Manifestações contrárias à MP do saneamento marcam audiência pública na CDU
Deputados de diversos partidos, associações e entidades ligadas ao saneamento, sindicatos, além de centenas de urbanitários, estiveram reunidos, nesta quarta (8/8), em audiência pública promovida pela Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU), no auditório Nereu Ramos da Câmara dos Depuados. Eles criticaram a edição da Medida Provisória n º 844/18, que altera o marco legal do saneamento básico no Brasil. Os participantes pediram a revogação da medida, alertando para os graves prejuízos e impactos negativos ao país, principalmente aos municípios mais pobres.
Enquanto aconteciam as discussões, as entidades e demais atores que são contra a MP conseguiram uma primeira vitória. Isso porque, os parlamentares obstruíram os trabalhos e impediram a instalação da Comissão Mista que vai analisar a MP. Apesar de já terem membros designados, a Comissão ainda aguarda indicação de presidente, que será feita pela Câmara, e de relator, que fica a cargo do Senado. Devido ao período eleitoral, esse procedimento não deve acontecer antes do dia 27 de agosto. Além de ser apreciada pela Comissão, a Medida Provisória deve ser votada pelos Plenários da Câmara e do Senado.
Privatização
Uma das principais reivindicações do setor é que a medida provisória favorece a privatização do saneamento público que, segundo o governo, vai modernizar o setor. As entidades e parlamentares divergem. Sobre isso, o Deputado Edmilson Rodrigues (Psol/ES) fez referência à “modernização conservadora”, que transforma tudo e todos em mera mercadoria. Não podemos festejar uma modernização que representa o uso de tecnologias para enriquecer uns poucos e inviabilizar a vida e a dignidade da maioria que ainda sequer tem acesso à água potável. “Não é entregando a multinacionais que vamos resolver o problema”.
No mesmo sentido, Roberto Cavalcanti Tavares, Presidente da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (AESBE), destacou que "a medida provisória tem o nome de modernização, mas ela na verdade tem o objetivo único de abrir o mercado para o setor privado – e abrir da pior forma possível: de forma pulverizada, sem levar em consideração a economia de escala que é tão importante no setor de infraestrutura”.
Francisca Adalgisa, da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp, reforçou a importância do trabalho dos parlamentares no processo. “Queremos ver pessoas que defendam o interesse da sociedade e dos trabalhadores. O privado não pode dizer a nação brasileira como fazer a gestão das nossas águas”.
A audiência também foi marcada por várias manifestações dos trabalhadores que exibiram faixas, gritavam palavras de ordem contrárias à MP, e criticaram a ausência do Ministério das Cidades no debate. O órgão foi convidado para comparecer, mas não enviou representante – o que também gerou críticas entre os presentes. Aparecido Hojaij, Presidente da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (ASSEMAE), fez críticas quanto a isso. “O próprio governo desprezou essa Casa, os representantes dos movimentos sociais e as entidades do setor de saneamento, dizendo que o ato público convocado pelas entidades foi um ato infantil. Infantilidade é o não-comparecimento do governo a esta audiência. A Medida é antidemocrática e inconstitucional e vai prejudicar os municípios mais pobres, gerando aumento de tarifas e dificultando a inclusão social”.
“A ausência do governo demonstra um desrespeito ao Parlamento e à sociedade. Essa MP, encaminhada na última data possível, é quase um gesto de deboche em relação a um assunto tão grave. Nesse momento, uma das coisas mais preciosas – considerada inclusive pela Organização das Nações Unidas um direito essencial, que é o direito pela agua –, é posto dentro de um pacote de liquidação”, disse a presidenta da CDU, Deputada Margarida Salomão (PT/MG).
Abelardo de Oliveira Filho, Representante da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental (FNSA) destacou que o objetivo da MP não é priorizar o setor, mas é uma tentativa de privatização das empresas de saneamento, superando os entraves jurídicos-institucionais para possibilitar a venda das companhias estatais.
