VIII CARAVANA DE DIREITOS HUMANOS CONFLITOS EM TERRAS INDÍGENAS
VIII CARAVANA DE DIREITOS HUMANOS CONFLITOS EM TERRAS INDÍGENAS
RELATÓRIO DAS VISITAS A TERRAS INDÍGENAS E AUDIÊNCIAS PÚBLICAS REALIZADAS NOS ESTADOS DE MATO GROSSO, MATO GROSSO DO SUL, RONDÔNIA, RORAIMA, PERNAMBUCO, BAHIA E SANTA CATARINA
07 a 17 DE OUTUBRO DE 2003
Introdução
A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados (CDH) realiza anualmente as Caravanas de Direitos Humanos, oportunidades em que os deputados federais viajam o Brasil para conhecer de perto os diversos tipo de violações de direitos humanos. Já foram realizadas, entre outras, as caravanas sobre o sistema penitenciário, asilos, manicômios e exploração sexual infantil. No ano de 2003, optou-se pelo tema "Conflitos em Terras Indígenas". Tal escolha se deveu, em primeiro lugar, a um mea culpa da própria CDH, que reconheceu não ter tratado da temática indígena com a atenção devida, desde a criação da comissão em 1995. Mas também pesou na decisão o acirramento dos conflitos e o aumento expressivo de mortes de indíos, 23 desde o início do governo Lula, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Todas as comunidades visitadas ressaltaram o ineditismo da visita da Comissão de Direitos Humanos (CDH). Segundo eles, raramente qualquer autoridade comparece às aldeias para ouvir a comunidade e conhecer sua realidade. O curioso foi que em diversos momentos a CDH foi desencorajada - por autoridades federais e estaduais - de empreender as visitas, sob o argumento de que os índios eram "perigosos" ou "imprevisíveis". Na verdade, estes argumentos escondem o fato de que a autoridade não-índia tem grandes dificuldades em saber ouvir os povos indígenas.
Os conflitos nem sempre possuem "lados" bem definidos. Em todo caso, a CDH teve a preocupação constante de conhecer os mais diversos aspectos das disputas, através dos variados pontos de vista. Entretanto, é importante ressaltar que, em toda escuta, os direitos humanos formaram o ponto de partida conceitual e interpretativo dos deputados. Vale dizer: a CDH se colocou à disposição como mediadora de conflitos, mas desde que o objetivo desta mediação seja fazer cumprir os tratados internacionais de direitos humanos e a Constituição brasileira. Tal atitude impõe o reconhecimento do fato de que as comunidades indígenas são vítimas de um processo histórico que a Constituição de 1988 procurou remediar de alguma maneira. Neste sentido, a CF/88 estabeleceu a inalienabilidade, indisponibilidade e imprescritibilidade do direito à terra. Não há negociação possível quando se trata do direito à terra, aos costumes, às tradições.
Têm-se discutido formas alternativas de compensação para aquelas pessoas que ocupam terras indígenas de boa-fé, além do pagamento das benfeitorias previstas pela Constituição. O Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, estabeleceu em sua própria Constituição a compensação a agricultores assentados em áreas colonizadas ilegalmente pelo Estado, situadas em terras indígenas. Alternativas como esta são possíveis e desejáveis, desde que sejam reivindicadas de forma pacífica, sem ódio e sem ameaças às comunidades indígenas. A experiência do Rio Grande do Sul merece ser estudada com carinho pelos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia e Santa Catarina.
Este relatório foi elaborado a partir do que a CDH verificou in loco nas visitas às terras indígenas Buriti (MS, etnia Terena), Sangradouro (MT, etnia Xavante), Roosevelt (RO, etnia Cinta Larga), Raposa/Serra do Sol (RR, etnias Makuxi, Patamona, Ingarikó, Wapixana, Taurepang, Wai Wai e Yanomami), Caramuru - Catarina Paraguassu (BA, etnia Pataxó Hãhãhãe), Xucuru (PE, etnia Xukuru), e Toldo Chimbangue e Araça'í (SC, etnias Kaingang e Guarani). Além das visitas às aldeias, a CDH realizou audiências públicas em parceria com as Assembléias Legislativas e/ou Câmaras Municipais locais. Só não houve audiência pública nos estados de Rondônia (por motivos de atraso no deslocamento da caravana) e Pernambuco, onde, além da visita à terra indígena, a CDH realizou uma reunião com um grupo de índios dissidentes, em Recife.
A caravana foi integrada pelos deputados Orlando Fantazzini (PT/SP), Pastor Reinaldo (PTB/RS) e César Medeiros (PT/MG). Acompanharam os deputados os servidores Mateus Medeiros, da Comissão de Direitos Humanos, e Sílvia Fonseca, da TV Câmara. Na segunda etapa da viagem (RR, BA, PE, SC), juntaram-se ao grupo a Ouvidora-Geral da República, Dra. Eliana Pinto, e o delegado Osmar Tavares, do Serviço de Repressão a Crimes contra as Comunidades Indígenas, da Polícia Federal. Os deputados federais Walter Pinheiro e Guilherme Menezes estiveram na visita ao povo Pataxó Hã-hã-hãe. O Dr. Ivair Augusto dos Santos, assessor especial da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, acompanhou a visita a Roraima. As funcionárias Theresinha Miranda e Aldenir Áurea da Silva organizaram a logística das viagens, a partir de Brasília. A equipe da Comissão agradece as conversas com os antropólogos Márcia Grankow, Rita Segato e Paulo Maia, os quais indicaram livros para consultar e pessoas com quem falar. A Procuradora Federal Ela Wiecko e a assessora jurídica do CIMI, Rosane Lacerda, enviaram preciosos comentários sobre uma primeira versão deste relatório. O servidor Anderson Depizol gentilmente revisou o texto.
A Caravana de Direitos Humanos não teria sido possível sem o apoio incondicional do Presidente da Câmara dos Deputados, deputado João Paulo Cunha. A Comissão de Direitos Humanos quer agradecer especialmente à TV Câmara, nas pessoas do diretor da Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados, Márcio Araújo, da diretora da TV, Sueli Navarro, e de Fred Schimidt Campos e Getsemane Luiz da Silva, da produção da TV, e Silvia Fonseca, repórter que acompanhou toda a caravana com a mesma disposição e vontade de todos os demais, embalada pelo desejo de retratar e documentar fatos que recebem muito pouca atenção da mídia comercial. A experiência foi pioneira no âmbito da TV Câmara e simboliza o esforço por uma televisão mais "pública" que "estatal".
Considerações Gerais
Conflitos:
Todos os conflitos possuem raízes no desrespeito histórico à cultura e à terra dos povos indígenas. Desrespeito este que não foi característico apenas da conquista da América ou da colonização portuguesa. Nós, brasileiros, o praticamos até hoje. O povo Cinta Larga, por exemplo, foi contactado apenas no início da década de 1970, mas já teve sua população dizimada: de cerca de 5000 índios, restam 1400 nos dias de hoje.
A principal forma de pressão do não-índio e de muitos índigenas é pelo "desenvolvimento" que os recursos indígenas podem gerar. Assim, os conflitos surgem principalmente da tentativa do homem branco de utilizar as terras indígenas para a monocultura de produtos agrícolas de exportação, para as atividades de mineração e garimpo, extração de madeira, ou para a construção de barragens e hidrelétricas.
Os argumentos utilizados pelo homem branco são desinformados e muitas vezes preconceituosos. Por exemplo, fazendeiros questionam o tamanho das terras indígenas relativamente ao número de índios ("muita terra para pouco índio"). Tratam os povos indígenas como indivíduos e não nações e culturas. Adotam a maneira não-índia de produzir como parâmetro de utilização da terra, o que reforça a imagem preconceituosa do índio como sujeito preguiçoso.
As populações indígenas, por sua vez, têm sua auto-estima gravemente ferida pelo preconceito. Em todas as aldeias, as etnias afirmaram que o índio quer, sim, trabalhar, mas à sua maneira. Para tanto, precisam das condições necessárias: terra, educação e saúde como políticas diferenciadas. Os caciques renegam a figura do "bom selvagem", do índio inocente e despido de interesses materiais. Ao contrário, eles querem o desenvolvimento para suas comunidades, querem aumentar a renda disponível, não querem ser apenas "um exército para cuidar das matas". Entretanto, faz-se necessário que tais iniciativas sejam possíveis em um contexto de preservação de suas identidades culturais.
Desenvolvimento
Os índios brasileiros já são produtores de riquezas com valor de mercado. Essa foi a constatação da CDH ao visitar, por exemplo, as comunidades das terras indígenas Roosevelt (RO) e Raposa/Serra do Sol (RR). Na primeira, os índios aprenderam a atividade da garimpagem. Lutam para poder usufruir das riquezas de suas terras, sem ceder à ganância daqueles que pregam a exploração do diamante por empresas e pelo garimpo desordenado. Em Roraima, há muitos anos os índios aprenderam a atividade pecuária. Possuem até uma escola para formação agropecuária dos indígenas. Comercializam sua produção para os mercados não-índios.
O direito constitucional de usufruto exclusivo dos índios sobre as riquezas naturais de suas terras deve ser entendido como um benefício, uma proteção, e não como uma restrição às suas atividades produtivas. O que os índios Makuxi (RR) aprenderam, e os Cinta-Larga (RO) estão aprendendo, é que a exploração de seus recursos naturais deve se dar de forma que preserve a identidade cultural de seu povo. Mesmo (e principalmente) quando isso signifique não explorar os recursos tão intensivamente quanto faz o homem branco. O índio tem seu próprio ritmo e, principalmente, seu próprio caminho. O índio não é um empecilho ao desenvolvimento. É uma alternativa. Mato Grosso, por exemplo, não precisa ser uma grande fazenda de soja. Podem e devem existir atividades econômicas alternativas, inclusive aquelas que explorem os conhecimentos tradicionais indígenas, a diversidade biológica, o turismo, o manejo florestal, etc. Nós brasileiros já deveríamos ter aprendido as desvantagens e os riscos de dependermos economicamente da monocultura de exportação.
A CDH ouviu de muitos não-índios envolvidos no conflito, especialmente no Mato Grosso, que as igrejas e a Funai submeteram o índio a uma visão paternalista e culturalmente escravizante. Segundo esse raciocínio, o índio foi subestimado e confinado ao longo do tempo, e hoje sofre por não conseguir bens da sociedade não-índia. Até poderia ser verdade. Há muito o que se criticar na atuação de órgãos e entidades indigenistas. Mas o que chama a atenção é que os projetos de "desenvolvimento" defendidos por esses não-índios não incluem o direito à terra. De fato, o que se pôde perceber no Mato Grosso foi exatamente o contrário: os fazendeiros ofereceram a "parceria agrícola", mas desde que os indígenas abrissem mão da demarcação e homologação de suas terras.
