Texto Base da Consultoria Legislativa
TIPO DE TRABALHO: ESTUDOS E CONSULTAS - OUTROS
SOLICITANTE: CEDI
ASSUNTO: TEXTO BASE PARA O “FIQUE POR DENTRO” – TÍTULO: ECONOMIA COLABORATIVA
Autor: Iuri Gregório de Sousa
Consultor Legislativo da Área IX
Política e Planejamento Econômicos, Desenvolvimento Econômico e Economia Internacional
Versão em PDF: Economia Colaborativa
APRESENTAÇÃO
Os termos economia colaborativa ou economia compartilhada, tornaram-se mais presentes na vida do brasileiro bem recentemente. As estatísticas do maior mecanismo de busca da internet, Google, indicam que os termos ganharam alguma relevância nas buscas apenas a partir de meados de 2015, possivelmente na esteira da operação de dois empreendimentos que se tornaram, em termos de volume, pioneiros na prática da economia compartilhada – o Airbnb e o Uber. Implantados no Brasil respectivamente em 2012 e 2015, esses empreendimentos tomaram uma proporção superlativa em pouco tempo nos respectivos campos de atuação, angariando tanto críticas de seus concorrentes já estabelecidos, como apoio de seus colaboradores e usuários. O Airbnb, atuante na área de hospedagem domiciliar e o Uber, que explora serviços de transportes pessoais por intermédio de motoristas parceiros, são, sem dúvida, os mais conhecidos empreendimentos lastreados em economia colaborativa. Mas não são os únicos, muitos outros já operam no país, certamente muitos outros surgirão.
Uma definição simplificada do que seja economia compartilhada seria a atividade econômica baseada no aumento da utilização de recursos ociosos. O quarto de uma residência que, por qualquer motivo estiver vazio, pode ser aproveitado economicamente ao ser disponibilizado à locação por meio do aplicativo Airbnb. Um eventual desempregado com um carro parado na garagem pode auferir renda ao se dispor a transportar passageiros por meio do aplicativo Uber. O dono de um cortador de grama, um equipamento utilizado com pouca frequência, pode alugá-lo por meio de um aplicativo de empréstimos de ferramentas. Por intermédio de um aplicativo de caronas, uma pessoa que planeje viajar com seu carro, pode ocupar os bancos que iriam vazios com terceiros pagantes que pretendam ir ao mesmo destino. As possibilidades são ilimitadas.
É evidente que a disseminação da ideia tem inúmeros benefícios. Sobressaem a possibilidade de pessoas comuns auferirem renda por meio do compartilhamento de bens que já possuem, a faculdade de ter acesso a um bem sem que seja necessária sua compra e, num plano geral, a economia de recursos ambientais, pois menos bens seriam necessários para satisfazer as necessidades da população.
Naturalmente existem críticos à prática da economia colaborativa e, sem dúvida, há um exagero nos argumentos oferecidos por parte de alguns de seus opositores, que nada mais objetivam do que frear o avanço de novas tecnologias ameaçadoras a seus negócios. Entretanto algumas críticas são bastante razoáveis, seja em relação ao abuso de poder das plataformas digitais que operacionalizam a economia compartilhada, seja em relação às consequências sociais e econômicas decorrentes da operação de algumas plataformas.
O tema, por sua novidade, não tem enquadramento legal específico. Um arcabouço legal bem estruturado sobre a questão restringiria atitudes socialmente indesejadas, proporcionaria equilíbrio nas condições de competição e daria segurança jurídica aos agentes econômicos. Por outro lado, uma regulação excessiva seria prejudicial à inovação e à livre iniciativa. Nesse contexto, a proposição e o aprimoramento adequados de dispositivos legais demandam discussões que deem voz a todos atores. Nesse sentido a Câmara dos Deputados além de dar o presente espaço ao tema, já realizou debate público com a participação de estudiosos, bem como representantes das plataformas e de seus concorrentes. Além disso, algumas proposições em torno do tema já foram apresentadas, tais como o Projeto de Lei 5.587/2016.
Introdução
A economia colaborativa ou economia compartilhada (há quem defenda que exista distinção entre as duas) ganhou grande relevância recentemente e a ideia padrão que possivelmente a maioria das pessoas foi assimilando do significado desses termos seja simploriamente: compartilhamento de recursos. Essa percepção é incompleta, faltando-lhe atributos que tornam a ideia de economia compartilhada muito mais poderosa. Economia compartilhada é sim o compartilhamento de recursos, mas recursos que tenham um grande período de ociosidade. Além do mais, o compartilhamento desses recursos é otimizado por utilização de tecnologia capaz de aumentar a escala de ofertantes e demandantes desses recursos, bem como de prover um sistema de localização das partes, pagamento e avaliação mútua. O uso massivo desses tipos de dispositivos, principalmente telefones inteligentes com GPS, possibilita a criação de uma grande rede de usuários que podem interagir instantaneamente, permitindo operações de localização, avaliação e pagamento mutuo.
