessariamente em pecúnia.

   Da mesma forma, o trabalhador por conta própria é definido pelo IBGE como a pessoa que explora “o seu próprio empreendimento, sozinha ou com sócio, sem ter empregado e contando, ou não, com a ajuda de trabalhador familiar auxiliar[10]. Essa condição de ocupação engloba desde o camelô ao profissional liberal altamente qualificado que realiza consultorias para grandes empresas.

   O empregador, por sua vez, é definido como a pessoa “que trabalhava explorando o seu próprio empreendimento, com pelo menos um empregado”[11].

   Essa imensa diversidade de formas de inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho, mesmo no âmbito de cada posição na ocupação, é típica de economias em desenvolvimento. Nesse sentido, o mercado de trabalho brasileiro é caracterizado por uma grande desigualdade de renda e por grandes diferenças nas condições em que o trabalho é exercido.

   Outro traço característico do mercado de trabalho brasileiro é a existência de um grande contingente de ocupados à margem da legalidade. No segundo trimestre de 2018, segundo dados da PNAD Contínua, havia 17,9 milhões de empregados sem carteira de trabalho assinada. Ademais, 900 mil empregadores e 18,6 milhões de trabalhadores por conta própria não tinham seu empreendimento registrado no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ. Por fim, os trabalhadores que auxiliavam parentes (empregadores ou conta própria), sem perceberem remuneração, atingia 2,1 milhões de pessoas.

   As tabelas 1 e 2 mostram que, em média, existem diferenciais importantes de remuneração entre os ocupados legalizados e aqueles à margem da legislação. Entre os empregados do setor privado, a remuneração média efetivamente recebida pelos que possuíam carteira de trabalho assinada, no segundo trimestre de 2018, era de R$ 2.148,00, enquanto os sem carteira recebiam, em média, R$ 1.259,00, um valor 41,4% inferior.

   Por outro lado, os quase dois milhões de trabalhadores domésticos com carteira de trabalho assinada percebiam uma remuneração média, no segundo trimestre de 2018, de R$ 1.230,00, valor 42% superior ao rendimento médio dos mais de 4 milhões de trabalhadores domésticos que não possuíam carteira de trabalho assinada.

   Ademais, o diferencial entre os rendimentos médios dos empregados com e sem carteira no setor público é o mais amplo. A desvantagem remuneratória entre os empregados sem carteira nesse setor é ainda maior em relação aos servidores públicos estatutários, cuja remuneração média atingia R$ 4.060,00.

 

Tabela 1

Rendimentos médios reais efetivos no trabalho principal, segundo categoria de emprego - Brasil, 2º trimestre 2018

 

 

Categoria de emprego

Com carteira

Sem carteira

Diferencial

 

Empregados no setor privado

 R$ 2.148

 R$ 1.259

-41,4%

 

Empregados no setor público

 R$ 3.779

 R$ 1.809

-52,1%

 

Trabalhadores domésticos

 R$ 1.230

 R$ 714

-42,0%

 

Fonte: IBGE, PNAD Contínua

 

 

 

Tabela 2

 

Rendimentos médios reais efetivos no trabalho principal, segundo inscrição no CNPJ - Brasil, 2º Trimestre 2018

 

 

Posição na ocupação

Com CNPJ

Sem CNPJ

Diferencial

 

Empregador

 R$ 5.901

 R$ 3.112

-47,3%

 

Conta própria

 R$ 3.060

 R$ 1.264

-58,7%

 

Fonte: IBGE, PNAD Contínua

 

 

   Por fim, a tabela 2 mostra que, entre os empregadores e os trabalhadores por conta própria, os rendimentos médios reais são bem superiores para aqueles cujo empreendimento é registrado no CNPJ.

   A presença consistente de diferenciais de remuneração entre as parcelas legalizada e não legalizada da população ocupada é um dos elementos que dão suporte ao conceito de informalidade. O senso comum, não sem boa dose de razão, vincula a noção de trabalho informal àquele realizado à margem da proteção da CLT e, por conseguinte, sem garantias de condições de trabalho adequadas e remuneração justa.

   Por outro lado, a maior parte dos especialistas em mercado de trabalho se utiliza dos dados relativos ao enquadramento legal não como a definição de trabalho informal em si, mas sim como uma aproximação estatística que permite mensurá-lo, ainda que de forma imprecisa.