A terra é a única garantia de que o desenvolvimento vai se dar com o devido respeito à identidade e autonomia das culturas indígenas. Autonomia significa a capacidade de dispor sobre o próprio futuro. Ao longo da história humana, praticamente todas as nações que perderam o controle sobre seu território terminaram extintas. Não apenas por terem sido dizimadas, mas principalmente porque seus membros foram assimilados por outras culturas. Suponhamos que um projeto de parceria agrícola funcione durante dez anos, obviamente interferindo na organização social da sociedade indígena. Depois desse tempo, caem os preços da soja no mercado internacional, e o fazendeiros "parceiros" precisam abandonar o projeto, em virtude da dificuldade financeira. Se os índios possuem a terra, podem decidir coletivamente o que fazer. Se não possuem, estarão completamente encurralados e haverá forte pressão para que cada índio individualmente tome o seu caminho. Em Santa Catarina, os índios Guarani estão completamente sem terra. Vivem de favor numa pequena área cedida pelos Kaingang. Sobrevivem à custa da cesta básica fornecida pela Funai. Isso tem acarretado um enorme êxodo dos índios para os centros urbanos.
Sem a terra não existe futuro. Há no máximo o amanhã. A terra é o que garante que os índios sejam tratados como nações, e não apenas como indivíduos.
Preconceito - O índio, o mestiço e o "brasileiro":
O conflito gera um enorme preconceito contra as populações indígenas. Os índios estão em franca desvantagem com relação às informações que são repassadas à imprensa e à opinião pública em geral. Raramente possuem voz própria: ou são completamente silenciados ou "falam" através de organizações indigenistas, muitas das quais se acostumaram aos confortos da tradição tutelar com relação aos povos indígenas. Além disso, existe um completo desconhecimento e um proposital desprezo, por parte da comunidade não-índia, pelas culturas indígenas. Em todas as aldeias visitadas, a CDH ouviu a reclamação dos índios de que eles são tratados como preguiçosos ("o homem branco afirma que o índio não quer trabalhar").
Não raro, constata-se uma deliberada tentativa de jogar a população não-índia contra a comunidade indígena. Em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, muitos se dizem "amigos" e "irmãos" dos índios, mas regra geral não se procura conhecer sua língua, seus costumes, visitar suas aldeias. Quando o conflito se acirra, espalham-se notícias de que os índios são "matadores", "estupradores", e outros, sendo que raramente a população indígena tem a oportunidade de se defender. No caso dos Cinta Larga em Rondônia, chega-se à prática da discriminação explícita: comerciantes cobram mais caro pelas mercadorias e até o poder judiciário determinou o pagamento de uma fiança no valor de R$ 10 mil reais para um índio, pelo crime de porte ilegal de arma, enquanto a fiança é cinco vezes menor para o caso de não-índios presos pelo mesmo crime. Invariavelmente, considerando os crimes decorrentes do conflito, em todos os Estados visitados há mais índios que não-índios presos. Ao mesmo tempo, morrem muito mais índios que não-índios em decorrência do conflito. Em Roraima há 30 índios presos contra ninguém preso por crimes contra os índios. Nos últimos 25 anos, 25 índios foram assassinados por não-índios.
Uma das reclamações constantes por parte daqueles que se colocam contrários à demarcação de terras, ou às demais políticas indigenistas, é a de que o índio hoje já se tornou um "brasileiro". A CDH ouviu frases tais como "eles têm caminhonetes importadas", ou "possuem casas de alvenaria", e outras do gênero. Portanto, já estariam "aculturados" e não necessitariam de políticas específicas, podendo ser tratados como quaisquer outros "brasileiros". Trata-se de mais uma manifestação do racismo à brasileira, que esconde a diversidade cultural para afirmar uma igualdade meramente formal. Curioso é que, para alcançar o mesmo objetivo discriminatório, é necessário inverter a função do mestiço índio, quando comparada à do mestiço negro. O mulato esconde o negro: os brasileiros fingem que não há negros porque "somos todos mulatos". Ao mesmo tempo, o índio originário - aquele que anda nu e caça com arco-e-flecha - esconde o mestiço. Eles não são mais índios, agora são "brasileiros". O raciocínio ignora o fato de que estes mestiços "brasileiros" falam outras línguas, possuem outros deuses, outras regras de parentesco e casamento, vivem em aldeias, etc. Estas diferenças não passam de detalhes a serem eliminados a bem da "brasilidade".
Assim é que se estabelece o cruel ciclo do preconceito contra o índio brasileiro: a priori, ele é "preguiçoso", não sabe "desenvolver", não sabe "produzir". Se passa a "produzir", a "trabalhar", então deixa de ser índio. De acordo com essa lógica, os termos "preguiçoso" e "improdutivo" fazem parte da própria definição do "índio".
A dinâmica da conflito:
Os itens acima deste relatório contêm considerações sobre os motivos do conflito entre brancos e índios. Mas o que fazem os não-índios - na prática - para manter o conflito aceso? Esta é uma questão fundamental, pois é nestas ações que se pode interferir para evitar as mortes de pessoas envolvidas.
Ressalte-se a interpretação de muitos juízes e tribunais segundo a qual a terra indígena, enquanto não estiver homologada, é um pedaço de chão como outro qualquer. De nada adiantam a criação do Grupo de Estudos da Funai, a identificação, a demarcação. Ou a terra é indígena, ou não é. Essa dualidade provoca o acirramento do conflito, ao estimular um sem-número de práticas dos não-índios com relação à terra: construção de estradas, criação de municípios, extração intensiva de recursos naturais, drenagem e desvio de rios, e muitas outras.
A intenção dos não-índios, ao promover estas ações, é dificultar o processo de demarcação e homologação, criando uma situação em que a criação da terra indígena indígena seja "impossível". Ao mesmo tempo, intimidam as comunidades indígenas e tentam subornar as principais lideranças com as promessas de dinheiro, "desenvolvimento", mas desde que abram mão da reivindicação da terra. Enquanto isso, o processo de demarcação e homologação pode se arrastar por anos, e, com ele, o conflito. Muitas mortes seriam evitadas se o entendimento jurisprudencial considerasse as terras em demarcação como terras com título em disputa. Assim, muitas destas práticas poderiam ser evitadas através de medidas judiciais cautelares.
Cabe lembrar a responsabilidade dos diversos poderes executivos. Os índios acusam o governo federal de permitir que negociações políticas interfiram no processo técnico de demarcação e homologação de terras. Apontam como exemplo a filiação do governador de Roraima, Flamarion Portela, ao Partido dos Trabalhadores, ato político que ampliou a base de sustentação do governo no Congresso Nacional. A comunidade indígena e muitos não-índios acreditam que o governador negociou com o governo a não-homologação da terra indígena Raposa/Serra do Sol. A CDH também ouviu suspeitas quantos aos interesses do governador de Mato Grosso, Blairo Maggi. Um dos maiores plantadores de soja do país - monocultura esta que exerce grande pressão sobre as áreas indígenas do Estado - governador teria proposto ao governo federal uma "moratória" na demarcação de terras indígenas.
Enquanto protela o processo de homologação das terras indígenas, o governo federal praticamente deixa os índios à própria mercê, em termos da assistência à saúde, educação e trabalho e segurança para o índio. Esta precariedade não é uma simples questão de verbas orçamentárias. Integra um processo mais amplo de fragilização das comunidades indígenas. Estando em precárias condições de vida, os índios são mais vulneráveis às promessas de "desenvolvimento" e à pura e simples compra de lideranças por parte de não-índios. Prova de que este processo faz parte de uma estratégia são as transferências de recursos federais para municípios e fazendeiros que ocupam terras indígenas em conflito. Exemplo disso ocorreu, segundo os índios, em Roraima, com a transferência de recursos para o município de Uiramutã, que fica dentro da terra indígena e foi criado após a demarcação. Uma coisa é a falta de verbas para a Funai e Funasa. Coisa bem diversa é a existência de dinheiro para insuflar o conflito.
Por fim, é importante entender o papel dos governos estaduais, os quais costumam lavar as mãos com relação aos índios, que são "da alçada do governo federal", ao mesmo tempo em que também eles transferem recursos para a sociedade não-índia. Como já foi dito anteriormente, estes mesmos governos estaduais no passado colonizaram ilegalmente áreas indígenas que hoje estão em conflito. O mínimo que podem fazer é reconhecer essa responsabilidade.
Saúde:
Todas as comunidades reclamam da precária ou inexistente atenção à saúde do povos indígenas, principalmente depois do programa de terceirização implementado pela Funasa. A caravana ouviu denúncias de que os hospitais e postos de saúde - que recebem verba regular da Funasa para atendimento diferenciado às populações indígenas - não utilizam a verba para este fim. Ao mesmo tempo, a CDH conheceu uma boa experiência de terceirização em Roraima, onde os próprios índios organizaram seus serviços de saúde. Misturando a medicina branca e as tradições indígenas, formam agentes de saúde indígena: pajés, benzedores, parteiras, microscopistas, técnicos em saúde bucal e em exames de malária.
O que se pôde perceber é que os programas de "terceirização" dos serviços da Funasa só poderão ser efetivos na medida em que envolvam a efeitva participação das comunidades indígenas. A Caravana ouviu reclamações de que os Conselhos Distritais de Saúde Indígena raramente se reúnem. O conselho Xavante (MT), por exemplo, só se reuniu uma vez, no ano 2000. Desde então não acontece qualquer reunião. A situação, portanto, facilita o abuso e o desvio de recursos por parte das "entidades" responsáveis pela política de saúde. Não se deve esquecer que o responsável final é a própria União, e que portanto qualquer tentativa de parceria com a sociedade civil tem que contar com mecanismos de controles da sociedade e do próprio Estado.
Neste sentido, faz-se necessária a implementação de fato do Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, conforme estabelece a Lei nº 9836/99.
Educação:
A educação é um aspecto delicado da política indigenista. As culturas tradicionais nunca contaram com uma grande divisão do trabalho elaborada nas atividades realizadas por seus membros. Regra geral, a única divisão foi entre as tarefas de homens e as de mulheres. No âmbito de cada gênero, cada indivíduo fazia as mesmas coisas que todos os outros. Isso significa que a grande especialização profissional oferecida pela sociedade não-índia apresenta o risco de interferir negativamente na cultura tradicional. Ao mesmo tempo, a especialização será inevitável - e até indispensável - para que o índio sobreviva culturalmente e se desenvolva economicamente.
