Texto Base da Consultoria Legislativa

ORÇAMENTO IMPOSITIVO

Roberto Bocaccio Piscitelli
Consultor Legislativo da Área IV - Finanças Públicas

Agosto de 2013
 

Versão em pdf: Orçamento Impositivo

 

A Câmara dos Deputados aprovou em 2º Turno a Emenda à Constituição que torna de execução obrigatória a programação constante da lei orçamentária anual, o que ficou conhecido como a PEC do orçamento impositivo.

A referida PEC promove as alterações a seguir discriminadas no texto constitucional.

O art. 165 foi acrescido do parágrafo 10, determinando que A previsão de receita e a fixação da despesa no projeto e na lei orçamentária anual devem refletir com fidedignidade a conjuntura econômica e a política fiscal.

O art. 166 foi acrescido dos parágrafos 9º a 14. De acordo com o § 9º, As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de um por cento da receita corrente líquida prevista no projeto e divulgadas em audiências públicas pelos entes federados beneficiados. Pelo § 10, É obrigatória a execução orçamentária e financeira, de forma isonômica, da programação incluída na lei orçamentária por emendas individuais, em montante correspondente a um por cento da receita corrente líquida realizada no exercício anterior. Nos termos do § 11, No caso de impedimento de ordem técnica ou legal na execução de crédito que integre a programação prevista no § 10 deste artigo: até 30 de junho, os Poderes e o Ministério Público da União publicarão as justificativas do impedimento; até 30 de setembro, o Poder Executivo encaminhará projeto de lei de crédito adicional ao Congresso Nacional para remanejamento ou cancelamento da programação cujo impedimento não tiver sido superado; até 20 de novembro, não havendo deliberação da comissão mista prevista no art. 166, § 1º (de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização), o projeto será considerado rejeitado. O § 12 determina que Se for verificado que a reestimativa da receita e da despesa poderá resultar no não cumprimento da meta de resultado fiscal estabelecida na lei de diretrizes orçamentárias, o montante previsto no art. 166, § 10, poderá ser reduzido em até a mesma proporção da limitação incidente sobre o conjunto das despesas discricionárias. O § 13 dispõe que Para fins do disposto no § 10 deste artigo, a execução da programação será: demonstrada no relatório de que trata o art. 165, § 3º (relatório resumido da execução orçamentária); objeto de manifestação específica no parecer previsto no art. 71, I (parecer prévio do TCU sobre as contas anuais do Presidente da República); e fiscalizada e avaliada quanto aos resultados obtidos. E conforme o § 14, Considera-se obrigatória, nos termos da lei de diretrizes orçamentárias, a transferência da União a Estados, Distrito Federal e Municípios para execução de programação prevista no § 10 deste artigo.

O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias foi acrescido de dois artigos. O art. 35-A determina que O pagamento do saldo de restos a pagar relativo a programações derivadas de emendas individuais, inscritos em exercícios anteriores à entrada em vigor desta emenda constitucional, somente nos dois primeiros exercícios será considerado para fins de cumprimento do montante previsto no art. 166, § 10, até o limite de: seis décimos por cento da receita corrente líquida realizada no exercício anterior, no primeiro exercício; três décimos por cento da receita corrente líquida realizada no exercício anterior, no segundo exercício. O art. 35-B fixa que Se o valor executado em ações e serviços públicos de saúde em exercício anterior integrar a base de cálculo dos recursos mínimos a que se refere o art. 198, § 2º, I (parcela mínima de aplicação de recursos pela União em ações e serviços públicos de saúde), o excedente à aplicação mínima, limitado ao montante da execução da programação de que trata o art. 166, § 10, destinada a essas ações e serviços, não será computado na referida base.

A implementação do orçamento dito impositivo tem sido objeto de controvérsias, muito em função da ideia que se difundiu de que, com a nova sistemática, o orçamento se tornaria rígido e praticamente imutável, inviabilizando a execução da política fiscal e a obtenção das metas de superávit primário. A nova concepção se contrapõe à do assim chamado orçamento autorizativo, tal como tem sido adotado no Brasil, cujo pressuposto é o de que a lei orçamentária estabelece um teto para a realização das despesas, que o Poder Executivo pode ou não executar, de acordo com as suas conveniências ou possibilidades.