Um exemplo de como transações com base em economia compartilhada não seria viável sem as condições trazidas pela tecnologia é dado a seguir. Tome-se como exemplo a operação do Uber, um aplicativo que possibilita a intermediação de serviços de transporte de passageiros e, muito possivelmente, o mais conhecido empreendimento lastreado em economia compartilhada. Uma pessoa, por meio de seu celular, abre seu aplicativo (necessidade de acesso à internet), o aplicativo verifica a localização da pessoa e dos motoristas mais próximos (necessidade de gps embutido), a avaliação do motorista é apresentada ao passageiro (benefício de uma grande rede de usuários), o passageiro solicita a corrida (transações instantâneas) e ao final da corrida não há necessidade de desembolso físico (facilidade de pagamento).
A economia colaborativa não é uma inovação, em verdade, suas práticas são realizadas há largo tempo, como seria o caso de compartilhamento de colheitadeiras por produtores agrícolas, entretanto houve um aumento expressivo do volume e quantidade de empreendimentos de economia colaborativa por obra do desenvolvimento tecnológico.
1 - Exemplos de aplicação da economia colaborativa
Em tese qualquer recurso econômico que esteja sendo subutilizado pode ser melhor aproveitado por meio da economia colaborativa, entretanto recursos de baixo valor, como um simples alicate, não são economicamente viáveis para o compartilhamento, pois os custos de deslocamento para pegar e devolver a ferramenta podem ser superiores ao próprio valor da ferramenta.
São exemplos de situações que permitem um melhor aproveitamento de recursos ociosos:
- Automóvel parado na garagem;
- Cômodos de imóveis não utilizados;
- Ferramentas pouco utilizadas como motosserras e lavadoras de alta pressão;
- vestidos e acessórios de luxo;
- mão-de-obra para pequenos serviços gerais.
Certamente os dois aplicativos baseados em economia colaborativa de maior conhecimento do público são o Uber (já comentado anteriormente) e o Airbnb, um aplicativo que permite a disponibilização por dias, semanas ou meses de quartos ou mesmo de um imóvel completo por quem os tenha disponíveis. Entretanto existem muitos outros em atividade, em variados nichos de atuação. São alguns exemplos:
- Bliive: uma rede colaborativa de troca de especialidades, cuja moeda de troca é o tempo, por meio dele uma pessoa pode oferecer uma hora de serviços de jardinagem e, com o crédito, pode obter, por exemplo, uma hora de aula de inglês.
- Enjoei: dedicado à venda de roupas e acessórios cujos donos já não usem mais com frequência.
- Blablacar: permite a intermediação entre ofertantes e demandantes de caronas.
- Fleety: possibilita o aluguel horário de carros de particulares.
Pode-se ter acesso a uma lista com aproximadamente dez mil empreendimentos de economia colaborativa no seguinte endereço eletrônico: meshing.it
2 - Vantagens da economia colaborativa
A maior vantagem da economia colaborativa seria a possibilidade de satisfazer a necessidade de bens e serviços da população com menor quantidade de recursos ambientais. É uma decorrência evidente do princípio da economia colaborativa que diz respeito à maximização da utilização de recursos ociosos. Por exemplo, a necessidade da construção de um novo hotel para atender uma demanda crescente de turistas numa cidade específica poderia ser satisfeita com a mera disponibilização de quartos já existentes e não utilizados na cidade.
Outro ponto positivo seria a possibilidade de aumento da renda doméstica decorrente da possibilidade de rentabilização de bens já existente no meio doméstico, ou mesmo, maior aproveitamento de mão de obra disponível que, de outra forma, não encontraria colocação no mercado de trabalho convencional.
Empreendimentos lastreados em economia colaborativa propiciam o aumento da disponibilização de bens e serviços à população, bem como uma redução de seus preços, possibilitada pelo aumento da concorrência e da ausência da necessidade de grandes investimentos para a oferta dos bens e serviços.
3 - Críticas a economia colaborativa
É natural a impossibilidade de se antever todos os efeitos dessa nova forma de interação econômica, seja na decorrência prática do uso generalizado de aplicativos existentes, seja na esteira de novos aplicativos que ainda nem foram concebidos. Numa análise superficial dos benefícios trazidos pela economia compartilhada, não é difícil tornar-se um patrocinador da ideia. Entretanto o desdobramento da utilização em larga escala de aplicativos de economia colaborativa no mundo real acarretam alguns efeitos indesejados, que podem, inclusive, eclipsar o conjunto das vantagens trazidas pela inovação.