Além do ensino regular, uma grande carência no âmbito da educação indígena é de ensino técnico. Em Roraima, por exemplo, as comunidades indígenas fundaram uma escola de agropecuária, em que os alunos aprendem a atividade pastoril. São iniciativas como esta que garantem a sustentabilidade econômica e cultural das comunidades indígenas.
Algumas aldeias visitadas contam com escolas indígenas, que no entanto sofrem de problemas vários, como a falta de material escolar específico para as diversas culturas. De fato, apenas a minoria das escolas são reconhecidas como escolas indígenas, nos termos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Este reconhecimento é importante porque, entre outros motivos, legitima administrativamente os programas de formação de professores indígenas e os orçamentos específicos para a educação indígena.
Os estudantes indígenas sofrem problemas de adaptação e de preconceito quando, em determinado momento da vida escolar, transferem-se para a escola não-índia. Isso ocorre porque as escolas indígenas só oferecem o ensino até determinado nível escolar. As comunidades indígenas reivindicam a ampliação das séries oferecidas. Entretanto, é importante atentar para o fato de que, mesmo que todas as escolas ofereçam o segundo grau completo, muitos índios vão cursar o ensino universitário. Assim, deve-se sempre atentar para o problema da adaptação e integração.
Por fim, cabe observar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, apesar de avançar no sentido de reconhecer o direito à educação indígena, nada previu acerca da educação dos não-índios quanto à questão indígena, o que contribui para perpetuar o desentendimento.
Meio ambiente:
A Caravana dos Direitos Humanos pôde identificar três fontes de conflito envolvendo questões ambientais: (a) problemas relativos à degradação do entorno das terra indígenas; (b) a degradação e má gestão dos recursos naturais no interior das terra indígenas; (c) a sobreposição de terra indígenas indígenas e ambientais.
No primeiro caso, a degradação é decorrência da aproximação cada vez maior da grande monocultura e da pecuária extensiva. Os índios de Roraima relataram a morte, em 1995, de uma enorme quantidades de pássaros, em virtude da contaminação das águas pelas lavouras de arroz. Vários abortos já foram provocados em mulheres que beberam água contaminada. Em Mato Grosso, a aproximação da soja já acarretou uma enorme diminuição na quantidade de caça disponível para os índios, fato este de extrema gravidade, visto ser a caça a principal atividade de subsistência dos Xavante. Já o Estado de Rondônia está se transformando num grande pasto, que surge depois que madeireiros clandestinos desmatam a floresta. Estas pastagens inclusive já invadiram as terras indígenas, comprometendo as atividades tradicionais dos índios.
O segundo tipo de problema ambiental - a degradação no interior das terras indígenas - ocorre em terra indígenas e áreas de grande extensão, como a Raposa/Serra do Sol (RR) e as áreas Cinta-Larga, que vão do Mato Grosso a Rondônia. Os problemas ocorrem ora porque os índios são incapazes de fiscalizar as áreas por si mesmos, ora porque suas lideranças são convencidas - em troca de dinheiro - a permitir as atividades ilegais. Vinte anos foram suficientes para que se extinguisse o mogno da enorme Terra Indígena Roosevelt (RO), sob os olhares cúmplices dos órgãos de fiscalização. Ainda existe intensa exploração de madeira em outras áreas Cinta-Larga. Em Roraima, há notícias de abatedouros de gado clandestinos, que deixam os restos dos animais na beira dos igarapés. O município de Pacaraima, criado ilegalmente, implantou um lixão a céu aberto. Além disso, periodicamente os índios se organizam para expulsar garimpeiros que invadem a área indígena. Em algumas dessas ações, a Polícia Federal prendeu os índios sob acusação de cárcere privado, enquanto nada aconteceu aos invasores. Os índios da Raposa/Serra do Sol (RR) já são bem organizados para resistir ao garimpo ilegal, mas os índos Yanomami têm enfrentado graves problemas, repetidamente denunciados.
Finalmente, persiste o problema da sobreposição de Unidades de Conservação (UC's) ambiental a terras indígenas. Grande parte do conflito advém da disputa histórica e da falta de planejamento conjunto por parte dos órgãos indigenistas (Funai e antecessores) e ambientais (Ibama e antecessores). O principal problema é que as comunidades indígenas não são incluídas nos processos de decisão sobre as suas próprias terras. Os Makuxi, de Roraima, reclamaram intensamente da criação do Parque Nacional Monte Roraima. Afirmam que nunca foram ouvidos e temem a invasão das áreas pelo turismo desordenado. Ainda por cima, o parque se localiza em local sagrado nas culturas Makuxi e Ingarikó. A Comissão ouviu, ainda, o caso dos Pataxó de Monte Pascoal (BA), que foram expulsos de suas terras, em 1961, em virtude da criação de um parque, e que a partir de 2000 passaram a reocupar o local.
Os índios não são ambientalistas radicais. De fato, a CDH ouviu reclamações no sentido de que eles não querem ser apenas "um exército para cuidar das matas" (liderança Xavante/MT). Entretanto, o índio compreende muito bem - melhor que qualquer garimpeiro ou pecuarista - a necessidade de preservação de seus recursos naturais, para o bem de suas gerações futuras. Não faz sentido, portanto, atropelar a autonomia de decisão que eles têm sobre suas terras. Eles serão os primeiros a aceitarem planos de manejo de seus recursos que lhes garantam autonomia cultural e acesso mínimo ao conforto material. O confronto histórico entre os órgãos ambientais e indigenistas parece ter raízes outras, de natureza principalmente corporativa. De um lado, os órgãos ambientais se recusam a compartilhar a responsabilidade pela preservação com as comunidades indígenas. De outro, o órgão indigenista se acostumou ao "monopólio da tutela", e não admite as relações dos índios com outros órgãos governamentais.
No ano 2000, lei federal estabeleceu a obrigatoriedade da criação de grupos de trabalho compostos pelos órgãos indigenista e ambiental, além das próprias comunidades indígenas, a fim de regularizar as situações de sobreposição. A julgar pelos casos de Roraima e da Bahia, esta política ainda não deu resultados.
Segurança:
O problema da segurança das aldeias é grave. No caso dos Terena (MS), muitos índios estão acampados nos locais reivindicados para demarcação. A qualquer momento podem surgir os fazendeiros que disputam as terras, instaurando-se o conflito. Em todas as comunicações dos fazendeiros, eles garantem que "lá eu derramei o meu suor, se for preciso derramarei meu sangue". No caso dos xavante (MT), o cacique Alexandre disse na audiência pública que abriu mão da demarcação das terras "para não morrer nas mãos dos fazendeiros".
Na aldeia Roosevelt (RO), no momento da visita da CDH, nove funcionários da FUNAI se revezavam na fiscalização para impedir a invasão da terra indígena por garimpeiros. Dependendo da situação política, o governo do Estado coloca ou retira a Polícia Florestal do local, enquanto a Polícia Federal não possui condições de manter um esquema de fiscalização permanente. Aliado a isso, a região assiste a periódicas manifestações de garimpeiros que fecham as estradas em protesto pela reabertura do garimpo. Uma destas manifestações foi organizada na véspera da visita da CDH. No dia 27 de setembro um funcionário da Funai foi baleado.
Na Bahia, o conflito de terras já ultrapassou o âmbito índios-fazendeiros. A CDH ouviu da população não-índia do município de Pau Brasil que os pistoleiros, contratados por fazendeiros da região, têm praticado assaltos e assassinatos também no cidade, o que já provocou a criação de uma associação de vítimas da violênica em um município de apenas 15 mil habitantes. Segundo as informações, estes pistoleiros são contratados nos centros urbanos da Bahia e de outros Estados.
Em Pernambuco, existe grande clima de tensão entre os próprios índios. O cacique Marcos Xukuru foi vítima de uma tentativa de assassinato, episódio no qual morreram dois de seus parentes e em que estavam envolvidos outros índios da mesma etnia. O episódio resultou na expulsão de um grupo de índios da Terra Indígena. Este grupo, que apóia a construção de um santuário turístico dentro da terra indígena, continua organizado, com o apoio da Funai, e disposto a voltar às aldeias, o que, se acontecer, certamente provocará um sério conflito.
Finalmente, em Santa Catarina a própria CDH foi vítima da intimidação de fazendeiros e até de um prefeito local. Um funcionário da CDH presenciou uma ameaça explícita de um fazendeiro a um missionário do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Mulheres:
Em muitas aldeias, formou-se uma roda de discussão entre os deputados e os homens índios, enquanto as mulheres assistiam de longe. As exceções foram os Pataxó HãHãHãe (BA) e as comunidades da Raposa/Serra do Sol (RR), em que as mulheres participaram da roda principal. No caso dos Cinta Larga (RO), apesar de as mulheres quase não terem falado, exerceram papel fundamental no processo de conscientização dos índios para retomar suas terras e expulsar os garimpeiros ilegais. Entre os índios Terena (MS), houve uma única participação feminina, quando a anciã da aldeia falou aos deputados, em língua Terena. Enquanto a CDH conversava com índios Xavante (MT), uma mulher interrompeu e repreendeu as palavras do cacique, em língua Xavante. O cacique falava exatamente sobre o projeto de "parceria agrícola" entre índios e fazendeiros de soja.
Pôde-se perceber que as mulheres indígenas, ao mesmo tempo em que possuem poder no interior das comunidades, em geral não são reconhecidas como representantes destas perante os não-índios. Entretanto, é importante ouvir sua voz. Não que se proponha trazê-las para a frente da roda, pois isso poderia implicar um desrespeito à cultura dos índios, o que provavelmente seria rechaçado pelas próprias mulheres indígenas. O que se faz necessário é que a política indigenista também possua um corte de gênero, ou seja, que os problemas das comunidades indígenas sejam vistos também da perspectiva feminina. Tal atitude será benéfica não somente para as mulheres, mas para a política indigenista como um todo.
Neste sentido, é fundamental valorizar experiências como a das índias de Roraima, que fundaram uma organização independente, a Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR). Ao mesmo tempo, faz-se necessária a elaboração de programas de ações afirmativas para as mulheres indígenas.
