Texto Base da Consultoria Legislativa


A CRISE HÍDRICA

Francisco José Rocha de Sousa
Consultor Legislativo da Área XII - Recursos Minerais, Hídricos e Energéticos

Maio/2015

 Versão em pdf: A crise hídrica


1. INTRODUÇÃO

Em 2014, grave crise de abastecimento de água abateu-se sobre vastas áreas das regiões Sudeste e Centro-Oeste. A causa imediata dessa crise foi a escassez de chuvas, mas a limitada capacidade dos reservatórios potencializou os efeitos negativos da falta de precipitação mais copiosa.

Em razão disso, verificaram-se problemas sérios no abastecimento de água em muitas localidades, com a proibição de alguns usos. Além disso, a normalidade do suprimento de energia elétrica foi colocada em dúvida, o transporte em várias hidrovias viu-se prejudicado, a outorga do direito de captar água para fim de irrigação foi suspensa em algumas bacias hidrográficas, a atividade turística nas localidades à margem dos reservatórios foi sensivelmente reduzida e houve redução da oferta de peixes em muitas localidades. Enfim, a penúria de água trouxe vários problemas para o cidadão, para as empresas e para o poder público.

Por limitação de espaço, concentraremos nossos esforços no exame da crise hídrica e suas consequências no abastecimento de água e no suprimento de energia elétrica, bem como das medidas adotadas pelas autoridades para minorar seus efeitos nocivos sobre a economia e a vida dos cidadãos.

A superação dessa crise exige ação coordenada das três esferas de governo, mas pode-se afirmar que a responsabilidade da União é maior em virtude de suas competências mais abrangentes e maior dotação de recursos. Entretanto, a Constituição Federal estabelece limites claros para a atuação da União. Na questão da distribuição e da reutilização de água, por exemplo, essa ação é balizada por alguns dispositivos da Lei Maior, que precisam ser
interpretados de forma conjunta.

O inciso V do art. 30 da Constituição Federal estabelece que compete aos municípios “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços de interesse local, incluído o transporte coletivo, que tem caráter essencial” (destacamos). Já o § 3º do art. 25 determina que os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para a execução de funções públicas de interesse comum.

O inciso I do art. 26, por seu turno, define que são bens dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União. Por fim, releva notar que a Lei Maior não relaciona o serviço público de distribuição de água entre os serviços públicos de competência da União (art. 21, incisos X a XII).

Bem diverso é o papel que a União exerce no aproveitamento de água para geração de energia elétrica. Com efeito, a Constituição Federal estabelece no seu artigo 21 que cabe à União explorar os serviços de energia elétrica, diretamente ou por meio de concessão, permissão ou autorização. Já o artigo 22 da Carta Magna determina que compete privativamente à União legislar sobre energia. No exercício dessa competência, foi promulgada a Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, que foi
incumbida de estabelecer as tarifas de energia elétrica.

A presente nota técnica encontra-se estruturada em oito seções, além da introdução. A primeira dela apresenta a crise hídrica que alcançou grandes áreas das Regiões Sudeste e Centro-Oeste em 2014 e início de 2015. A segunda discorre sobre a utilização de água no Brasil. A seção seguinte apresenta os mandamentos constitucionais referentes ao abastecimento de água e seu aproveitamento para produção de energia elétrica e limitações legais à ação da União. A quarta trata de suas consequências para o abastecimento de água, de energia elétrica e para a economia em geral. Na sequência, relaciona medidas que podem contribuir para evitar a recorrência de crise tão severa no futuro. Adicionalmente, são apresentadas as proposições relacionadas com a crise hídrica ora em tramitação na Câmara dos Deputados. Na sequência, são apresentadas considerações finais. Por fim, há uma seção dedicada aos anexos.

 

2. A UTILIZAÇÃO DE ÁGUA NO BRASIL

Em 2010, o consumo de água no Brasil foi de 1.161 m³/s, de acordo com a Agência Nacional de Águas – ANA. A distribuição do consumo de água por setor foi a seguinte: 72% irrigação; 11% consumo animal; 9% abastecimento humano urbano; 7% industrial; e 1% abastecimento humano rural. Como se vê, o maior usuário de água no Brasil é a irrigação.

