Câmara analisa mudanças em benefício da delação premiada
Previsto em várias leis brasileiras há mais de 20 anos, o instituto da delação premiada até hoje não foi regulamentado. O instrumento, que beneficia o réu ou suspeito com a redução da pena em troca de colaboração nas investigações, é tema de vários projetos em discussão na Câmara. Os que estão em estágio mais avançado de tramitação já foram aprovados no Senado e aguardam votação em Plenário.
É o caso do substitutivo ao PL 6917/02 e a outros projetos que tramitam em conjunto, que trata da prescrição dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Entre outras medidas, o texto propõe a redução da pena em 2/3 para o suspeito que colaborar com a apuração dos fatos. A lei atual prevê a redução da pena de 1/3 a 2/3 caso o coautor de um crime financeiro revele espontaneamente informações à polícia ou ao juiz.
Também pronto para ser votado no Plenário, o PL 7228/06 estende a delação premiada para pessoas já condenados. O texto prevê redução de pena de 1/5 a 1/3 para o condenado que colaborar em um processo ou investigação criminal, desde que a ajuda tenha efeitos práticos, como a identificação dos autores do crime.
Cachoeira
Com a criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Cachoeira, a regulamentação da delação premiada volta ao debate. Acusado de comandar uma rede ilegal de jogos de azar, Carlinhos Cachoeira foi preso no fim de fevereiro, na operação Monte Carlo da Polícia Federal. Gravações de conversas telefônicas entre Cachoeira e políticos levaram à criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar a rede de contatos do contraventor.
O deputado Francisco Escórcio (PMDB-MA) propôs uma indicação (INC 2815/12) que solicita ao Ministério da Justiça a adoção de providências necessárias para assegurar a delação premiada à Cachoeira. Para o deputado, é inegável que o acusado pode colaborar para o esclarecimento dos fatos.
Insegurança jurídica
O professor de Direito Penal da PUC do Paraná e autor da obra "Delação Premiada - Direito Estrangeiro, Doutrina e Jurisprudência", Walter Barbosa Bittar, destaca, entretanto, que a falta de regulamentação desse instrumento gera insegurança jurídica.
A oferta do benefício, segundo ele, é feita pelo delegado encarregado da investigação ou pelo Ministério Público, mas a sua validade é decidida pelo juiz somente ao final do processo, no momento da sentença. "Para aquele que recebe a proposta, não existe a mínima segurança de que o juiz reconhecerá aquele acordo", diz. “No Brasil, existem casos em que houve a aplicação da delação premiada e ela está sendo contestada por advogados, e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não é pacífica sobre o caso."
Professora de Direito Penal da Universidade de Brasília (UnB), Ela Wiecko concorda que a falta de regulamentação cria vulnerabilidades tanto para o colaborador, quanto para o Ministério Público.
Ela ressalta o risco de prejuízos para o processo, incluindo o descarte de provas importantes. "Chega ao fim do processo e o juiz pode determinar que não há direito à redução da pena. Se o acordo tiver cláusulas previstas em lei, haverá mais garantias para o Ministério Público e para o colaborador", afirmou.
Crimes comuns
O deputado Edson Pimenta (PSD-BA) é autor do PL 3316/12 que estende o benefício da delação premiada aos investigados por crimes comuns, não apenas para integrantes de grupos organizados. "Nossos presídios estão amontoados. Reduzir a pena é um incentivo para os que ajudarem a reaver bens roubados, localizar vítimas e identificar coautores dos crimes", defendeu.
Já o presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, deputado Efraim Filho (DEM-PB), alerta para o risco de a delação premiada ser encarada como impunidade pela população. "Não podemos ter a delação premiada em todas as situações. É preciso dosar esse benefício para que não seja igual à impunidade. Isso é muito perigoso."