Funai:
Via de regra, os funcionários da Funai em cada estado ou fazem o jogo dos não-índios no conflito, ou estão ameaçados de morte pelos mesmos brancos, já que defendem os direitos dos índios. Por exemplo, em Mato Grosso, a Funai local chegou a defender um plano de "parceria agrícola" entre índios e fazendeiros, elaborado sob ameaças aos índios e com a condição de que eles "abrissem mão" da demarcação de suas terras. Já em Rondônia, o Grupo Tarefa, instituído pela portaria 1166 da Funai, resultou na expulsão de garimpeiros da terra indígena Roosevelt e na maior conscientização da comunidade indígena sobre os males que a exploração desordenada do diamante e da madeira causaram ao povo Cinta Larga. Isso vem rendendo aos funcionários do Grupo Tarefa várias ameaças de morte. A mesma situação se pôde verificar em Roraima e Santa Catarina. Em Pernambuco existe uma certa tensão declarada entre os Xukuru e a Funai local, que tem dado assistência a um grupo de índios dissidentes.
Essa grande diferença de atitude entre as administrações regionais da Funai indica a falta de uma orientação nacional para a política indigenista. A CDH ouviu de algumas pessoas que a Funai é "polissêmica". Entretanto, conquanto seja importante a manifestação da diversidade de pensamento e ação dentro do órgão, faz-se necessário algum tipo de orientação geral. Caso contrário não haveria motivo para existir a sede da Funai em Brasília. Por exemplo, orientações do tipo "será proibido negociar a demarcação de terras" devem constar como mensagem de Brasília aos diversos estados.
Outro ponto reiterado nas visitas e audiências é o sucateamento da Funai, cujo orçamento é insuficiente para as tarefas de demarcação e assistência ao índio. Além disso, há 15 anos o órgão não realiza concurso público para renovação de seu quadro permanente. O sucateamento da Funai é o principal fator de ambigüidade na relação entre o Estado brasileiro e os povos indígenas. O Estado demarca terras, mas, ao falhar completamente na assistência aos povos indígenas, fragiliza-os perante a pressão exercida pelo poder econômico. Assim é que os Xavante (MT), apesar de terem grande parte de suas terras demarcadas, sentiram-se forçados a aceitar uma proposta de "parceria agrícola" com fazendeiros de soja. Da mesma maneira, os Cinta Larga em Rondônia, que também têm terras já demarcadas, permitiram durante 20 anos a extração de toda a madeira da terra indígena, e hoje enfrentam o problema da exploração do diamante.
Por fim, ressalte-se a prática clientelista da Funai de cooptação de lideranças indígenas, através da nomeação de caciques para cargos em comissão naquele órgão. Tal estratégia serve principalmente para acalmar os ânimos das comunidades indígenas, enquanto não surge uma verdadeira política indigenista. Entretanto, ao mesmo tempo, serve aos interesses corporativos da Funai, pois reforça os argumentos para manutenção do instituto da tutela, ao qual os funcionários do órgão parecem ter se acostumado. Segundo esta figura jurídica, os índios são incapazes, em termos da prática dos atos jurídicos civis, devendo ser representados pelo órgão indigenista. Estabelecida há mais de trinta anos, a tutela indígena mostra-se, hoje, ultrapassada, devido ao intenso contato que se estabeleceu entre índios e não-índios. Faz-se necessário estudar novas formas de proteção que evitem este mecanismo de cunho excessivamente paternalista, o qual é reforçado pela distribuição de cargos entre lideranças indígenas.
Ongs e Igrejas
"Vivíamos em paz e harmonia com os índios, até que chegaram as ONGs". Esta frase foi insistentemente repetida por não-índios de praticamente todos os estados visitados. As Ongs e a igreja católica são invariavelmente acusadas de "insuflar" os índios ao conflito. Também são retratadas como atores de uma conspiração internacional para "entregar o Brasil" aos interesses estrangeiros. Seriam responsáveis, ainda, pelo "confinamento" dos índios e por uma espécie de escravização cultural. Este discurso é praticado não apenas por aqueles não-índios diretamente envolvidos nos conflitos, mas também por políticos e pela imprensa local.
A par da natureza obviamente enviesada desse discurso, é importante refletir sobre o papel da sociedade civil (não-índia) organizada na política indigenista. De um lado, pode-se perceber que a raiva dos envolvidos no conflito se deve a um processo de conscientização em que os índios passam a reivindicar a autonomia - a terra e os recursos naturais - e não a dependência - as cestas básicas, roupas, etc. Em outras palavras, deixam de ser clientes e passam a cidadãos. Grande parte dessa mudança se deve à atuação de indigenistas independentes, organizados a partir da sociedade civil.
Por outro lado, o enorme crescimento no número e na diversidade de Ongs e Igrejas atuando nas comunidades indígenas não deixa de refletir a ausência do poder público. Em muitos casos, a política pública fica completamente terceirizada. Muitas organizações e igrejas são hoje "as" responsáveis por políticas de educação, saúde, e até de demarcação de terras. Como a fiscalização é precária, abre-se espaço para muitos abusos na aplicação dos recursos. Também as igrejas muitas vezes misturam o oferecimento de serviços de saúde e educação com a evangelização dos indígenas. Além disso, na disputa entre "fiéis", colocam os índios uns contra os outros. No caso de Roraima, por exemplo, havia aldeias católicas (que defendem a homologação da Raposa/Serra do Sol em terra contígua) e evangélicas (que aceitaram o lema da homologação em ilhas). Por fim, como praticamente qualquer organização cabe sob o guarda-chuva "ong", organizam-se grupos com interesses diametralmente contrários aos dos índios, na disputa pelo controle das políticas e, principalmente, pela proximidade com os recursos naturais.
Entretanto, é no mínimo infantil tratar as "ongs" e "igrejas" indiscriminadamente. Há uma enorme diversidade entre esses grupos, assim como há diversidade entre os povos indígenas. Além disso, o discurso é incoerente: aquelas mesmas pessoas que o praticam organizam Ongs e associações contrárias às organizações que elas pretendem combater. Em Roraima, por exemplo, 124 aldeias (82%) da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol estão filiadas ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), enquanto 27 (18%) fazem parte de outras organizações indígenas. O CIR defende a homologação das terras em área contínua (ver visita a Roraima), enquanto as outras organizações defendem a homologação em ilhas. Os não-índios da região, cuja quase totalidade apóia a homologação em ilhas, defendem as organizações indígenas respectivas, enquanto praticam o discurso de que "tudo estava em paz até que chegaram as Ongs".
No caso das igrejas, há organizações de âmbito nacional, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), da Igreja Católica, e o Grupo de Trabalho Missionário Evangélico (GTME), que são nacionalmente organizados e que incluem em sua atuação a reflexão sobre os riscos da evangelização a qualquer custo. No caso das Ongs, existem organizações locais, nacionais e internacionais, com diferentes fontes de financiamento e diferentes áreas de atuação. O Instituto Socioambiental, por exemplo, é talvez a única fonte completa de dados, inclusive cartográficos, sobre todos os povos indígenas. Realiza um trabalho fundamental em vista da omissão do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que até hoje não promoveu o censo indígena.
Também não adianta estabelecer um controle em abstrato, como propôs a Funai em 1998, ao tentar condicionar qualquer atuação das Ongs a convênios previamente firmados. Tal atitude não se justifica por duas razões. Primeiro, pela sua total ineficácia. Sem a presença do poder público in loco, não serão convênios assinados em Brasília que garantirão a melhor atuação desses grupos. Ao contrário, isso poderá ser prejudicial, visto que os convênios aumentam os custos e empecilhos para uma atuação independente. O segundo motivo é que a estratégia subestima a capacidade das próprias comunidades indígenas de escolher seus parceiros. Já em 1970 o antropólogo Julio Melatti (Índios do Brasil, editora Hucitec) descrevia como alguns índios conheciam as diferenças entre o catolicismo e o protestantismo, e filiavam-se a uma ou outra por interesses puramente políticos. O fato é que, sem a presença do poder público, não será possível distinguir entre os diversos tipos de trabalho das Ongs e Igrejas. Portanto, não será possível evitar os riscos dessas parcerias.
Brancos e Brancos
No ano 2000, o IBOPE realizou pesquisa sobre o que os brasileiros pensam dos índios. Dentre os entrevistados, 82% afirmaram que o governo federal deveria atuar para evitar a extinção dos povos indígenas. 91% consideraram que eles devem ter espaço para viver conforme a sua cultura. 93% afirmaram que eles devem receber uma educação que respeite os seus valores. Informados de que os índios representavam apenas 0,2% da população brasileira e tinham direitos sobre 11% do território nacional, apenas 22% consideraram que é muita terra para pouco índio, enquanto outros 68% entenderam que que a extensão das terras indígenas é adequada ou insuficiente. Mesmo nas regiões norte e centro-oeste, 59% dos entrevistados consideraram a extensão das terras adequada ou insuficiente, enquanto 34% disseram que é muita terra.
Estes dados se confrontam com a experiência da Caravana de Direitos Humanos. Podemos arriscar que, entre os não-índios que compareceram às audiências públicas, as proporções se invertem. A esmagadora maioria pensa o contrário: "é muita terra para pouco índio". Estas pessoas representam as minorias que mal aparecem nas estatísticas, mas que estão presentes nos conflitos. São os brancos de perto e os brancos de longe. Aqueles tratam o índio como preguiçoso, atrasado. Estes apóiam os índios, apesar de possuírem uma visão romântica (e também preconceituosa) do "bom selvagem".
A par da diversidade que essas constatações revelam, também salta aos olhos a força da minoria ativa contra a maioria passiva. Os 59% de brasileiros do centro-oeste que apóiam as demarcações não estiveram presentes nas audiências públicas promovidas em Cuiabá e Campo Grande. O mesmo se pode dizer dos moradores de Santa Catarina. Ao mesmo tempo, é pouco provável que estes eleitores reflitam sobre a posição de seus candidatos frente à política indigenista. Estão mais preocupados com o desemprego, violência, etc. Os políticos que atuam na causa indigenista tenderão a receber votos daquela minoria ativa, de interesses expressamente contrários aos dos índios. Este fato se agravou ainda mais com a política de criação indiscriminada de Estados. Antigos territórios como Rondônia, Roraima, Amapá, além de Mato Grosso do Sul, de pequena população, passaram a contar com 15% dos votos no Senado, uma minoria com alto poder de obstrução e grande capacidade de influenciar a política indigenista do governo federal.
Essa situação descrita acima sugere a necessidade de criar canais de participação política também para essas maiorias silenciosas, que apoiam as políticas indigenistas, mas que raramente se manifestam no cenário político. Além disso, percebe-se o quão impactante será a aprovação da reforma política, em discussão no Congresso Nacional.
Índios e Índios
Assim como há grande diversidade entre não-índios, também os índios possuem as mais diversas maneiras de encarar seus problemas: o grau de autonomia versus "aculturamento", a extensão de suas terras, as atividades econômicas a realizar, o papel das mulheres e das lideranças tradicionais, a especialização profissional de seus membros e inúmeras outras questões. Além da diversidade dentro de cada etnia, há que se considerar o enorme número de diferentes povos. Muitas vezes a única coisa que eles têm em comum é a denominação "índio" dada por nós "não-índios". A enorme diferença entre, por exemplo, os índios nordestinos e nortistas, aponta para as mais variadas necessidades de suas comunidades.