A perda média na distribuição de água no Brasil em 2013 foi de 37%, de acordo com o Sistema Nacional de Informações de Saneamento – SNIS (Em Roraima foi de 59,7% e no Distrito Federal foi de 27,3%). Essa cifra é estarrecedora, sobretudo quando se tem em conta que o marco legal vigente já oferece às autoridades competentes instrumentos para combater o desperdício e a perda de água pelas concessionárias de distribuição de água. Com
efeito, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, estabelece que os contratos de concessão deverão contemplar metas progressivas e graduais de uso racional de água (art. 11, § 2º, II).

No que se refere à oferta de água, impende notar que a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, estabelece em seu art. 54 que a poluição de águas constitui crime ambiental, que tem pena de um a quatro anos, além de multa.
A importância da água para a geração de energia elétrica no Brasil é muito grande. De fato, a energia hidráulica responde por cerca de 75% da energia gerada no Brasil (72,1% em Fevereiro de 2015), como se pode constatar na Figura 1.

Figura 1 - Matriz de produção elétrica (Elaboração: MME)


Neste ponto, deve-se salientar que o aproveitamento de potenciais hidrelétricos está sujeito à outorga de direitos de uso dos recursos hídricos. No caso de corpo de água de domínio da União, incumbe à ANA, conceder a declaração de reserva de disponibilidade hídrica, à qual é necessária para promover licitações dos mencionados potenciais. Deve-se

sublinhar, outrossim, que a outorga e a utilização de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica encontra-se subordinada ao Plano Nacional de Recursos Hídricos (art. 3º, § 2º, da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997).
 

3. A CRISE HÍDRICA

Há alguns bens que somente se dá valor quando não existe em quantidade suficiente para atender aos demandantes. A água é um deles. Trata-se de recurso natural limitado, dotado de valor econômico (art. 1º, I, da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997), que vem sendo objeto de disputas cada vez mais frequentes, mesmo antes da eclosão da presente crise hídrica.

A crise hídrica foi a denominação que se deu às restrições ao abastecimento de água e aos problemas no  abastecimento de energia elétrica resultantes da redução dos níveis dos reservatórios decorrente da combinação da pequena capacidade relativa dos mesmos com os pequenos volumes de chuvas.

O baixo volume de chuvas em 2014 e de janeiro a março de 2015 nas regiões Sudeste e Centro-Oeste é inquestionável. Com efeito, de acordo com o Ministério de Minas e Energia, registrou-se em janeiro de 2015 no Subsistema Sudeste/Centro-Oeste a pior afluência da série histórica, que foi de 38% (Anexo I). Entretanto, algumas renomadas consultorias assinalam que “as condições hidrológicas não foram excepcionalmente severas1” e que o “sistema de geração apresenta problemas estruturais” (Energy Report, 2015).

Não obstante este fato, forçoso é reconhecer que o fator mais grave para as dificuldades de suprimento de energia elétrica experimentadas atualmente é a limitada capacidade de armazenamento de água em nossos reservatórios (Energy Report, 2015). Isso porque, como já visto anteriormente, cerca de 75% da energia elétrica gerada no Brasil é proveniente de usinas hidrelétricas. Assim, a insuficiência de água determina a operação de mais usinas termelétricas. Isso, por sua vez, acarreta aumento de custo da energia elétrica, com reflexos nas tarifas, e pode levar, até mesmo, a racionamento do fornecimento.

Não fosse a nossa relativamente pequena capacidade de armazenamento no Sistema Interligado Nacional - SIN, o fato de janeiro de 2015 ter sido o mais seco da história não teria consequências tão negativas. Com efeito, ao se analisar a evolução da energia armazenada no SIN no período de janeiro de 2012 a dezembro de 2014, verifica-se que se passou do melhor armazenamento da história em janeiro de 2012 (75%) para o pior em dezembro de
2014 (22%).

No que tange ao abastecimento de água, registre-se que em vários municípios as autoridades apelaram à população para que reduzisse o consumo. Com esse propósito, foram concedidos bônus para unidades consumidoras que conseguiram reduzir o volume consumido. Outras cidades optaram por cobrar multa ou um adicional tarifário para os consumidores que consumirem mais água que o habitual. Houve ainda quem propusesse a introdução de racionamento de água.

Por força do calendário político, não se implementou racionamento de água, o que poderia ter tido consequências nefastas para normalidade do abastecimento em algumas cidades, notadamente, São Paulo, caso as precipitações em São Paulo no mês de fevereiro não tivessem sido boas. As autoridades se defendem com o argumento de que a decisão de decretar o racionamento depende não apenas dos níveis dos reservatórios, mas também da previsão de afluências.

