Promessa de punição

18/06/2008 17h10

No Rio, Nelson Jobim pede desculpas às famílias de jovens mortos depois de serem entregues a traficantes por militares. Retirada imediata das tropas do Morro da Providência é descartada

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, pediu desculpas às famílias dos três jovens mortos no Morro da Providência, prometeu cobrar "punição exemplar" para os 11 militares que os entregaram a traficantes de uma favela vizinha, no último sábado, mas descartou a saída imediata de tropas da comunidade. Fontes do Exército, no entanto, afirmam que a saída só não se dá agora porque seria "embaraçosa", e admitem que a presença dos militares ali está com os dias contados. Jobim viajou ao Rio por determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que em reunião no Palácio do Planalto expressou "profunda indignação" com o caso.

A decisão do ministro de não determinar a retirada imediata dos cerca de 200 homens do Exército, onde estão desde novembro de 2007, irritou moradores da Providência e familiares das vítimas. A presidente da associação de moradores do lugar, Vera Melo, que se reuniu com Jobim, disse ao final do encontro que a comunidade exige a retirada. "Não há mais ambiente para o Exército aqui", afirmou Vera. O advogado João Tancredo, representante das famílias dos jovens mortos, foi mais longe. "O Exército na Providência é desnecessário e, mais do que isso, sua permanência agora é insustentável e arriscada", disse. Informalmente, operários que trabalham no morro disseram que podem decidir parar até que o Exército saia.

Jobim percorreu áreas no pé da comunidade cercado por um forte aparato de segurança, esquivou-se de subir ao topo do morro, até a Praça Américo Brum, onde uma comissão de moradores o esperava. Uma moradora chamou Jobim para um cafezinho dentro de casa e ele aceitou. Na saída, ouviu gritos de "justiça" vindos do alto de uma laje, gritados por uma menina de não mais que 10 anos. A mãe da garota estendeu no parapeito uma camisa com a foto de Wellington Gonzaga Costa, assassinado junto com David Wilson Florêncio da Silva, 24, e Marcos Paulo da Silva, 17.

"Não podemos confundir o fato que aconteceu com a ação do Exército e as obras que estão sendo realizadas aqui. Esse assassinato não pode contaminar o que está se realizando aqui", apontou Jobim, preocupado em descartar qualquer viés político no projeto, chamado de Cimento Social, e cujo pai é o candidato favorito de Lula à Prefeitura do Rio, o senador Marcelo Crivella (PRB). "Não podemos politizar esse processo. Aqui não há politização, mas uma obra acertada (entre o Ministério da Defesa) com o Ministério das Cidades. Não permitiremos, nem admitiremos que se pretenda com isso fazer locações políticas disso", insistiu Jobim.

Jobim afirmou que tanto ele quanto o comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, que o acompanhou durante todo o tempo, estavam "indignados" com o episódio. "Isso não vai se repetir", garantiu. Para ele, não houve falta de comando - embora haja um tenente e dois sargentos envolvidos, além de sete soldados -, mas "desvio claro de conduta desse tenente (Vinícius Ghidetti de Moraes Andrade, 25 anos, que confessou à polícia que idealizou e comandou a entrega dos jovens a traficantes)". O general Mauro César Cide, comandante da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada, unidade à qual pertencem os 11 militares envolvidos nas mortes, pediu desculpas a um grupo de moradores da Providência.

Em outras ocasiões, o general Peri se manifestou contra o emprego de tropas militares em favelas, como já pediu o governador Sérgio Cabral Filho (PMDB). O ministro da Justiça Tarso Genro disse ontem que as Forças Armadas não são aptas para atuar na segurança pública e afirmou que o presidente Lula pensa da mesma maneira. Jobim, no entanto, disse que a atuação do Exército na Providência se dá dentro das Ações Cívicos Sociais (Aciso) e comparou a força militar no morro fluminense ao trabalho de militares em aeroportos, estradas, construção de pontes e ações comunitárias na Amazônia. As mortes cruéis de Wellington, David e Marcos Paulo, por ordem de um tenente, mostram que a questão já transbordou a discussão meramente legal e inclui o próprio preparo dos militares para lidar com populações civis.

COBRANÇA

Diálogo entre Nelson Jobim e uma moradora do Morro da Providência:

- Senhor ministro, espero que o caso dos garotos não fique impune.
- Não vai ficar.
- Um era meu sobrinho.
- Eu vim aí pra isso mesmo.

Congresso terá comissão
 


O deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Comissão de Segurança e Combate ao Crime Organizado, manifestou preocupação com a proximidade de militares com traficantes. Jungman, que se reuniu ontem com o general Enzo Martins Peri, afirmou que esse será um dos pontos a serem investigados por uma comissão externa do Congresso a ser instalada hoje. A comissão terá até 15 dias para apresentar os primeiros resultados e fará audiências públicas com militares e familiares de vítimas. Decisão semelhante anunciou a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (Sedh), que também enviará ao Rio uma comitiva integrada por instituições em defesa da pessoa humana.

O delegado Ricardo Dominguez, da 4ª Delegacia de Polícia, que ouviu ontem quatro dos 11 militares suspeitos de envolvimento nas mortes dos três jovens, disse que pode sim haver uma conexão entre os militares da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada com traficantes do Morro da Mineira, para quem os rapazes foram entregues. O Morro da Providência é dominado pelo Comando Vermelho (CV) e a favela vizinha, pela Amigos dos Amigos (ADA). "Há fortes indícios de que os militares tinham contato com os traficantes da Mineira, já que conseguiram entrar e sair da favela sem serem confrontados", afirmou Dominguez.

Poderá ser pedida à Justiça a quebra do sigilo dos telefones usados pelos militares. A polícia quer saber também onde moravam esses militares. Três deles, entre os quais o tenente Vinícius Ghidetti de Moraes Andrade, já confessaram o crime. "Qualquer ligação com traficante é da maior gravidade e isso tem que ser apurado", defendeu Jungmann. O deputado defendeu que o Congresso elabore e aprove com urgência uma legislação prevendo os casos em que os militares poderiam atuar para garantir a ordem pública. "Estamos empregando as nossas Forças Armadas sem a devida regulamentação da lei", justificou. (RM)

Fonte: Correio Braziliense