Os não-índios pensam que é fácil alcançar o consenso sobre todas estas questões. A Caravana ouviu alguns não-índios dizendo que "os índios deviam se unir" e outras frases similares. Vale a pena tentar essa união, pelo menos em termos de princípios básicos sobre a autonomia cultural e autodeterminação dos povos. Entretanto, a política indigenista não pode depender da união entre os povos indígenas. Principalmente, não pode se pautar em qualquer "acordo" que se possa fazer entre uma dada liderança e os poderes locais. Na grande maioria das vezes, esses "acordos" resultam da intimidação ou da pura e simples compra das lideranças, principalmente quando se traduzem no abandono das reivindicações por terra.
A terra é um princípio básico de autodeterminação cultural. Por isso, certamente a política indigenista deve privilegiar a opinião dos índios que lutam por sua demarcação. Ao mesmo tempo, o uso que se faz da terra, conquanto possa assumir as mais variadas formas, também tem um forte componente de preservação da autonomia. A CDH conheceu o caso dos índios Xukuru (PE). O contato com os "civilizados" é muito antigo, mas o processo de demarcação é recente (a partir de 1992). No momento da demarcação muitos índios já se encontravam morando nas cidades, trabalhando para fazendeiros, e realizando as mais diversas atividades. É de se esperar que, com toda a diversidade existente, haja muitas opiniões sobre o que se deve fazer com a terra. Assim, quando políticos locais, aliados à Igreja Católica da região, propuseram a criação de um santuário turístico dentro da terra indígena, é claro que haverá opiniões favoráveis no meio da comunidade. Mas esta não é a questão. O problema é que o projeto de santuário é visivelmente contrário ao plano de autodeterminação cultural do povo Xukuru. Há uma opinião (inclusive majoritária) de que a terra deve ser explorada pelos próprios índios, para sua agricultura, mesmo que isso implique auferir menos renda no primeiro momento. Não temos dúvida de que essa é a opinião que mais se coaduna com os princípios constitucionais e internacionais. Os órgãos públicos e indigenistas devem estar ao "lado" dela.
07/10/2003
Visita à Aldeia Buriti
Etnia Terena
Município de Sidrolândia/MS
Acompanharam a Caravana:
Deputado estadual Pedro Teruel
Deputado estadual Pastor Barbosa
Deputado estadual Pedro Kenque
Márcio Justino Marco, administrador da Funai em Campo Grande
Sebastião de Souza Coelho, Coordenação Geral de Defesa dos Direitos Indígenas da Funai
Carlos Jacobina, Setorial Indígena do PT/MS
A Caravana agradece ao deputado estadual Pedro Teruel, pela organização do transporte de Campo Grande até a aldeia, e aos Policiais Federais Alcyr Amaral (delegado), Vander, Loureiro, Buranello, Nascimento, Brasil, Carlos e Irmão (agentes). Nossos agradecimentos também ao antropólogo Gilberto Azanha, que enviou preciosas informações à assessoria da caravana.
Considerações Gerais:
3000 índios Terena, ocupando 2400 hectares, reivindicam a demarcação de seus 17200 hectares, área identificada, através de laudo antropológico, como pertencente à nação Terena. Entretanto, não foi publicada a portaria declaratória das terras. As áreas estão ocupadas por pecuaristas, que adquiriram a propriedade através de titulo emitido pelo governo do Estado. Segundo as informações, parte das terras estão em nome do prefeito de Sidrolândia.
Alegam os índios que, além da invasão às suas terras a partir de 1500, há 70 anos vem sofrendo ataques de fazendeiros que gradativamente ocupam suas terras. Hoje se encontram acuados nesses 2400 hectares onde não podem pescar, caçar, extrair mel, fabricar a cerâmica e as redes. São constantemente ameaçados pelos fazendeiros e pela mídia que procura sistematicamente acusá-los de invasores. Clamam pelo cumprimento da Constituição Federal ("coloquem em prática aquilo que está no livro"), especialmente pela demarcação das terras, por garantias à sobrevivência enquanto a demarcação não ocorre e por proteção à integridade física, face à violência dos não índios.
Acusam o Sr. Ricardo Bacha, ex-secretário de Estado, de ter passado o trator por cima de um cemitério indígena. Informam, ainda, que os fazendeiros organizaram uma barreira para impedir a passagem de um furgão da Funai que levava mantimentos para a aldeia.
Esmeram-se em manter a cultura e suas tradições. Apresentaram uma encenação de como vêm sofrendo pressões e agressões dos não índios, principalmente dos fazendeiros. Uma anciã, com mais de 86 anos, pediu ajuda à CDH e manifestou seu cansaço nessa luta. Porém, ela persevera e mantém a esperança de um dia ver a terra de seu povo restituída.
Fato importante é que muitas terras Terena já estavam reconhecidas desde os tempos do Império. Há 70 anos os índios começaram a ser expulsos pela colonização. Foi apenas em 2003 que eles decidiram reocupar as áreas. Este fato demonstra que os Terena são uma nação pacífica, mas que perdeu a paciência. Desprezam a cultura "do papel" e da "falta de palavra" dos não-índios. Os índios estão acampados nas áreas ocupadas, o que os impede de plantar. Isso tem gerado falta de alimentos nas aldeias, e os índios reivindicam auxílio junto à Funai. Além disso, há grande insegurança nos acampamentos e o conflito é iminente. A Funai e a justiça federal prometeram a índios e fazendeiros que até fevereiro de 2004 a questão estaria resolvida. O temor é de que as promessas não se cumpram, o que acirraria os ânimos ainda mais.
Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul
Estiveram presentes na audiência pública, além daqueles que acompanharam a visita à aldeia, o Dr. Wilson Rocha de Almeida, Procurador da República, um representante do Ministério Público estadual, vários outros deputados estaduais e representantes indígenas e de associações de fazendeiros. As notas taquigráficas serão solicitadas à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa.
Os representantes dos fazendeiros, entre eles o Sr. Ricardo Bacha, representante da Federação de Agricultura do Mato Grosso do Sul (FAMASUL), afirmou que índios e fazendeiros são vítimas do mesmo problema. Entretanto, segundo ele, o conflito está estabelecido de maneira irremediável em Mato Grosso do Sul. Os fazendeiros não confiam mais que haja resoluções por parte das autoridades. O Sr. Bacha afirmou que podem ocorrer mortes, pois "nós vamos defender a nossa terra". Criticou fortemente os instrumentos legais da política indigenista, que não permitem a solução para o problema. Defendeu a aprovação de uma emenda constitucional que permita atender às reivindicações dos fazendeiros: que as indenizações sejam pagas pelo valor da terra, não apenas com base nas benfeitorias de boa-fé.
Outras pessoas e deputados falaram em defesa dos fazendeiros. Todos defenderam a aprovação de uma emenda constitucional para permitir a indenização aos atuais possuidores das terras. Houve também propostas no sentido de que o governo federal compre terras para os índios em outros locais.
O Procurador da República, Dr. Wilson, afirmou que a demarcação das terras não vai resolver os conflitos, mas que sem elas será impossível qualquer outra solução. Este é um problema que não poderá ser resolvido por um ou dez homens, mas por uma nação. Criticou o preconceito que existe contra os índios. Por fim, ressaltou que grande parte dos que ocupam as terras hoje não são possuidores de boa-fé. O deputado Pedro Teruel concordou com esta afirmação. Informou que, na época da colonização, o estado dava os títulos, mas não comparecia ao local para verificar se havia ou não os índios. Cada empresa colonizadora deveria - por sua própria conta e risco - afugentar eventuais indígenas existentes. Mas o deputado também defendeu a aprovação de uma emenda constitucional, pois afirma que hoje os fazendeiros e os índios são vítimas de uma mesmo processo.
Também compareceram à audiência pública lideranças de várias aldeias da etnia Guarani-Kaiowá. Logo após o término da caravana, a CDH recebeu uma visita, em Brasília, dos Guarani-Kaiowá, trazendo outra série de reivindicações.
Um caso grave é o dos índios que habitam aldeias no município de Dourados, e estão encurralados. Há hoje dez mil índios vivendo em 3500 hectares. A situação tem provocado suicídios entre os índios. Além do problema da superpopulação, a CDH ouviu reclamações de que a Funai estaria tentando retirar os habitantes não-Kaiowá, que incluem brasileiros e paraguaios não-índios, além de índios Terena. Segundo um documento entregue à CDH, os antigos capitães da aldeia Bororó estimulavam os casamentos entre índios e não-índios. Hoje há uma grande miscigenação. As pessoas alegam que hoje são índios e não têm outro lugar aonde ir. Um terceiro problema desta mesma área, trazido pelos capitães Hélio Nimbu (aldeia Jaguapiru), Luciano Arévalo (aldeia Bororó) e Wilson Matos da Silva (Comissão de Políticas dos Direitos Indigenistas de MS), diz respeito ao plantio de soja pelas comunidades indígenas, recentemente proibida pelo Ibama. Estas lideranças alegam que os índios se acostumaram ao plantio da soja e que todo o entorno da terra indígena está tomada pela soja. Os fertilizantes acabam poluindo as águas, impedindo as outras atividades econômicas.
Outras reivindicações Guarani-Kaiowá incluem a aprovação do novo estatuto do índio e a criação de um programa de aposentadoria indígena vinculado ao INSS.
Documentos entregues à caravana:
1) Documentação datada de 1947, referente à titulação das terras do Sr. Wilson Soares Galvão, exemplificando todo o rito pelo qual passaram os colonizadores de Mato Grosso do Sul para titular as terras que ocupam e que hoje são objeto de processos de demarcação.
2) Declaração do indígena Guarani Adair Gonçalves Sanches, da cidade de Amambai, que acusa o CIMI, o PKN (Projeto Kaiowá-Ñandeva) de jogar os índios contra os proprietários rurais.
3) Documento sem assinatura, em nome do advogado Cícero Alves da Costa, que oferece interpretação dos dispositivos constitucionais referentes ao índio.
4) Documento sem assinatura, em nome do pantaneiro e psicanalista Valfrido Medeiros Chaves, intitulado "Sobre a Industria do Conflito, em nosso MS" (sic), que aponta para a ideologização do conflito entre índios e pioneiros em Mato Grosso do Sul.