Importa consignar, ainda, a importância do setor industrial em algumas regiões do País. Com efeito, de acordo com o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) do Estado de São Paulo, o setor industrial responde por 40% da água disponível para abastecimento em rios, poços e reservatórios da Grande São Paulo e da Baixada Santista.

Releva notar, outrossim, que as presentes dificuldades no abastecimento de água reacenderam o debate sobre os usos prioritários da água e medidas para contenção do consumo. Questiona-se o volume de água destinado a certos usos, como, por exemplo, a irrigação durante tempos de severa escassez.
 

4. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AS LIMITAÇÕES LEGISLATIVAS

Os limites das competências federais na regulamentação da distribuição e da reutilização de água são balizados por alguns dispositivos constitucionais, que precisam ser interpretados de forma conjunta.

O inciso V do art. 30 da Constituição Federal estabelece que compete aos municípios “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços de interesse local, incluído o transporte coletivo, que tem caráter essencial” (destacamos).

Já o § 3º do art. 25 determina que os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para a execução de funções públicas de interesse comum.

O inciso I do art. 26, por seu turno, define que são bens dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União. Por fim, releva notar que a Lei Maior não relaciona o serviço público de distribuição de água entre os serviços públicos de competência da União (art. 21, incisos X a XII).

Claro está, portanto, que a titularidade do serviço público de distribuição de água não é da União. Assim, a possibilidade de edição de lei federal regulamentando a questão da água é bastante restrita.

Justamente por essa razão é que a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, estabelece apenas diretrizes nacionais para o saneamento básico2 . Entre elas cabe sublinhar a obrigação de que o contrato de concessão que tenha por objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico contemple metas progressivas e graduais de uso racional de água (art. 11, § 2º, II).

Com efeito, a Constituição Federal estabelece no seu artigo 21 que cabe à União explorar os serviços de energia elétrica, diretamente ou por meio de concessão, permissão ou autorização e o aproveitamento energético dos cursos de água.
               “Art. 21. Compete à União:

               ................................................................................................................
              XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
              ................................................................................................................
             b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos
             cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais
             hidroenergéticos;
             .......................................................................................”(destacamos)

O artigo 22 da Carta Magna, por seu turno, determina que compete privativamente à União legislar sobre energia. No exercício dessa competência, foi promulgada a Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que instituiu Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. O mencionado órgão regulador possui, entre outras, as seguintes competências: promover, mediante delegação, os procedimentos licitatórios para a contratação de concessionárias e permissionárias de serviço público para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica e para a outorga de concessão para aproveitamento de potenciais hidráulicos; gerir os contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de bem público, bem como fiscalizar as concessões, permissões e a prestação de serviços de energia elétrica; e estabelecer as tarifas de energia elétrica.

A Lei nº 10.847, de 15 de março de 2004, por seu turno, estabelece no inciso VI do art. 4º que compete à Empresa de Pesquisa Energética – EPE “obter a licença prévia ambiental e a declaração de disponibilidade hídrica necessárias às licitações envolvendo empreendimentos de geração hidrelétrica e de transmissão de energia elétrica, selecionados pela EPE”.

Outra competência da União atribuída pela Lei Maior (inciso XIX do art. 21) relevante para o estudo da crise hídrica diz respeito a instituir o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso. O referido dispositivo foi regulamentado pela Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que estabeleceu os fundamentos nos quais se baseia a Política Nacional de Recurso Hídricos.

Entre eles releva notar os fundamentos de que a água é um bem de domínio público, dotado de valor econômico, e de que a gestão de recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas (art. 1º, III) e de que em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais (art. 1º, III).

Adicionalmente, instituiu o Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH e estabeleceu que a outorga e utilização de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica estará subordinada ao Plano Nacional de Recursos Hídricos, obedecida a disciplina da legislação setorial específica (art. 12, § 2º).

Com a finalidade de implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos, a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, criou a Agência Nacional de Águas – ANA e a ela cometeu, entre outras, as seguintes atribuições: outorgar, por intermédio  de autorização, o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União; fiscalizar os usos de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da União; elaborar estudos técnicos para subsidiar a definição, pelo CNRH, dos valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos de domínio da União.

Como se pode constatar, muitas são as instituições federais envolvidas com a questão da água. Há, ainda, os órgãos estaduais e municipais que também desempenham um papel importante na regulamentação dessa matéria.
 