Independentemente da precisão das estimativas de arrecadação, o que se tem constatado a cada ano é que o orçamento efetivamente executado apresenta sensíveis diferenças em relação à proposta longamente discutida – e aprovada. Muitas modificações decorrem de situações ou operações - algumas dentro de determinados limites – autorizadas na própria lei orçamentária anual. Outras decorrem da profusão de créditos adicionais, inclusive extraordinários. E outras, ainda – que nos interessam mais particularmente nas atuais circunstâncias -, da falta de execução ou de seu hipotético diferimento. Em artigo publicado no nº 37 dos Cadernos ASLEGIS, os autores chamam a atenção para o fato de percentuais elevados no volume de alterações poderem significar distorções, quer no planejamento inicial, quer na estrutura política de efetivação dos planos de governo. Na pesquisa realizada, entre os exercícios de 2002 e 2008, quando somadas as anulações e os remanejamentos de dotações, apurou-se um volume crescente de alterações, que, em 2008, chegaram a aproximadamente 25% das valores autorizados na lei orçamentária inicialmente aprovada (pouco mais de R$ 350 bilhões). Chamou-se também a atenção para a proliferação de créditos extraordinários, que, na maioria das vezes, no bojo da própria Medida Provisória que os aprova, já indica a compensação com as dotações previamente incluídas na lei orçamentária.

O fato de a PEC ora aprovada contemplar estritamente as emendas individuais até determinado limite – tornando obrigatória a sua execução orçamentária e financeira em montante correspondente a um por cento da receita corrente líquida realizada no exercício anterior – não reduz a importância da alteração, até em função da restrita margem de manobra de que dispõem os parlamentares para efeito de emendarem a proposta de lei orçamentária, como se pode concluir em outra pesquisa realizada no âmbito da Casa, divulgada no nº 39 dos Cadernos ASLEGIS. Nela se menciona o crescimento incessante das chamadas despesas obrigatórias, o que se traduz no fato de cerca de 9/10% dos gastos primários federais não passarem pelo processo orçamentário tradicional, por já se terem constituído por meio de legislação permanente (inclusive no âmbito constitucional e de legislação complementar). Logo, a possibilidade de emendas recai apenas sobre as despesas ditas discricionárias, em sua maioria outras despesas correntes e investimentos (97% no exercício de 2010). Além do mais, a ampla maioria das despesas de custeio pode ser considerada de execução obrigatória, pois são indispensáveis ao funcionamento da máquina pública (água, energia, limpeza e conservação, vigilância etc.).

Em quaisquer circunstâncias, é relevante notar que o orçamento impositivo não traz nenhum risco de irresponsabilidade fiscal. A realização da despesa estará sempre condicionada à arrecadação da receita. É a própria Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 – que estabelece, em seu art. 9º, caput, que, Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. O que o Congresso Nacional restabelece, por meio da PEC, é a prerrogativa constitucional de dar a palavra final sobre não vai ser executado, seja por impedimento de ordem técnica ou legal. Para tanto, o Poder Executivo, de acordo com o rito das matérias orçamentárias em geral, deverá encaminhar ao Legislativo proposta devidamente justificada de alteração da lei orçamentária dentro de prazos exequíveis para a discussão e aprovação da reprogramação.

Vale, ainda, notar que, dado o maior ou menor grau de rigidez orçamentária, são justamente as despesas discricionárias que constituem, por assim dizer, a marca da Administração, o que distingue essencialmente suas metas e prioridades numa perspectiva de médio prazo. O orçamento é, afinal de contas, o detalhamento, a materialização do planejamento, um compromisso firmado entre o governo e a população, mediado pela representação parlamentar, porta-voz dos interesses difusos e localizados dos Municípios, que a tecnocracia federal tem dificuldade de perceber. Se a perspectiva da área econômica do governo está dirigida para as questões mais amplas, de dimensão nacional ou inter-regional, é a representação multifacetada do eleitorado local que consegue afirmar suas necessidades durante o processo que resulta na alocação dos recursos que os contribuintes transferem ao Poder Público para o exercício das funções de Estado.

Em suma, o orçamento impositivo é uma importante contribuição para o próprio exercício da cidadania, por meio de uma participação mais ampla e efetiva das organizações da sociedade civil na definição de suas escolhas políticas e no acompanhamento e controle da aplicação dos recursos públicos.

 



PISCITELLI, Roberto Bocaccio e CAVALCANTI Netto, José Elias. Análise Crítica das Alterações Orçamentárias no Brasil: um estudo do período 2002-2008. In Cadernos ASLEGIS/Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados – nº 37 (mai/ago 2009) – Brasília: ASLEGIS, 2009. Quadrimestral. p. 159-192.

GONTIJO, Vander. Orçamento Impositivo, Contingenciamento e Transparência. In Cadernos ASLEGIS/Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados – nº 39 (jan/abr 2010. Quadrimestral. P. 61-72.