5) Fita de vídeo intitulada "Invasão de Índios" - Sidrolândia/Dois Irmãos do Buriti (MS) - 26.02.03, sem indicação do responsável pela sua produção. A fita também não traz o nome ou o rosto da jornalista que realiza as entrevistas. A fita mostra a encenação da montagem de um acampamento em uma beira de estrada, com depoimentos de agricultores que alegam ter sido expulsos de suas terras por índios.
6) Cópia de abaixo-assinado de índios dos municípios de Amambaí e Japorã, que requerem segurança para a área em que ocupam desde 15 de novembro de 2003. Reivindicam ainda recursos para alimentação e ferramentas.
7) Relação das terras indígenas Kaiowá e Guarani em Mato Grosso do Sul, sem assinatura, em nome do Cimi/MS.
8) Cópia de abaixo-assinado de índios Guarani-Kaiowá da Aldeia Limão Verde, cidade de Amambaí, que requer aprovação do novo estatuto do índio, além da criação de uma programa de aposentadoria indígena.
9) Documento assinado por 14 lideranças de 09 etnias que habitam em Mato Grosso do Sul, em que se requerem alterações nos programas Pantanal, FIS (IDATERRA) e Fome Zero, além de outras reivindicações.
10) Cópia de Relatório de vistoria ambiental, assinado por um técnico do IBAMA e outro da Embrapa, que constata perigo de contaminação humana e ambiental em Área Indígena do município de Dourados.
11) Documento sem assinatura, intitulado "Por Justiça, Respeito e Paz!", em nome "Recovê", que denuncia a injustiça cometida contra os pioneiros de Mato Grosso do Sul.
12) Abaixo-assinado dos caciques e lideranças da aldeia Buriti, solicitando o cumprimento da Constituição Federal e a demarcação das terras Terena em Mato Grosso do Sul.
13) Dossiê sem assinatura, intitulado "Solução Justa a Quem de Direito", com informações sobre a Fazenda Fronteira, localizada no município de Antônio João, cujo título pertence ao Sr. Pio Silva, e que é objeto de reivindicação como terra tradicional de índios Guarani-Kaiowá.
08/10/2003
Visita à Aldeia Sangradouro
Etnia Xavante
Município de Primavera do Leste, Mato Grosso
Acompanharam a Caravana:
Deputado Estadual Mauro Savi
Deputado Estadual Saguas Morais
Dra. Águeda Aparecida Silva, Procuradora da República
Major Macedo e Sargento Juscelino, da Polícia Militar do Mato Grosso
Felício Fritsch, Maristela e Mestre Mário, representantes do CIMI
A Caravana agradece ao deputado estadual Mauro Savi, pela organização do transporte de Cuiabá até a aldeia, e aos Policiais Federais Fabiana Fonseca, Marco Antônio Farias, Mário Jorge de Freitas e Jorge Luiz Oliveira. Nossos agradecimentos também aos antropólogos Andrei Goulart e Ricardo Santos, que enviaram preciosas informações à assessoria da caravana.
Cerca de 1000 índios vivem nas terras de 100 mil hectares. Há alguns meses (02 de abril), um de seus anciãos desapareceu quando foi pescar, justamente no pedaço de terra que ainda está por ser demarcado. Não foi encontrado o corpo, fato de maior gravidade já que os ossos da pessoa morta têm valor importante na cultura da nação. Os resultados das investigações nada revelaram, e os índios, convencidos do envolvimento de fazendeiros com o desaparecimento, adentraram uma fazenda vizinha, que fica dentro da terra reivindicada, "apreendendo" equipamentos agrícolas.
Em busca de negociação, o governador do Estado visitou a área e propôs um plano de parceria agrícola dos fazendeiros com os índios, desde que eles abrissem mão da demarcação de suas terras. Foi assinado um protocolo de intenções. Muitos caciques aceitaram o plano, mas pôde-se perceber que a proposta não é consenso entre a comunidade. O cacique Alexandre, que defendeu publicamente o acordo, afirmou na audiência publica que “...os fazendeiros falaram que se tiverem de sair de suas terras vai ter guerra e não vão admitir que os índios fiquem com elas. Se isso acontecer meu povo vai lutar e eu não quero meu povo massacrado, por isso quero paz, então renunciei a demarcação das terras para viver em paz com os vizinhos, vamos plantar com equipamentos para não ter mais fome na aldeia...”. Essa manifestação exprime claramente como eles estão sendo coagidos e se encontram desassistidos por parte do governo federal. Aliada à proposta de "parceria" agrícola, existe uma grande pressão por arrendamento de áreas da terra indígena em favor dos fazendeiros, além da abertura de uma estrada que possibilite o escoamento da produção de soja por dentro da terra indígena.
A cultura não-índia foi bem assimilada, embora preservem, ainda, a língua a dança e outros costumes. O CIMI, em projeto financiado por instituições italianas, conseguiu comprar telhas para cobertura das ocas, vez que na região não há mais sapé em quantidade que possibilite cobri-las. Os índios denunciaram a desestruturação da FUNAI (falta de DAS e de auxílio para viagens) e a falta de atendimento à saúde, após a terceirização promovida pela FUNASA. Reclamam, ainda, da falta de projetos de desenvolvimento, ao mesmo tempo que são obrigados a servir de "exército para cuidar das matas". Os recursos que chegam através das Ongs, segundo grande parte dos caciques, não é "para o desenvolvimento".
A população Xavante está em crescimento, enquanto os recursos naturais estão cada vez mais escassos, em virtude da falta de manejo e, principalmente, da aproximação da cultura da soja e da conseqüente depredação do entorno da terra indígena. Os Xavante não são tradicionalmente um povo agricultor, mas caçador, e portanto detêm pouca tecnologia nessa atividade. Além disso, as terras do cerrado pouco facilitam a lavoura não-mecanizada. Não sem surpresa, após a visita do governador, máquinas foram doadas às lideranças que apoiam a "parceria".
Permitiu-se a apenas uma liderança, Lucas, vice-presidente da Associação de Professores do Estado do Mato Grosso, a fala contrária ao projeto de "parceria" agrícola. Defendeu que a discussão seja colocada numa linguagem que todos possam entender, e ressaltou que não se pode arrendar a honra e a liberdade, e que a tecnologia não pode servir para que o branco imponha valores aos índios. Afirmou que a monocultura pode enfraquecer o espírito e o corpo Xavante. A comunidade não tem como imaginar o efeito das promessas feitas pelos fazendeiros.
Pouco antes da visita da CDH, o antropólogo Ricardo Santos, responsável pelo Grupo Técnico da Funai que identifica o restante das terras da terra indígena, foi expulso da cidade de Primavera do Leste, ameaçado de morte por fazendeiros. O próprio governador do Estado, Blairo Maggi, teria ameaçado impedir o retorno do Grupo de Trabalho. A sede da Funai em Primavera do Leste foi incendiada. A continuidade dos trabalhos do GT está sendo garantida através de ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal. Entretanto, cabe ressaltar que uma ação com esta não seria necessária, caso a Funai e o governo federal se conscientizassem da necessidade de manter o processo de identificação. Na realidade, pareceu à caravana que a Funai local está comprometida com a dita "parceria" sem demarcação, já que estimulou a assinatura do Protocolo de Intenções.
Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos
da Assembléia Legislativa de Mato Grosso
Estiveram presentes na audiência pública, além daqueles que acompanharam a visita à aldeia, o representante da Funai, Luiz Antônio Araújo, o Secretário de Cultura de Primavera do Leste, Luiz Negri Ribas, o Presidente da Câmara Municipal de Águas Boas, João Santini, o Ouvidor de Políticas Indígenas de Mato Grosso, Ildevar Sardinha, e representantes da Federação dos Agricultores de Mato Grosso, da Associação de Produtores Rurais de Primavera do Leste, da Associação de Produtores Rurais de Águas Boas, da Pastoral da Criança Indígena, e da EMPAER (Empresa Mato-Grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural S/A)
O representante da Funai informou dos problemas causados por demarcações antigas, muitas delas feitas sem estudos antropológicos adequados. Segundo ele, existem áreas de estudo deixadas para trás que hoje os índios reivindicam, enquanto há áreas indígenas já homologadas que não estão sendo ocupadas pelos índios. Garimpo, ouro, palmito, madeira, são problemas nas áreas indígenas de Mato Grosso. Além disso, existe o ICMS ecológico no Estado. Os municípios que contêm áreas indígenas recebem dinheiro e muitas vezes nem contam aos índios.
Os representantes dos produtores rurais e os políticos dos municípios de Primavera do Leste e Águas Boas reclamaram da extensão das terras indígenas em Mato Grosso. Prenunciam o conflito, afirmando que irão defender suas terras. Repetiram várias vezes que o índio não precisa de terra, mas de comida, e para isso estão dispostos a contribuir. Afirmam que os índios são usados por Ongs e por estrangeiros, mas que desde algum tempo nasceu um desejo de convivência pacífica entre índios e fazendeiros, corporificado no projeto de "sustentabilidade econômica" dos Xavante. Um representante da Associação dos Produtores Rurais de Águas Boas explicou o problema surgido a partir do primeiro assentamento do INCRA na região, de 1988, posteriormente sobrestado pela Funai. Questionou o fato de dois órgãos federais terem investido na mesma região, em sentidos opostos, estimulando o conflito. Finalmente, houve pedido de apuração do desaparecimento do indígena Yot, da etnia Kayabi, no município de Juara, terra indígena Apiacá/Kayabi.
Os representantes de entidades indigenistas destacaram o fato de que qualquer parceria ente índios e fazendeiros deve ser feita com base nas leis que protegem os direitos indígenas. Acrescentaram, ainda, que o assunto das parcerias deve ser discutido globalmente, com a presença de todas as etnias de Mato Grosso. Foi citado um exemplo dos índios Bororo, cujas terras foram demarcadas pelo Marechal Rondon, e depois foram loteadas pelo Estado de Mato Grosso, à revelia da lei. Portanto, não são terras novas. Destacaram, ainda, que os fazendeiros pensam que sabe como o índio deve sobreviver. Dizem que vivem em paz com os índios, mas não conhecem sua língua e cultura. Vêem os índios como crianças.
Apesar de não ter comparecido à Audiência Pública, o Ministério Público Federal enviou um relatório detalhado, elaborado pela antropóloga e perita Jacira Bulhões, sobre suas atividades em 2002 e 2003 relacionadas aos indígenas. Vale a pena transcrever um pequeno trecho:
"(...) podem ser citados os projetos atuais que contribuem para desestruturar as organizações sociais indígenas do Mato Grosso:
O projeto Avança Brasil, que vem sendo acompanhado por esta PRDC. Este é um dos projetos que apresenta resultados de grande impacto ambiental sobre o habitat dos indígenas do Mato Grosso. Como se sabe, o projeto do governo do presidente FHC vem sendo implementado e busca a implantação da intermodalidade, o que trará como resultante o barateamento do escoamento de grãos produzidos no Estado, beneficiando grandes produtores de soja no país.