Sobre a tramitação da MP, o Deputado João Paulo Papa (PSDB/SP) destacou a importância da audiência como a primeira de muitos atos e reuniões. “Que possamos em conjunto, em união, independentemente de posições partidárias, atuar em favor do saneamento e contra a MP que não acrescenta nada naquilo que é importante e desorganiza aquilo que está funcionando bem no saneamento brasileiro. Todas as entidades do setor têm tido uma participação intensa e proativa na CDU nesse mandato, participando das audiências e contribuindo efetivamente com ideias e recomendações. O setor sabe o que deve ser feito para o aprimoramento da política nacional de saneamento”.
O discurso também foi corroborado pelo Deputado Afonso Florence (PT/BA). Ele disse ter convicção da força do movimento social, do movimento sanitarista e dos trabalhadores e trabalhadoras do setor para derrotar a privatização da água. Pedro Blois, Presidente da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) disse que a MP vai afetar a vida de toda a população brasileira. “A água não é mercadoria é uma fonte de vida. É preciso derrotar esta Medida, pois ela não é boa para o país”. Sergio Antonio Gonçalves, Representante da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) foi enfático: “esperamos que essa casa rejeite a Medida Provisória para que se possa trabalhar num debate saudável para a melhoria do saneamento brasileiro”.
Subsídio cruzado
Outra preocupação dos especialistas é o fim do subsídio cruzado, dispositivo que permite investimentos em regiões com menos recursos a partir de lucros obtidos na oferta de serviços em localidades rentáveis, conforme ressaltou Cláudia Lins, Supervisora da Confederação Nacional dos Municípios. "O fim do subsídio cruzado vai prejudicar a universalização do serviço de saneamento básico. Também somos contra condicionar os recursos do saneamento ao cumprimento das normas de referência da Agência Nacional de Águas (ANA). Primeiro, porque não sabemos como serão essas normas e nem se elas vão atender a todos os municípios do país. Além disso, os recursos são escassos o que pode dificultar o acesso, exigindo que o município cumpra uma norma de referência".
Fernando Alfredo Rabello, Presidente da Associação Brasileira das Agências de Regulação (ABAR), afirmou que não será através de uma MP que iremos avançar para atingir o sonho de saneamento pleno em todo o país. Da mesma forma, clamou Iury Paulino, Representante do Movimento dos Atingidos por Barragens. “Água tem que ser direito e não mercadoria, mas o capital tem interesse no lucro e não na qualidade de vida”.
Participações
Também estiveram presentes e se mostraram preocupados com a MP os Deputados: João Daniel (PT/SE), Glauber Braga (PSOL/RJ), Bohn Gass (PT/RS), Samuel Moreira (PSDB/SP), Paulão (PT/AL) e Chico Alencar (PSOL/RJ). Alternaram-se na presidência da mesa de debates os membros da CDU que subscreveram o requerimento para a realização da audiência. Discursaram também durante o evento, representantes da Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenheiros, do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Água e Esgoto (Sindágua-DF) e do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA).
Articulações
Continuando as articulações, após as discussões promovidas pela Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) sobre a MP 844/18, as entidades ligadas ao setor foram recebidas, nesta quinta-feira (9/8), pelo Presidente do Senado, Senador Eunício Oliveira. O encontro contou também com a presença do Senador Paulo Paim.
No Senado, os representantes demonstraram as mesmas preocupações quanto aos prejuízos da MP, em especial quanto à privatização e a falta de incentivo para os municípios mais carentes. O Presidente Eunício ouviu as manifestações e sugeriu que a Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental já inicie conversas com as lideranças partidárias, bancadas estaduais e os membros da Comissão Mista, a fim de fortalecer o diálogo transparente contra a MP. As entidades assinalaram a possibilidade de também ser realizada audiência pública no Senado para debater a questão, assim como nos estados, conforme sugestão dos deputados da CDU.