5. AS CONSEQUÊNCIAS DA CRISE HÍDRICA PARA O ABASTECIMENTO DE
ÁGUA, DE ENERGIA ELÉTRICA E PARA A ECONOMIA EM GERAL

O abastecimento de água foi fortemente impactado pela crise hídrica em várias localidades. Em São Paulo, por exemplo, reduziu-se a pressão de fornecimento de água e promoveu-se redução no horário de fornecimento em vários bairros, o que trouxe transtornos para a população, que se viu forçada a alterar hábitos e rotinas. Adicionalmente, foi criado programa de concessão de bônus para as unidades consumidoras que conseguiram reduzir seu consumo de água e instituída tarifa de contingência para aqueles que excederam o seu consumo.

A crise hídrica contribuiu para os elevados reajustes das faturas de energia elétrica. Efetivamente, a Revisão Tarifária Extraordinária – RTE concedida pela ANEEL às concessionárias do serviço público de distribuição de energia elétrica, com vigência a partir de 2/03/2015, resultou em aumento médio das tarifas de 23,4% no Brasil, mas que alcançou 28,7% para o conjunto das Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e 5,5% para o conjunto das regiões Norte e Nordeste.

Na Figura 2 apresenta-se o efeito da RTE nas tarifas de energia elétrica por categoria de tensão de fornecimento, a saber AT (alta tensão) e BT (baixa tensão)


O item que mais teve influência na revisão tarifária extraordinária foi o valor da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, encargo tarifário incidente nas tarifas de energia elétrica, que respondeu por 17,7% dos 23,4% de valor médio da revisão tarifária extraordinária no Brasil. O segundo item mais relevante foi a aquisição de energia elétrica, que respondeu por 5,7% da RTE.

Nesse particular, chama a atenção a elevada a variação da tarifa de Itaipu, que foi resultante do cenário hidrológico adverso de 2014. Em razão das vazões abaixo das médias históricas, as usinas que compõem o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) geraram 91% de sua garantia física. Ocorre que toda a garantia física de Itaipu é alocada às distribuidoras na forma de cotas. Por isso, a geração insuficiente é adquirida por Itaipu ao Preço de Liquidação das Diferenças (PLD). A combinação de geração baixa e PLD elevado gerou um custo que foi absorvido por Itaipu ao longo de 2014 e que vem sendo repassado em 2015.

Além disso, cabe ressaltar que a implantação de bandeira tarifária vermelha, que, neste momento, sinaliza a elevação dos custos da energia elétrica devido à crise hídrica, implicou elevação tarifária média de cerca de 15% no início de 2015.

Neste ponto, convém sublinhar que índices de reajustes tarifários da energia elétrica exercem forte pressão nos índices inflacionários, com efeitos deletérios na economia, resultando em demissões e queda produto interno bruto. Ademais, a crise hídrica teve impacto na produção de alimentos em várias localidades, mercê de restrições à irrigação.
 

6. MEDIDAS DE COMBATE À CRISE HÍDRICA

Para assegurar a normalidade do abastecimento de água, várias iniciativas foram adotadas. Elas podem ser agrupadas em duas categorias, a saber: redução da demanda, que, em geral, apresentam resultados mais rápidos, e aumento da oferta.

Entre as iniciativas que buscam economizar água, sobressaem as ações de combate às perdas de água nas redes das concessionárias de distribuição, que envolvem melhorias na manutenção da rede e aprimoramento da fiscalização. Com se viu anteriormente, essas perdas ainda são extremamente altas em nosso País, o que traz prejuízo para as
distribuidoras e para os consumidores, bem como dano para o meio ambiente.

Também com esse propósito, foi adotada em algumas cidades a concessão de bônus ou desconto para quem conseguiu reduzir o seu consumo. Essa estratégia foi utilizada, com êxito, pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP. Essa empresa introduziu, em 1º de fevereiro de 2014, programa de bônus para os moradores atendidos pelo Sistema Cantareira, que logrou proporcionar, em abril de 2015, economia média
de 6,2 mil litros por segundo de água, volume suficiente para abastecer aproximadamente 1,9 milhão de pessoas (Notícia: “Economia de água em abril dá para atender quase 2 milhões de pessoas”, disponível em www.sabesp.com.br).