Fazem parte do projeto as obras da Ferronorte, da Hidrovia Tocantins/Araguaia e a obra do Gasoduto [Brasil/Bolívia], a continuidade da construção de estradas como a BR-235.
Os grandes plantios de monocultura - principalmente soja e cana - que oprimem as Terras Indígenas (caso dos [índios] Paresi, que têm terras na Chapada dos Pareci, em Tangará da Serra e Campo Novo dos Pareci) devem ser cuidadosamente observados:
* devido à cobiça dos fazendeiros, produtores de grãos, que estendem seus interesses sobre terras da União, vislumbrando terras novas com baixos custos, ofertando "parceria" - leia-se arrendamento - aos índios.
* devido à sedução a que são submetidos os indígenas, crentes na possibilidade de tornarem-se grandes produtores de soja, daí ricos, ou de conseguirem bens materiais dos não-índios como carros, roupas e etc., ou obterem poder, por transitar no mundo branco (...).
Outro exemplo a ser citado é a existência de projetos para o aproveitamento do potencial hídrico de Mato Grosso. Sabe-se que a ANEEL aprovou vários projetos de construção de pequenas hidrelétricas (PCH's), sendo que oito delas, segundo informações, aproveitariam águas dos rios que servem as terras dos Paresi, localizadas no oeste do Estado.
São também impactadores: o acentuado aumento de agentes sociais que tentam ocupar os espaços deixados pelo Estado - FUNAI - que buscam solucionar interesses particulares através da exploração das riquezas naturais que são concentradas nas Terras Indígenas. Também o total descontrole das instituições responsáveis em coibir os constantes roubos de pedras preciosas, madeira e outros bens, que se efetivam no habitat indígena."
Documentos entregues à caravana:
01) Cópia de Protocolo de Intenções que entre si celebram o Estado de Mato Grosso, os Municípios de General Carneiro, Novo São Joaquim, Poxoréu e o Sindicato Rural de Primavera do Leste, que tem por objeto a melhoria da qualidade de vida das populações indígenas, em especial os índios Xavante da terra indígena Sangradouro e Volta Grande.
02) Documento sem assinatura, em nome de "Produtores Rurais do Mato Grosso", intitulado "Relatório dos Problemas dos Produtores Rurais com as Identificações e Delimitações de Terras Indígenas. Alega que já existe muita terra demarcada, para uma pequena população indígena. Reclama da natureza administrativa do procedimento de demarcação de terras, o qual não permite o amplo direito de defesa.
03) Suplemento da Revista Virou Manchete, de agosto de 2003, que traz uma série de matérias sobre a expansão das áreas indígenas no Brasil.
04) Cópia do "Projeto Questão Indígena e o Direito de Propriedade - aldeias Volta Grande e Sangradouro", com metas de produção e plano de custeio agrícola, elaborado pela EMPAER, para as comunidades referidas.
05) Cópia de relatório relativo ao Termo de Referência DAF/DEID n.º 53/2002, do Departamento de Identificação e Delimitação da Diretoria de Assuntos Fundiários / FUNAI. Refere-se às terras Jarudóri, da etnia Bororo. Relatório elaborado por Edir Pina de Barros e Mario Bordigon.
06) Cópia de abaixo-assinado de lideranças indígenas de Mato Grosso, elaborado no II Fórum Estadual de Saúde Indígena e Terra, em 04 de setembro de 2003. O documento lista as terras indígenas do Estado que ainda precisam ser homologadas, demarcadas, ampliadas e/ou reintegradas.
07) Cópia de abaixo-assinado de lideranças indígenas de Mato Grosso, elaborado no II Fórum Estadual de Saúde Indígena e Terra, em 04 de setembro de 2003. O documento apresenta reivindicações dos povos indígenas para a área da saúde.
08) Cópia de abaixo-assinado de mulheres indígenas de Mato Grosso, elaborado no encontro sobre "A participação da mulher na luta de seu povo", em 22 de setembro de 2003. O documento apresenta reivindicações nas áreas de saúde, meio ambiente, educação.
09) Documento sem assinatura, em nome do Conselho Indigenista Missionário, datado de 18 de setembro de 2003, que apresenta a posição do CIMI frente à atual política indigenista de saúde do Estado brasileiro.
10) Cópia sem assinatura, em nome de Maristela Souza Torres, do Relatório do II Fórum Estadual de Saúde Indígena - Controle Social e as Problemáticas das Terras Indígenas em Mato Grosso, realizado em Cuiabá de 01 a 04 de setembro de 2003.
11) Cópia do relatório de atividades da antropóloga e analista pericial da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, Jacira Monteiro de Assis Bulhões, contendo informações sobre todas as etnias indígenas em Mato Grosso.
12) Ofício do deputado estadual Mauro Savi ao deputado federal Orlando Fantazzini, encaminhando (1) disquete com a íntegra da audiência pública realizada na Assembléia Legislativa; (2) Cópia do Decreto estadual 1719, de 28/10/03, que dispõe sobre a institucionalização do Programa de Distribuição de Sementes; (3) Cópia de ofício do deputado ao secretário estadual de saúde, com pedido de compra de medicamentos para a comunidade Xavante de Sangradouro; (4) artigos publicados na imprensa local pelo jornalista Onofre Ribeiro sobre a questão Xavante.
09/10/2003
Visita à Terra Indígena Roosevelt
Etnia Cinta Larga
Município de Espigão do Oeste, Rondônia
Acompanharam a Caravana:
Dr. Fabrício Carrer, Procurador da República
Walter Fontoura Blós, Coordenador do Grupo Tarefa instituído pela Portaria 1166 da Funai.
Valdir de Jesus Gonçalves, Técnico Indigenista da Funai.
José Nazareno de Moraes, Técnico Indigenista da Funai.
Frei Volmir, Representante do CIMI.
Soraya Rachid Bruxel, representante do gabinete do deputado federal Eduardo Valverde
A Caravana agradece à Funai pela organização do transporte de Cacoal até a aldeia, e aos policiais federais Fabiano Borlignon (delegado), Spindola, Canabarro, Célio e Telles. Nossos agradecimentos também à indigenista Maria Inês Hargreaves, que enviou preciosas informações à assessoria da caravana.
O contato desse povo com o homem branco é muito recente: cerca de 30 anos, apenas. Ao mesmo tempo, seu território era rico em mogno - hoje já praticamente todo retirado - e ainda possui muito diamante. O resultado foi uma transformação extremamente rápida, contra a qual os Cinta Larga praticamente não tiveram defesa. De 5 mil índios em meados da década de 70, a população de indígenas caiu para cerca de 1400, aí somadas todas as aldeias de Rondônia e de Mato Grosso.
Durante a época de exploração ilegal da madeira, circularam muitos recursos entre os Cinta-larga, o que lhes causou uma falsa impressão de abundância. Os indios recebiam dinheiro e presentes de madeireiros e garimpeiros para permitir a entrada destes nas áreas indígenas. Houve intenso acesso a armas de fogo e o território indígenas foi invadido por helicópteros, estradas, serrarias, telefones por satélite, maquinário. Para conquistá-los os não-índios ofereciam bebidas, drogas, equipamentos eletrônicos e veículos. Sem duvida isso os embriagou quanto às facilidades e comodidades da vida social não-índia. Gradativamente, como sua cultura permite ter mais de uma mulher, passaram a ter mulheres não-índias, viver mais na cidade, embebedando-se, envolvendo-se em confusões e sendo, como sempre, vítimas da ganância e de armações de pessoas inescrupulosas.
Como era de se esperar de um povo contactado há apenas 30 anos, os projetos de vida Cinta-Larga são marcados pelo curto prazo, pelo que vai acontecer hoje ou amanhã. Há apenas três anos algumas lideranças deram-se conta do virtual desaparecimento de seu povo e começaram a se organizar por um projeto a longo prazo, que lhes permita explorar suas riquezas em proveito próprio e de forma sustentável. Os próprios índios reclamaram de sua incapacidade para o planejamento. A grande reivindicação atual é a suspensão de toda a atividade de garimpo, até que seja regulamentada a mineração pelos próprios índios. Também reivindicam o cancelamento administrativo de todos os requerimentos de mineração de suas terras, que foram ilegalmente aceitos pelo DNPM. Para se ter uma idéia: 99% da terra Roosevelt é objeto de requerimento de mineração.
Fundamental no processo de tomada de consciência dos Cinta Larga foi a presença do Estado, através de um Grupo Tarefa instituído pela Funai especialmente para a etnia. Também o intercâmbio com outros povos indígenas atingidos pelo garimpo serviu para abrir-lhes os olhos. Uma comitiva de lideranças viajou à Raposa/Serra do Sol, em Roraima, para ver os estragos que o garimpo havia causado, além de conhecer a organização indígena da região. Os principais atores da conscientização Cinta Larga foram as mulheres. Com a sistemática perda de maridos e filhos, mortos em conflitos com não-índios e quando não em acidentes de carro, as mulheres Cinta Larga se rebelaram e provocaram uma ampla reflexão na etnia.
Depois que os índios resolveram tomar as rédeas da exploração de suas riquezas, acirraram-se os conflitos com garimpeiros. Após várias retiradas de garimpeiros e posterior reentrada, os índios decidiram não mais permitir o ingresso daqueles e a tensão se agravou ainda mais. A liderança Pio afirmou ter cometido um erro ao ter permitido o ingresso dos garimpeiros ao longo dos anos. Isso provocou grandes problemas na vida da etnia. Hoje eles vivem em casas de alvenaria e não sabem viver sem algumas comodidades da vida dos não-índios. Tiveram muitos conflitos culturais, perderam muitos parentes. Agora conseguiram reunificar as 29 aldeias e decidiram que não querem mais que garimpeiros explorem suas terras.
Os caciques que usaram da palavra durante a reunião enfatizaram que os Cinta Larga querem ser reconhecidos como povo. Compararam suas riquezas com o Banco do Brasil: "Nós não vamos lá invadir o Banco do Brasil porque o índio tem vergonha na cara". Também houve muitas reclamações sobre o tratamento dado aos índios pela mídia local. Antes do contato, os Cinta Larga eram canibais, pois acreditavam que ficariam mais fortes comendo seus inimigos. Até hoje a mídia explora este fato como se a prática ainda existisse. Além disso, há várias denúncias de informações truncadas, com publicação de fotos tiradas há mais de dois anos, veiculadas como se fossem atuais, e outras práticas abusivas.
