Entrevista

E o senhor, é melhor intelectual ou como político?

Darcy Ribeiro – Eu sou atípico. O PC não me quis porque me achava um militante muito agitado, e a FEB não me aceitou porque os médicos acharam que eu era muito raquítico para ser sargento. Eu me entendi com o Marechal Rondon e passei 10 anos com os índios. Dali fui ser Ministro da Educação, criei a Universidade de Brasília, fui chefe da Casa Civil de Jango, tentei fazer a reforma de base e caí no exílio. E foi no exílio que escrevi uma larga obra. Nunca gostei de ser político por razões éticas. Um poeta inglès pode ser só poeta. Mas num país com o intestino à mostra, como o Brasil, o intelectual tem obrigação de tomar posição. Essa é uma briga séria e eu estou nessa briga. Mas, se tiver de dizer do que eu mais gostei na vida, eu digo que eu gostei mais foi de namorar.

Como o senhor define o Brasil?

Darcy Ribeiro – O Brasil é a melhor província e o melhor povo do mundo para fazer um país. Mas é muito difícil. É muito fácil fazer  uma Austrália. Basta caçar uns ingleses e holandeses, jogar no mato e mandar matar os índios e pedir que repitam a paisagem inglesa. No caso do Brasil, não. É a partir de 6 milhões de índios desfeitos, 12 milhões de negros desafricanizados e a partir de uns poucos milhares de portugueses que se refaz um povo, um gênero novo de gente que nunca existiu. Gente que procura a sua vez, tem enormes potencialidades, mas que ainda não encontrou  seu destino.

Como o senhor vê o intelectual brasileiro?

Darcy Ribeiro – O intelectual brasileiro raramente foi fiel ao Brasil. Num período de lutas como o da abolição, os intelectuais tiveram a oportunidade única de se colocarem na frente do povo. No início da década de 60, comigo no Ministério da Educação, foi possível levantar com a intelectualidade um movimento formidável que, entre outras coisas, produziu o cinema novo. A tendência do intelectual é acomodar-se. Intelectual não é flor que se cheire. Em nenhum lugar se costuma confiar em intelectual. A Inglaterra nunca pensou que os intelectuais iam salvá-la, tampouco a França

Fonte: Revista Veja, janeiro de 1995
 

O povo brasileiro

“Que é o Brasil entre os povos contemporâneos? Quem são os brasileiros? Enquanto povo das Américas contrasta com os povos testemunhos, como o México e o altiplano andino, com seus povos oriundos de altas civilizações que vivem o drama de sua dualidade cultural e o desafio de sua fusão numa nova civilização.

Outro bloco contrastante é o dos povos transplantados, que representa nas Américas tão-só a reprodução de humanidades e de paisagens européias. Os Estados Unidos da América e o Canadá são de fato mais parecidos e mais aparentados como a África do Sul branca e com a Austrália do que conosco. A Argentina e o Uruguai, invadidos por uma onda gringa que lançou 4 milhões de europeus sobre um mero milhão que havia devassado o país e feito a independência, soterrando a velha formação hispano-índia, são outros transplantados (...) Os outros latino-americanos são, como nós mesmos, povos novos, em fazimento.”

Fonte: O Povo Brasileiro – A Formação e o Sentido do Brasil, Cia. Das Letras, São Paulo