Outra ação utilizada para alcançar redução do consumo de água é a majoração da tarifa de água. Em São Paulo, a Deliberação nº 545, de 7 de janeiro de 2015, da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo – ARSESP autorizou a SABESP a adotar a tarifa de contingência, que passou a ser cobrada dos usuários cujo consumo mensal ultrapassar a média apurada no período de fevereiro de 2013 a janeiro de 2014, nas contas
emitidas em fevereiro de 2015, conforme se segue:

i) 40% de acréscimo sobre o valor da tarifa, aplicável à parte do consumo de água que exceder até 20% da média; ou

ii) 100% de acréscimo sobre o valor da tarifa, aplicável à parte do consumo que exceder a mais de 20% da média.

A oferta de água pode ser aumentada com a construção de novos reservatórios ou com a expansão da interligação entre os reservatórios existentes. No Estado de São Paulo, o governo busca por meio do projeto de interligação entre a bacia do rio Paraíba e o Sistema Cantareira, que foi orçado em R$ 500 milhões, conferir maior segurança ao
abastecimento na região metropolitana.

Outra possibilidade é estimular o reaproveitamento de água consumida (e.g. estímulo ao reuso de águas industriais). Entretanto, essa ação vem sendo dificultada pelo fato de que os custos de captação de água ainda são bem inferiores aos tratamentos necessários para o reuso. (Folha de São Paulo, cotidiano, p. C4, 18/11/2014).

Também podem contribuir para incrementar a oferta de água a diminuição da poluição das águas. Para tanto, é preciso focar a fiscalização nas atividades que mais poluem a água, a saber: o lançamento de esgotos e de efluentes industriais, de lixo e de entulho.

Como forma de diminuir a queda do volume de água armazenada nos reservatórios e, por via de consequência, reduzir o risco de desabastecimento de energia elétrica, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico – CMSE determinou, em várias ocasiões, o despacho térmico pleno no Sistema Interligado Nacional – SIN (e.g. 144ª reunião, realizada em 11/06/2014).

O estímulo à geração de energia elétrica pelos próprios consumidores foi outra linha de ação adotada pelo governo federal. Com esse objetivo, a Portaria nº 44, de 10 de março de 2015, do Ministério de Minas e Energia, estabeleceu diretrizes para a contratação de geração própria de unidades consumidoras atendidas por concessionária ou permissionária de distribuição de energia elétrica. Os valores propostos ainda não foram estabelecidos pela ANEEL, mas a nota técnica que trata da matéria sinaliza cifras muito elevadas, que, é bom lembrar, vão onerar as tarifas no futuro.
 

7. PROPOSIÇÕES RELACIONADAS COM A CRISE HÍDRICA EM TRAMITAÇÃO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Encontram-se em tramitação na Câmara dos Deputados, de acordo com o Sistema de Informação Legislativa – SILEG, muitas proposições que se relacionam com a crise hídrica. A maioria delas dispõe, de uma maneira geral, sobre o uso racional e a conservação de água. Mais especificamente, há proposições que tratam da tributação sobre a implantação sistemas de captação e retenção de águas pluviais; da concessão de linhas de financiamento para
recuperação ou preservação de nascentes; da cobrança pelo uso de recursos hídricos; da implementação de Programa de Ecoeficiência pelos estabelecimentos de ensinos da rede pública; do reuso de água residual. Apresenta-se a seguir listagem com os aludidos projetos de lei.

PL 377/2015
Dep. Fausto Pinato
Dispõe sobre a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Importação (II), incidentes sobre a comercialização de máquinas, filtros, painéis, captadores, bombas, calhas, condutores verticais, coletores horizontais e outros equipamentos ou componentes necessários para a implantação de sistema de captação e retenção de águas pluviais, para fins não potáveis.

PL 376/2015
Dep. Fausto Pinato
Dispõe sobre a concessão de linhas de financiamento para atender iniciativas de recuperação e/ou preservação voluntária de nascentes, realizados em área rural ou urbana com características rurais, de propriedades privadas ou públicas.

PL 322/2015
Dep. Luciano Ducci
Institui a “Semana Nacional do Uso Consciente da Água”.

PL nº 287/2015
Dep. Paulo Magalhães
Regulamenta a cobrança pelo uso dos recursos hídricos no Brasil, instituída pela Lei Federal no 9.433, de 8 de Janeiro de 1997 e fixada para o uso da geração hidroelétrica pela Lei Federal no 9.984, de 17 de julho de 2000

PL 267/2015
Marcos Reateguti
Altera a Lei no 9.795, de 27 de abril de 1999, determinando a implementação, pelos estabelecimentos de ensino da rede pública e privada, de Programa de Ecoeficiência.