  Ao contrário dos conceitos de força de trabalho, ocupação, emprego e desocupação, que são relativamente incontroversos e compatíveis com padrões internacionais, não há um consenso teórico sobre a definição de trabalho informal. É por esse motivo que o IBGE não inclui, nas notas metodológicas da PNAD Contínua, o conceito de ocupação informal[12].

    As diversas definições de informalidade embutem hipóteses teóricas distintas sobre a evolução e o funcionamento do mercado de trabalho brasileiro.

   Uma corrente de economistas explica a informalidade como decorrência de dualidade no mercado de trabalho, a qual pode ser causada pela existência de diferenças tecnológicas entre firmas, em função de variáveis de natureza institucional, ou por uma combinação de ambas.

   No primeiro caso, a hipótese subjacente é a de que as empresas com tecnologia moderna requerem mão de obra qualificada e, por conseguinte, mais produtiva. Por isso, um contingente de trabalhadores com menor nível de escolaridade e menor experiência não tem acesso a esses postos de trabalho e, por via de consequência, fica restrito a ocupações de baixa produtividade. A diferença de produtividade explica, por conseguinte, os diferenciais de rendimentos entre os empregados dos setores formal e informal.

   Consequentemente, do ponto de vista da formulação de políticas, surgem duas soluções para o problema da informalidade baseada nos diferenciais tecnológicos, ambas com solução a longo prazo. De um lado, é necessário garantir crescimento econômico sustentável, com aumentos de produtividade, a fim de absorver a parcela de trabalhadores excluídos do setor formal. De outro, são necessárias políticas visando a elevar a qualificação dos trabalhadores que não têm acesso ao setor formal, para aumentar sua empregabilidade.

   A dualidade do mercado de trabalho, no segundo caso, advém da imposição de distorções ao seu funcionamento, quer pela legislação (trabalhista, previdenciária e tributária), quer pelos sindicatos. Segundo esse argumento, a fixação de um salário mínimo artificialmente elevado ou o estabelecimento de pisos salariais por negociação coletiva podem fazer com que o custo de manter um trabalhador formalizado seja superior ao valor que o mesmo seria capaz de gerar, inviabilizando sua contratação. A mesma explicação se aplicaria em relação à imposição, pela legislação, de custos associados à demissão do empregado. Do ponto de vista das firmas, a contratação de um trabalhador informal seria, nessas situações, tanto mais atraente quanto menor for a probabilidade de serem fiscalizadas e, por conseguinte, de sofrerem penalidades.

   A hipótese da dualidade em decorrência de fatores institucionais, por sua vez, está na base das propostas de política voltadas para a flexibilização do mercado de trabalho e para a redução dos encargos sociais. A ideia é que a redução dos custos de contratação e manutenção de empregos formais aumenta, na margem, a capacidade de as firmas absorverem trabalhadores menos produtivos no setor formal.

   Note-se que essas duas hipóteses acarretam definições diferentes de formalidade e informalidade. A hipótese tecnológica tende a vincular o espaço formal aos empregos gerados por estabelecimentos grandes que, em função de sua maior dificuldade de burlar a fiscalização, tendem a realizar contratações reguladas pela legislação, assim como aos empregadores vinculados a esses estabelecimentos. As demais condições de ocupação – com exceção dos servidores públicos estatutários – fariam parte do setor informal, inclusive os domésticos com carteira.

  Já a segunda abordagem, relacionada ao papel das instituições reguladoras, é de natureza estritamente jurídica, mas está voltada fundamentalmente aos empregados com carteira assinada e sem carteira. Na medida em que os trabalhadores por conta própria e os empregadores não têm seus rendimentos fixados diretamente pelo mercado de trabalho, mas pelo mercado de bens e serviços, as hipóteses para a existência de diferenciais de rendimento entre empreendimentos regularizados e não regularizados são outras. De maneira geral, argumenta-se que os custos de operar na informalidade crescem com o tamanho do empreendimento.

   Outra vertente de especialistas, baseada em estudos empíricos que mostram que existe certo grau de mobilidade entre o emprego com carteira de trabalho e as demais ocupações[13], discorda da hipótese de dualidade no mercado de trabalho. Segundo alguns teóricos, a existência de situações de transição entre os chamados empregos “formais” e “informais”, em ambos os sentidos, seria em parte explicada por decisões dos próprios trabalhadores, que podem preferir ocupar um posto de trabalho sem carteira assinada ou um trabalho por conta própria, em detrimento de um emprego com carteira assinada, em função de benefícios visíveis e invisíveis dessas ocupações.

