Racismo e direito à cidade: cidadania plena e acesso à moradia são temas centrais em audiência na CDU
A desigualdade social entre negros, gerada pela má distribuição da renda, pela segregação e marginalização, e historicamente construída na sociedade, foi o principal mote da audiência pública que discutiu o racismo e o direito à cidade, nesta quinta-feira (5/7), na Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU). O debate foi presidido pelo Deputado João Daniel (PT/SE), Primeiro Vice-Presidente da Comissão, e contou com as presenças de parlamentares, especialistas e representantes de movimentos ligados à luta contra o racismo e pela inclusão social.
“A população negra não tem direito a sequer ter um território como seu”, afirmou Heloiza Helena da Costa, filha de Vilma Eustáquia Da Silva, idosa que mora na mesma casa há 70 anos, em Belo Horizonte, e é alvo de uma ordem de despejo. Heloiza compartilhou a história de sua família que é uma prova viva da discriminação em âmbito urbano. Seu avô José Rodrigues migrou para a capital mineira a procura de melhores condições de vida. “A situação do meu avô é semelhante ao que encontramos nos relatos de outros trabalhadores que solicitavam terrenos para construção de casas para suas famílias”, relatou Heloiza. A partir da história de Dona Vilma surgiu o coletivo “Dona Vilma Fica”. O caso ganhou grande proporção e, após manifestações, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) suspendeu a ação de despejo em abril de 2018.
A Promotora de Justiça da Bahia, Livia Santana Vaz, também participou da audiência e esclareceu que o direito à cidade está associado às garantias sociais e coletivas. Ela afirmou que a população negra está inserida nos grupos “vulnerabilizados” já que estão nesta posição por imposição histórica e política. “O direito à cidade é racialmente condicionado. Existe um Estado que se utilizou do seu aparato político, legislativo e policial contra a população negra desde o início”, criticou. Além disso, a Promotora de Justiça relata que o Estado é o maior violador dos direitos humanos, mesmo sendo o maior agente de mudanças.
Diante disso, o Deputado Edmilson Rodrigues (Psol/ES) ressaltou a importância dos debates sobre o racismo, destacando serem os negros invisibilizados ou tratados pelo Estado como semi-humanos. “É muito forte essa concretude, não só das relações sociais, mas de como se expressa o direito à cidade do ponto de vista material, urbano. E nesse sentido, mesmo o direito de ir e vir é restringido às populações negras”.
Ele destacou ainda que as políticas, quando desenvolvidas, devem levar em conta as desigualdades sofridas pelos negros, como no caso dos espaços destinados ao Programa Minha Casa, Minha Vida. Segundo o parlamentar, é preciso pensar no combate ao racismo vinculado a uma ideia de urbanismo democrático e humanizado da cidade, pensando em alternativas que garantam os serviços que hoje estão longe da população, como saúde, educação e lazer.
A representante do movimento Convergência Negra, Priscila da Silva Lima, avaliou a atual situação de Juiz de Fora sob a ótica racial. “A situação da cidade traz um incremento de problemas como a falta de habitações, de saneamento básico, degradação ambiental, desemprego e violência”, disse. Priscila considera latente a implementação de políticas públicas eficazes para sanar a crise dos territórios que se enfrenta atualmente em Juiz de Fora e em todo Brasil.
Sobre o papel da população negra como cidadão, a Arquiteta e Urbanista, Joice Berth, a compreende como uma população exposta à “condição de cidadania mutilada”, termo empregado pelo Geógrafo brasileiro Milton Santos. Segundo ela, a cidade possui quatro funções básicas: habitar, circular, acesso à recreação e ao trabalho. Ressalta que “ao privar determinado grupo de praticar essas ações, ocorre o fenômeno da cidadania mutilada. Ter acesso pleno à cidade é direito de usufruir dos espaços coletivos que foram construídos para as coletividades e pelas coletividades”, reforçou.
Já a Deputada Erika Kokay, também presente nas discussões, lembrou que quando se fala em direito à cidade, fala-se de territórios que precisam ser construídos e de um direito à cidade feito com os recortes de que têm sido ignorados para as mulheres e negros. “O direito à cidade pressupõe não apenas o direito habitacional, pois não podemos apartar um direito dos outros direitos. Um programa como o Minha Casa, Minha Vida não pode ser ‘descolado’ dos outros direitos que nossa humanidade exige, quando se entregam espaços longe da vida nas cidades”. Esse direito à cidade, de acordo com ela, vai pressupor a mobilidade urbana, os espaços coletivos, bem como políticas públicas que atinjam profundamente os negros e negras nesse país.
Para Martvs Chagas, Secretário Nacional de Combate ao Racismo do Partido dos Trabalhadores (PT), uma forma de obter cidadania plena é por meio do sonho da casa própria. Ele afirma que essa concepção afetou o povo negro de maneira incisiva. “O nosso acesso à moradia é precário, de maneira marginalizada e isso é histórico”, criticou. Chagas apoiou à iniciativa do colegiado mas alerta que, além de denunciar, é necessário criar condições através do parlamento para que esses problemas sejam resolvidos.
Rafaela Garcêz
Estagiária de Comunicação