PL 182/2015
Dep. Fausto Pinato
Dispõe sobre o reuso interno de água residual para fins industriais e dá outras providências.

PL 30/2015
Dep. Luiz Carlos Heinze
Altera a Lei 12.651/12, de 25 de maio de 2012.

PL 7.818/2014
Dep. Geraldo Resende
Estabelece a Política Nacional de Captação, Armazenamento e Aproveitamento de Águas Pluviais e define normas gerais para sua promoção.

PL 4.109/2012
Dep. Laercio Oliveira
Institui o Programa Nacional de Conservação, Uso Racional e Reaproveitamento das Águas.

PL 4.095/2012
Dep. Bohn Gass
Altera a Lei nº 10.257, de 10 de julho 2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, no sentido da promoção do equilíbrio ambiental e das cidades sustentáveis.

PL 2.874/2011
Dep. Vinicius Gurgel 
Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da conservação e uso racional da água nas edificações.

PL 1.301/2007
Dep. Valdir Colatto
Dispõe sobre o uso e a conservação do solo e da água no meio rural. 

 

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ideia de que a água é e vai continuar a ser abundante no Brasil precisa ser combatida. Na realidade, mesmo nas regiões mais bens dotadas de recursos hídricos há localidades que enfrentam problemas de escassez ocasionalmente. Ademais, existe tendência de redução da disponibilidade desse valioso recurso no futuro e espera-se que as grandes variações nos índices pluviométricos continuem a ocorrer. Em outras palavras, há razões para se preocupar permanentemente com a segurança hídrica.

Com esse propósito e com o fito de tornar as políticas públicas mais efetivas, é fundamental a ação coordenada da União, Estados e Municípios, o que não é favorecido pela multiplicidade de instituições envolvidas com a questão da água. É preciso, pois, aperfeiçoar os mecanismos de acompanhamento e articulação de ações voltadas para a redução da demanda e aumento da oferta hídrica, bem como de difusão das experiências bem sucedidas.

O modo mais eficiente de combater o desperdício de água é por meio de aumento da tarifa de água, preferencialmente por meio da criação de uma sobretaxa específica. O preço da água deve refletir a sua escassez. Uma outra possibilidade de diminuir o nível de solicitação do sistema de abastecimento público é por meio da captação, do armazenamento e a adequada destinação das águas pluviais. Nessa mesma linha, deve-se buscar o aumento do nível de reuso de água, o que pode ser alcançado com a concessão de estímulos à aquisição dos
equipamentos necessários.

A construção de novos reservatórios é uma forma eficiente de reforçar a oferta hídrica no Brasil. Ademais, vale notar que as barragens das usinas hidrelétricas, oferecem a possibilidade de uso múltiplo da água, a saber: controle de cheias; armazenamento de água para o abastecimento humano e animal; irrigação; turismo; psicultura; e transporte. Também pode ajudar no reforço da oferta de água o combate à poluição dos mananciais de água. Para tanto, faz-se necessário reforçar a fiscalização do uso do solo.

Não se pode olvidar, outrossim, ações no sentido de buscar novas fontes de água. Deve-se, portanto, envidar esforços no sentido de mapear poços subterrâneos para abastecimento de água.

A escassez de chuva, como visto anteriormente, reduz o nível de água nos reservatórios, o que aumenta o risco de déficit de energia elétrica. Para evitar esse risco, deve-se acelerar as obras de geração e transmissão de energia elétrica, bem como assegurar o fornecimento de gás natural para as termelétricas.

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[1] 15 dos 81 triênios de energia afluente registrados no histórico foram mais secos que o triênio 2012-2014.

[2] Para os efeitos da Lei nº 11.445/2007, considera-se saneamento básico o conjunto de serviços, infraestrutura e
instalações operacionais de: abastecimento de água potável; esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de
resíduos sólidos; drenagem e manejo das águas pluviais urbanas


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Agência Nacional de Águas – ANA, Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos – 2013, Brasília –
DF, 2013.

Ministério de Minas e Energia, Panorama Geral do Setor Elétrico, Apresentação do Ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, na Câmara dos Deputados, em 04/03/2015, Brasília-DF, 2015.

PSR, Energy Report – Fevereiro de 2015, Rio de Janeiro, 2015.

 

ANEXO

 

 

(Texto elaborado em maio de 2015)