Texto Base da Consultoria Legislativa
DESAFIOS DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Rose Mirian Hofmann
Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo
Consultoras Legislativas da Área XI - Meio Ambiente e Direito Ambiental, Organização Territorial, Desenvolvimento Urbano e Regional
Setembro/2015
Versão em pdf: Desafios do Licenciamento ambiental
O licenciamento ambiental tem sido frequentemente apontado como um dos entraves ao pleno desenvolvimento econômico do país. Por este motivo, bem como pela relevância do instrumento para a consecução dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), ele é objeto de constante atenção da Câmara dos Deputados.
Em 1988, antes mesmo de a Constituição ter sido aprovada, o tema foi abordado de maneira abrangente pelo Projeto de Lei nº 710/1988, de autoria do Deputado Fábio Feldmann, que teve Substitutivos aprovados nas três comissões da Casa e se encontra pronto para a Ordem do Dia no Plenário desde 1º/02/1999. Hoje, essa proposição se encontra desatualizada, o que não significa que o Parlamento deixou de debater a questão.
Até pouco tempo atrás, uma das causas da morosidade do licenciamento ambiental era atribuída à discussão sobre a distribuição de competências entre os entes federados para a condução do processo. Não havia delimitação clara sobre as competências municipais, estaduais e federais, gerando intermináveis embates no judiciário.
Para enfrentar essa questão dos conflitos federativos no licenciamento e em outras ações sob responsabilidade dos órgãos ambientais, foi editada a Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, que fixou normas para a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.
Além dessa Lei Complementar, já sancionada, tramita na Câmara dos Deputados, em regime de prioridade, o Projeto de Lei nº 3.729/2004, que dispõe sobre o licenciamento ambiental e regulamenta o inciso IV do § 1º do art. 225 da Constituição Federal. Apensados a ele seguem treze projetos de lei, quais sejam:
• PL nº 3.957/2004, da Deputada Ann Pontes, disciplina de forma ampla o licenciamento ambiental e sua aplicação pelos órgãos ou entidades competentes, integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, instituído pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981;
• PL nº 5.435/2005, do Deputado Ivo José, que altera a Lei nº 6.938, de 1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), para ampliar a proteção ao meio ambiente e dar celeridade ao processo de recuperação ambiental;
• PL nº 5.576/2005, do Deputado Jorge Pinheiro, que dispõe sobre prazos de licenciamento ambiental, de acordo com o porte e o potencial poluidor do empreendimento ou atividade produtiva;
• PL nº 1.147/2007, do Deputado Chico Alencar e outros, que determina a obrigatoriedade, para o licenciamento de obra ou atividade utilizadora de recursos ambientais efetiva ou potencialmente poluidoras e empreendimentos capazes de causar degradação ambiental, da realização do balanço de emissões de gases do efeito estufa;
• PL nº 2.029/2007, do Deputado Betinho Rosado, que altera a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, dispondo sobre atribuições dos municípios;
• PL nº 358/2011, do Deputado Júlio Lopes, que determina prioridade para a tramitação do licenciamento ambiental de atividades que tenham como objetivo a conservação e melhoria do meio ambiente;
• PL nº 1.700/2011, do Deputado Silas Câmara, que altera a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que "dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências", para estabelecer que os riscos sísmicos sejam considerados no âmbito do licenciamento ambiental;
• PL nº 2.941/2011, do Deputado Ronaldo Benedet, que altera dispositivo na Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, fixando o prazo máximo de 90 (noventa dias) para os órgãos ambientais decidirem sobre os pedidos de licenciamento ambiental;
• PL nº 5.716/2013, do Deputado Alessandro Molon, que dispõe sobre os objetivos e competências dos órgãos licenciadores responsáveis pela avaliação e aprovação de estudos de impactos ambientais de planos, programas e projetos potencialmente causadores de significativa degradação ambiental, e dá outras providências;
• PL nº 5.918/2013, do Deputado Jorge Silva, que dispõe sobre a exigência de Plano de Controle da Contaminação Ambiental, para fins de licenciamento ambiental, e dá outras providências;
• PL nº 6.908/2013, do Deputado Wolney Queiroz, que dispõe sobre as exigências ambientais para a concessão de financiamentos oficiais;
• PL nº 8.062/2014, do Deputado Alceu Moreira, que dispõe sobre o licenciamento ambiental, regulamenta o inciso IV do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, e dá outras providências; e
• PL nº 1.546/2015, do Deputado Ronaldo Benedet, que dispõe sobre normas gerais para o licenciamento de empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental.