  Apesar das diversas definições de informalidade, resultantes de diferentes concepções teóricas sobre a dinâmica do mercado de trabalho, há um único ponto de consenso entre os especialistas: ninguém parece discordar que empregados com carteira assinada no setor privado pertencem ao que se convencionou chamar de setor formal do mercado de trabalho, juntamente com os seus empregadores. O setor informal é definido, com maior ou menor abrangência, em oposição a esse contingente[14].

   A razão para esse consenso possui razões históricas. O emprego celetista em estabelecimentos industriais, comerciais, de serviços ou da construção civil sempre esteve associado ao posto de trabalho de qualidade (melhor remunerado, com jornada de trabalho integral e maior estabilidade). Em oposição a esse ideal, as demais condições de ocupação[15] apresentam, em média, menores remunerações, insuficiência de horas trabalhadas e maior rotatividade.

   Por conseguinte, quando se fala em crescimento da informalidade como algo negativo, a premissa é a de que o número de empregos com carteira de trabalho assinada caiu ou cresceu em ritmo inferior às demais condições de ocupação. O emprego celetista no núcleo empresarial da economia brasileira tem sido, ao longo de décadas, não só a régua básica para mensurar o setor formal, como um paradigma para as políticas públicas de emprego.

  Nesse sentido, o dilema que surgiu recentemente entre os especialistas é se o emprego celetista no setor empresarial ainda permanecerá como métrica adequada do setor formal, tendo em vista a implantação de novas formas contratuais, a partir da vigência da Lei nº 13.467, de 2017.

   A CLT já vinha sofrendo alterações graduais desde o início do século XXI. Em 2001, introduziu-se o contrato em regime de trabalho em tempo parcial, que permitia contratar trabalhadores com jornadas de trabalho de até 25 horas semanais. A chamada reforma trabalhista de 2017, no entanto, implantou os regimes de teletrabalho e de trabalho intermitente. Ambos os regimes permitem legalizar relações de emprego que usualmente seriam consideradas como informais pelo IBGE.

  O contrato de trabalho intermitente é definido na CLT como aquele “no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador[16]. Em um polo das situações que poderiam ser legalizadas como trabalho intermitente, o “bico”, normalmente realizado por um trabalhador por conta própria, poderia ser transformado em emprego celetista. No outro polo, um trabalhador do comércio, contratado em regime de trabalho intermitente para trabalhar durante quinze dias nos períodos que antecedem o Natal, o dia das mães e o dia das crianças seria considerado como ocupado, se entrevistado pelo IBGE em um momento em que não estivesse trabalhando?

   Da mesma forma, os empregados em regime de teletrabalho prestam serviços “preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo[17]. Pela própria natureza do regime, não existe fixação de jornada de trabalho e sim a obrigação de cumprimento de atividades especificadas em contrato. Na prática, abre-se, para esses casos, uma possibilidade de transformar em empregos celetistas atividades realizadas por trabalhadores por conta própria mais qualificados.

   Do ponto de vista do trabalhador que está na informalidade, essas novas formas de contratação podem trazer melhorias, na medida em que passam a ter direitos ao pagamento proporcional de férias, décimo terceiro, repouso semanal remunerado e outros adicionais legais. Para os especialistas, no entanto, só o tempo dirá se o emprego celetista continuará sendo uma boa métrica da qualidade dos postos de trabalho ofertados na economia.

 

Conclusões

   O mercado de trabalho brasileiro é caracterizado por uma grande diversidade nas formas de inserção dos trabalhadores nas atividades econômicas. Em um mesmo setor de atividade econômica são gerados postos de trabalho em estabelecimentos empresariais de alta produtividade e ocupações que requerem baixa qualificação, muitas vezes em empreendimentos de natureza familiar organizados à margem da legislação trabalhista e previdenciária.

   Essas situações contrastantes no mundo do trabalho são típicas de economias em desenvolvimento com populações demograficamente jovens, que historicamente têm passado por surtos de crescimento econômico entremeados com períodos de crise e estagnação.

   Durante as fases de crescimento, o mercado de trabalho evolui no sentido de reduzir as taxas de desocupação da força de trabalho e, quando a taxa de investimento da economia consegue se manter em patamares adequados, a geração de empregos de alta produtividade, no chamado setor formal ou moderno, tende a crescer relativamente àquelas ocupações de menor produtividade. Nos períodos de recessão econômica e estagnação, ao contrário, as taxas de desocupação se elevam; cresce o número de pessoas que saem da força de trabalho por desistirem de procurar empregos e o setor formal se encolhe.