Certamente há um exagero nas críticas trazidas por estabelecimentos empresariais e prestadores de serviços concorrentes dos aplicativos, pois, naturalmente, são contrários a novos concorrentes. Não obstante, algumas críticas são bastante razoáveis e apontam para a possibilidade de danos à sociedade, aos parceiros de negócio dos aplicativos ou a seus usuários.
A experiência internacional oferece uma ótima perspectiva para analisar a evolução da economia colaborativa e suas respectivas consequências, pois lá as plataformas de economia colaborativa foram implantadas há mais tempo e contam com maior número de usuários.
De forma geral, todos os aplicativos que, de alguma forma, demandam mão de obra de algum parceiro acabam por proporcionar remunerações questionáveis sem as garantias do trabalho formal. Enquanto as plataformas auferem lucros substanciais decorrentes da exploração do trabalho alheio e da falta de pagamento de tributos que as colocariam em condições semelhantes a seus concorrentes do mercado geral.
Numa visão mais específica, resumem-se algumas críticas a duas plataformas relevantes:
- Uber: além de reclamações de seus parceiros quanto à baixa remuneração de seus serviços frente a um percentual de ganho do Uber, que chega a 25% do valor da corrida, há uma opressão decorrente do sistema de avaliação, que obriga os motoristas a assumirem viagens antieconômicas para não serem mal avaliados.
- Airbnb: imóveis que eram destinados a aluguel comum saem desse mercado para serem disponibilizados na plataforma, o que pode causar déficit habitacional ou aumento dos preços dos aluguéis. Falta de adequada responsabilização de danos causados tanto a hóspedes quanto a anfitriões. Proliferação de empresários donos de dezenas de imóveis anunciados no Airbnb, o que desfigura a ideia de economia colaborativa.
4 - A legislação como instrumento de controle dos efeitos negativos da economia colaborativa
Situações em que o mercado provoca distorções sociais ou não consegue naturalmente atingir um equilíbrio que garanta oportunidade e justiça a todos seus participantes ou pretensos participantes são propícias para intervenção do Estado. Seja na forma de políticas que corrijam ativamente os desvios, seja na forma de normas que pautem as condições de atuação dos agentes.
O desenvolvimento da economia colaborativa tem demonstrado claramente a necessidade de sua regulação. O que pode ser feito de forma generalizada, abrangendo todas as plataformas, ou de forma específica que considere as peculiaridades de cada plataforma.
Uma lei generalista, aplicável a todos os empreendimentos lastreados em economia colaborativa teria o condão de pautar a ação de todas as plataformas já existentes, bem como de plataformas vindouras. Nesse caso, seria possível, por exemplo, ordenar as seguintes questões gerais:
- pagamento de tributos, que poderia ser otimizada com a obrigação de as plataformas disponibilizarem todas as transações de seus parceiros a autoridades fiscais;
- proteção dos dados dos usuários junto a plataformas;
- estabelecimento de critérios de transparência para que usuários e prestadores de serviços tenham acesso a informações completas quanto à formação de preços
- definição da participação da plataforma quanto a questões de responsabilidade civil.
Obviamente, algumas plataformas de economia colaborativa demandariam soluções específicas. Um exemplo seria a plataforma americana taskrabbit, que intermedeia mão de obra para pequenas tarefas por meio de contratação de serviços pagos por hora. O acentuado volume de críticas dessa plataforma poderia orientar a produção de normas legais que fizessem frente às questões específicas da plataforma, como é o caso das baixas remunerações líquidas decorrentes do modelo de negócio da plataforma. No Brasil a plataforma getninjas também atua na intermediação de mão-de-obra, e já conta com parceiros insatisfeitos quanto à necessidade de remunerar a plataforma mesmo quando um serviço não tenha sido efetivamente realizado.
5- Conclusão
O advento de novas formas de fazer negócios ou de práticas inovadoras que aumentem a disponibilidade de bens e serviços aos consumidores com possibilidade de redução de custos é sempre desejável. A economia colaborativa é bastante promissora nesse sentido. A perspectiva é que novas plataformas surjam e as plataformas atuais angariem um volume bem maior de clientes. Ainda que seja desejável essa evolução, critérios legais devem pautar os excessos e dar garantias às iniciativas legítimas. Nesse sentido, essa Casa tem se dedicado ao estudo e debate sobre o tema, de forma a oferecer regramento adequado para o enquadramento da economia colaborativa.
Consultoria Legislativa, em 10 de março de 2017.
Iuri Gregório de Sousa
2017-844