Esse processo aguarda decisão na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS).
O momento político e econômico tem-se mostrado favorável à discussão dessa matéria. Muitos atores governamentais e não governamentais têm passado a defender a edição de uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Outros demandam apenas a simplificação dos processos, estabelecimento de prazos máximos etc., em leitura equivocada que coloca o licenciamento como mero entrave a ser superado, no lugar de uma ferramenta para o correto planejamento dos empreendimentos públicos e privados.
As regras nacionais sobre o licenciamento constam hoje, preponderantemente, de atos normativos infralegais, entre os quais se destacam as Resoluções Conama nº 01/1986 e 237/1997. Enquanto a primeira trata basicamente do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), a segunda regulamenta o licenciamento ambiental em si, entendido como o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.
Nas leis federais, as referências ao licenciamento estão, essencialmente, na já citada Lei Complementar nº 140/2001, que se limita a repartir atribuições entre os entes federados, e no art. 10 da Lei nº 6.938/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA), dispositivo que prevê a licença para empreendimentos potencialmente causadores de degradação do meio ambiente. Assim, em lei em senso estrito, há lacuna normativa sobre o tema, e não excesso de regras.
Nos debates atuais sobre a matéria, algumas questões centrais merecem reflexão, pois é a decisão sobre elas que traçará os novos rumos desse instrumento, que tem concentrado em grande parte a missão dada à PNMA de compatibilizar o desenvolvimento econômico e social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.
Os seguintes pontos podem ser destacados:
• Conteúdo do licenciamento ambiental
É notório que o licenciamento ambiental tem-se dedicado a resolver questões que não deveriam estar sendo tratadas no âmbito desse instrumento, mas o são pela falta de efetividade de instrumentos de planejamento e gestão territorial, a exemplo do zoneamento ecológico-econômico (ZEE).
Para dar mais ênfase à visão holística na questão ambiental, a Câmara discute a viabilidade de instituir, por lei, a avaliação ambiental estratégica (AAE), entendida como o conjunto de atividades com o objetivo de prever, interpretar, mensurar, qualificar e estimar a magnitude e a amplitude espacial e temporal do impacto ambiental potencialmente associado a uma política, plano ou programa governamental.
Seria uma forma de trazer ao debate prévio as questões mais amplas e interdisciplinares das políticas públicas, que hoje tem ficado, equivocadamente, concentradas nos órgãos ambientais.
O processo de debate da futura Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL nº 3.729/2004 e apensos) pode ser um caminho para se introduzir a AAE em nosso sistema jurídico.
• Tipo de estudo necessário à instrução do processo
Discute-se também qual seria o melhor critério para definição dos estudos necessários à instrução do licenciamento ambiental. A regra que vigora atualmente, baseada na interpretação conjunta da Constituição Federal (art. 225, §1º, IV) e da Lei da PNMA (art.10), exige estudo prévio de impacto ambiental para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, permitindo-se estudos mais simples para empreendimentos de menor potencial degradador.
O método adotado pela Resolução Conama 01/1986 para exigência de EIA, nessa linha, baseia-se no potencial do impacto intrínseco ao empreendimento, desconsiderando a área no qual será instalado.
Os debates nesta Casa têm incluído a possibilidade de inserir nessa decisão a variável relativa à resiliência do local no qual se pretende implantar o projeto, a fim de concentrar a atenção naqueles cuja combinação entre o potencial de impacto e a fragilidade do meio seja mais gravosa ao meio ambiente. Com essa ponderação de risco, seria possível simplificar o licenciamento de empreendimentos com menor potencial de impacto a serem instaladas em áreas mais resilientes.
• Etapas necessárias ao efetivo licenciamento ambiental
O Decreto 99.274/1990, que regulamenta a Lei da PNMA, prevê as seguintes licenças:
I – Licença Prévia (LP), na fase preliminar do planejamento de atividade, contendo requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação, observados os planos municipais, estaduais ou federais de uso do solo;
II – Licença de Instalação (LI), autorizando o início da implantação, de acordo com as especificações constantes do Projeto Executivo aprovado; e
III – Licença de Operação (LO), autorizando, após as verificações necessárias, o início da atividade licenciada e o funcionamento de seus equipamentos de controle de poluição, de acordo com o previsto na LP e na LI.
Questiona-se muito a necessidade de manutenção dessas etapas, principalmente pelo fato de a legislação de outros países se comportar de forma diversa.