   O mercado de trabalho vive, atualmente, um dos seus ciclos de baixa, em função da recessão ocorrida no biênio 2015-2016 e da lenta recuperação da economia nos anos subsequentes. Essa situação de deterioração aflige diretamente treze milhões de desempregados, quase cinco milhões de pessoas desalentadas e 37 milhões de ocupados que trabalham à margem da proteção legal.

   É natural, por conseguinte, a preocupação atual com a formulação de políticas voltadas para a redução do desemprego e para a geração de empregos de maior qualidade. Para que essas políticas sejam efetivas, é fundamental entender os fatores econômicos e institucionais que afetam o funcionamento do mercado de trabalho.

   Essa edição do Fique por Dentro procurou, na primeira seção, explicar para o leitor não especialista os conceitos estatísticos que relacionam a população ao mundo do trabalho. A segunda seção sintetizou as principais explicações sobre o fenômeno da informalidade no mercado de trabalho brasileiro e os tipos de política pública que surgem a partir desses diagnósticos.

   Ressaltou-se que a redução sustentada da desocupação e da informalidade depende fundamentalmente de dois fatores: crescimento econômico sustentável e a redução dos enormes hiatos de educação e qualificação profissional que ainda se observam na força de trabalho.

   Por fim, procurou-se enfatizar que políticas específicas voltadas para o aumento da formalização no mercado de trabalho, a exemplo da redução de encargos, da flexibilização de formas contratuais e da regularização de pequenos empreendimentos produzem efeitos ambíguos sobre a qualidade das ocupações e o ritmo de geração de empregos.

 

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2018-9017

 



[1] O Estado de São Paulo, 31/07/2018.

[2] O Estado de São Paulo, 16/08/2018.

[3] O IBGE, no entanto, não desconhece a existência do trabalho infantil e produz periodicamente indicadores sobre o fenômeno, embora não compute as crianças de cinco a treze anos na população em idade de trabalhar. Vide, por exemplo, https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101388_informativo.pdf

[4] Uma pessoa, no entanto, que é contratada ou busca trabalho como empregada ou diarista para realizar afazeres em determinado domicílio, mediante remuneração, faz parte da força de trabalho.

[5] IBGE (2018), p. 29.

[6] Esse período de referência de trinta dias é finalizado no último dia da semana de referência.

[7] A taxa de desocupação de determinada faixa etária é encontrada dividindo-se o número de pessoas desocupadas nessa faixa etária pelo total pessoas dessa faixa etária na força de trabalho.

[8] IBGE (2018), pp. 4-5.

[9] IBGE (2018), p.29.

[10] IBGE (2018), p.32.

[11] IBGE (2018), p. 32. Note-se que, no exemplo do pedreiro e seu ajudante, o pedreiro seria considerado conta própria se o ajudante fosse um trabalhador familiar auxiliar; e seria classificado como empregador se o ajudante for remunerado, mesmo que somente com produtos em espécie.

[12] O IBGE, no entanto, possui uma definição de economia informal, que “compreende as informações sobre unidades econômicas que produzem bens e serviços com o principal objetivo de gerar ocupação e rendimento para as pessoas envolvidas, operando, tipicamente, com baixo nível de organização, com alguma ou nenhuma divisão entre trabalho e capital como fatores de produção, e em pequena escala, sendo ou não formalmente constituídas”. A informalidade é aqui definida a partir da perspectiva do empreendimento e de seu nível de organização.

[13] Ver, por exemplo, Sedlacek e Varandas (1990) e Neri (2002), apud Ulyssea (2005).

[14] Excetuada a definição baseada exclusivamente em aspectos legais, o conceito de trabalho formal e informal depende, como vimos, da matriz teórica. Trabalhadores domésticos, independentemente da posse de carteira, e trabalhadores por conta própria, independentemente de possuírem CNPJ, por exemplo, são tratados por alguns teóricos como pertencentes ao setor informal, por não fazerem parte do setor tipicamente empresarial da economia.

[15] Ressalvados os empregadores em estabelecimentos empresariais e os servidores públicos estatutários.

[16] CLT, art. 443, § 3º.

[17] CLT, art. 75-B.