Ocorre que o arranjo institucional brasileiro, em associação com as regras licitatórias aplicáveis ao setor público, leva à necessidade de concatenar os níveis de detalhamento dos projetos com o avanço das etapas das licenças.
Há, todavia, casos em que se pode vislumbrar um licenciamento mais célere, mesclando-se as etapas. Isso também está sendo discutido no Parlamento.
• Papel dos "intervenientes"
Os órgãos e entidades da administração pública federal que se manifestam em processos de licenciamento ambiental são chamados, comumente, de "intervenientes". Na esfera federal, sua atuação é regida pela Portaria Interministerial MMA-MS-MJ-MC nº 60/2015, na qual se estabelece que o Ibama deve avaliar se as exigências técnicas feitas pelos órgãos intervenientes guardam relação com os impactos da atividade em processo de licenciamento, determinando que o órgão retire dos documentos e licenças as exigências que a autarquia julgar que não guardem relação com os impactos.
A relação ideal entre órgãos ambientais e intervenientes tem sido amplamente estudado pela Câmara dos Deputados. O que se debate, nesse caso, é a melhor forma de garantir a análise multi, inter e transdisciplinar de temas como patrimônio cultural, saúde, direitos indígenas e quilombolas, no escopo do licenciamento ambiental.
Independentemente da forma como o Poder Executivo pretenda futuramente organizar sua estrutura, compete ao Poder Legislativo traçar linhas claras de como o licenciamento ambiental deve incorporar temáticas tão relevantes.
• Participação e controle social no processo de licenciamento
Outro ponto a ser ressaltado é a efetividade da participação e controle social no processo de licenciamento, o que hoje se busca garantir por meio da realização de audiências públicas. O processo legislativo tem-se mostrado aberto a novas sugestões de participação social no licenciamento, a fim de garantir o envolvimento da sociedade não somente na etapa prévia, mas também no decorrer da vida útil do empreendimento, quando implantado.
Apresentados os principais aspectos do debate sobre a futura Lei Geral do Licenciamento Ambiental, é importante mencionar que qualquer projeto de lei de iniciativa do Poder Legislativo possui limitações para criação de regras no licenciamento ambiental.
Em primeiro lugar, a autonomia dos entes federados é princípio constitucional a ser plenamente assegurado e, portanto, não se pode subtrair de qualquer uma das esferas de governo a competência para legislar concorrentemente sobre proteção do meio ambiente. Por isso, nos termos do § 1º do art. 24, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União necessita se limitar a estabelecer normas gerais.
Outro limite a ser respeitado, no contexto da independência entre os poderes, é o da iniciativa legislativa para dispor sobre criação de cargos, organização administrativa, criação e extinção de órgãos da administração pública, que compete privativamente ao Presidente da República, nos termos do § 1º do art. 61, combinado com o art. 84 da Constituição Federal.
Assim, qualquer projeto de lei geral sobre o licenciamento ambiental iniciado pela Câmara dos Deputados terá abordagem substantiva, contemplando o instrumento em si, sem interferir diretamente na estruturação administrativa do responsável por sua futura execução. Podem ser feitas referências expressas às atribuições dos entes componentes do Sisnama previstas no art. 6º da Lei da PNMA (órgão superior, órgão consultivo e deliberativo, órgão seccional etc.), sem identificação do órgão em si.
Estas são, pois, as informações consideradas mais relevantes para embasar as discussões sobre o licenciamento ambiental no processo legislativo, sendo indispensável a participação da sociedade nesse momento em que se busca aprimorar o instrumento de forma a alcançar maior eficiência e efetividade.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas nos seguintes estudos:
Gargalos do Licenciamento Ambiental Federal no Brasil (2015)
Rose Mirian Hofmann
https://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/24039
Avaliação Ambiental Estratégica (2014)
Roseli Senna Ganem (coord.) et al.
https://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/19079
Legislação Federal Brasileira e Norteamericana sobre a Avaliação de Impacto Ambiental (2013)
Ilidia da Ascenção Garrido Martins Juras
https://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/14877
Alternativas para resolver os impasses relativos ao licenciamento ambiental de obras de infraestrutura (2007)
Ilidia da A. G. Martins Juras e Suely M. V. Guimarães de Araújo
https://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1164
Legislação sobre licenciamento ambiental: histórico, controvérsias e perspectivas (2005)
Maurício Boratto Viana
https://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1234
Licenciamento Ambiental e Legislação (2002)
Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo
https://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1029