Entretanto, contam-se nos dedos as lideranças cinta larga com estudo formal e capacidade para levar a frente o projeto de controle sobre suas próprias terras. Além disso, o governador e as autoridades locais apóiam ostensivamente a exploração do garimpo por não-índios. O controle policial é intermitente e, quando algum maquinário é apreendido, acaba sendo "doado" a prefeituras próximas. O governador retira e fornece o apoio da Polícia Florestal, ao mesmo tempo que instiga a invasão de garimpeiros. O apoio da Polícia Federal também é inconstante. As lideranças indígenas ficam acuadas. Se exploram o garimpo ou permitem a sua exploração, são presas. Se defendem as terras contra invasões, são presas. Há várias lideranças presas, contra nenhum policial ou garimpeiro.
Em outra oportunidade, a Polícia Civil ficou responsável por controlar o ingresso de garimpeiros na área. Os policiais cobravam entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil dos garimpeiros para entrar. Um delegado de polícia possuía motores de garimpo. Em 2000, a Polícia Federal, à revelia da Funai, combinou com os índios uma operação em que os garimpeiros seriam retirados e presos. Entretanto, prenderam índios e levaram seus motores embora. Este fato provocou uma grande animosidade entre os indígenas e os policiais federais.
Hoje, a Funai ajuda muito os índios, discutindo projetos alternativos para subsistência da aldeia. Os índios contam com 600 cabeças de gado, iniciaram o plantio de palmito para comercialização, piscicultura, além de outros projetos que respeitam as tradições culturais da etnia.
Os índios denunciam o processo disseminado de preconceito que sofrem por parte de políticos, garimpeiros, do governador e da polícia. A justiça local lhes impõe penas maiores às do que as aplicadas aos não-índios pelas mesmas infrações. Uma juíza de Espigão do Oeste teria estabelecido uma fiança de R$ 15 mil reais por porte ilegal de armas. O comercio local cobra, pelas mesmas mercadorias, valores até três vezes maiores que os cobrados aos não-índios.
Os índios reivindicam: a regularização da exploração da jazida por eles, índios, com condições objetivas para exploração da forma mais racional possível, com capacitação, acompanhamento técnico e meios de produção; a garantia de fiscalização para que garimpeiros não invadam suas terras; a implantação de escola de segundo grau na aldeia, pois os jovens não podem estudar na cidade face aos riscos de integridade física motivados pelo preconceito disseminado; a melhor estruturação da Funai, para que possa ajudar a etnia a desenvolver projetos e resgatar a sua própria cultura; melhoria do atendimento à saúde, em situação precária desde que a Funasa implantou a terceirização; contenção do processo discriminatório e preconceituoso desencadeado pelo governo do estado, garimpeiros, políticos locais e meios de comunicação, amplamente apoiados pela polícia e judiciário; maior presença do Ministério Publico Federal e designação de procuradores para defesa dos índios que respondem processos.
Os índios convidaram a caravana para conhecer a área de garimpo e verificar in loco que não havia garimpeiros. Devido ao adiantar da hora, a caravana não pôde fazê-lo, mas ouviu do Procurador da República a promessa de que este faria a visita no dia seguinte, acompanhado do delegado de Polícia Federal. A Caravana teve informações de que a visita ocorreu e que realmente não havia garimpeiros na área. Entretanto, a CDH ainda não recebeu oficialmente o relatório da visita.
Na falta de implementação do Plano Pró Cinta Larga - aprovado em 2002 e 2003 pelo Ministério da Justiça e pelo Congresso Nacional, mas cujo orçamento não vem sendo executado -, os índios ficam sujeitos a aceitar acordos lesivos e novamente se submeter aos interesses de contrabandistas, madeireiros e empresas mineradoras. Isso faz recomeçar, com grande força, a pressão do entorno.
Também esteve presente ao encontro na aldeia a liderança Marcos Apurinã, da etnia Apurinã, que ressaltou o processo de preconceito sofrido pelos povos indígenas. Cobrou a aprovação do Estatuto do Índio, "engavetado" no Congresso Nacional. Denunciou que os índios são insistentemente submetidos a revistas por policiais civis, inclusive com o uso de metralhadoras. Informou, ainda, que há muitos projetos em andamento de barragens em terras indígenas, como apoio de políticos locais, e que as terras Uruê-Wau-Wau estão sendo objeto de invasões do movimento da Liga Operária.
A audiência pública da Caravana de Direitos Humanos estava prevista para a cidade de Ji-Paraná (RO), após a visita à aldeia Roosevelt. Entretanto, devido às condições ruins da estrada até a aldeia, às condições das estradas de "asfalto" pelas quais a Caravana passou, e ao atraso inicial do deslocamento de Cuiabá (MT) até Cacoal (RO), não foi possível cumprir a agenda. A Caravana somente conseguiu voltar a Cacoal por volta de 21h, e o deslocamento até Ji-Paraná demoraria ainda no mínimo duas horas. A União Nacional dos Garimpeiros e Mineradores do Brasil registrou protesto por escrito, o qual reproduzimos aqui, ipsis literis:
"Brasília, 14 de outubro de 2003
Exmo. Sr.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos
Câmara dos Deputados
Brasília - DF
Prezados Senhores,
"Nada neste mundo se compara a consciência do dever cumprido"
Desde 2001 denunciamos as barbáries praticadas contra trabalhadores de garimpo, usados no TRABALHO ESCRAVO para descobrir riquezas na terra indígena Indígena CINTA LARGA, onde índios são usados como ESCUDOS e PISTOLEIROS TUTELADOS de um Comando "Oficial" (?) do Crime Organizado que tem apoio e sustentação da FUNAI - FundaçÃO NACIONAL DO ÍNDIO.
Senhores representantes desta Comissão dos Direitos Humanos, aguardamos tanto tempo pela oportunidade desta Comissão conhecer de perto aquela situação ESCABROSA, DESUMANA e COVARDE, onde índios e garimpeiros são vítimas fatais da omissão, descaso e comprometimento de setores do Governo Federal e autoridades envolvidas.
Causou-nos surpresa e indignação o fato da Comissão de Deputados desta Comissão que visitaram Rondônia na última semana, terem mudado o roteiro de viagem em Rondônia, não tendo oportunidade de ouvirem índios e garimpeiros (milhares de garimpeiros e centenas de índios) que os aguardaram em Pimenta Bueno e Porto Velho onde teria uma Audiência Pública na Assembléia Legislativa daquele Estado a noite, o que frustrou um grupo de pessoas (dois ônibus) que seguiram do interior para denunciar e entregar documentos.
Lastimamos, pois por denunciarmos as barbáries que vem sendo praticadas com o respaldo da FUNAI e logicamente de autoridades envolvidas nestas questões, esta entidade, sua presidente e coordenadores vem sendo perseguidas criminosamente até mesmo por setores do MPF que move ação na justiça para CALAR-NOS e DESMORALIZARMOS perante a opinião pública, fato que nos obriga a levar nossas denúncias a ONU e outros organismos internacionais de Direitos Humanos.
Fazemos um apelo para que se faça uma AUDIÊNCIA PÚBLICA nesta Comissão para que tenhamos a oportunidade de provarmos os absurdos que vem destruindo o povo trabalhador da Amazônia e índios, ouvindo vítimas desta farra imoral e desumana por nós indicadas.
Atenciosamente,
JANE MARIA REZENDE / Presidente"
Documentos entregues à caravana:
01) Ofício da União Nacional dos Garimpeiros e Mineradores do Brasil, acima transcrito.
02) Ofício da Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste de Mato Grosso e Sul do Amazonas (CUNPIR), assinado pelo Coordenador Geral Antenor de Assis Karitiana, datado de 08 de outubro de 2003, contendo reivindicações e informações sobre a situação da Terra Indígena Roosevelt.
03) Cópia de ofício enviado pelo Relator Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, Jean-Pierre Leroy, ao Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em 29 de setembro de 2003, contendo informações sobre o histórico do conflito, além de recomendações, algumas das quais constam do final deste relatório.
04) Documento da Associação Pamaré do Povo Cinta Larga, assinado por vários de seus diretores, contendo informações e reivindicações dos Cinta Larga, inclusive um Quadro de Ocorrência de Violência Contra os Cinta Larga (1990/2003), a ser encaminhado pela CDH ao Serviço de Repressão a Crimes contra as Populações Indígenas da Polícia Federal.
05) Cópia de petição inicial e de carta precatória referente a ação de execução movida contra a Associação Pamaré.
06) Cópia de matérias publicadas na imprensa de Rondônia, as quais, segundo o Coordenador do Grupo Tarefa da Funai, Walter Blós, que encaminhou os jornais, apresentam fatos distorcidos e demonstram a campanha da mídia local para desestabilizar o trabalho do órgão indigenista.
13/10/2003
Visita à Terra Indígena Raposa/Serra do Sol
Etnias Makuxi, Patamona, Ingarikó, Wapixana, Taurepang, Wai Wai e Yanomami
Município de Pacaraima, Roraima.
Acompanharam a Caravana:
Dr. Darlan Airton Dias, Procurador da República
Martinho Alves de Andrade Júnior, administrador da Funai
Deputada Estadual Malu Campos
Deputado Estadual Lúcia Peixoto
Deputado Estadual Naldo da Loteria
Deputado Estadual Francisco Nazareno
Dra. Joênia e André Vasconcelos, advogada e assessor de imprensa do Conselho Indígena de Roraima (CIR)
Lavigne Alves Salomão, coordenadora da Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR)
A Caravana agradece à Funai, pela organização do transporte de Boa Vista até a aldeia, e aos policiais federais Leonardo e Sala. Nossos agradecimentos também à antropóloga Isa Pacheco, que enviou preciosas informações à assessoria da Caravana.
Cerca de 15 mil índios e 5 diferentes nações habitam a Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, que desde 1977 passa por processo de demarcação. Desde 1992, fazendeiros e políticos vêm perdendo todas as ações judiciais e procedimentos administrativos para impedir a homologação da Raposa/Serra do Sol. Hoje, não resta outro caminho legal ao governo federal senão a homologação da área de 1.680 mil hectares já demarcados. Desde há cinco anos, não há mais qualquer recurso jurídico para a questão.
Entre os grupos indígenas visitados pela Caravana de Direitos Humanos, os habitantes da Raposa/Serra do Sol demonstram ser os mais bem organizados e mais conscientes de seu direito à terra, como índios, e também de seu dever de manter sua cultura, identidade e tradições. As diversas etnias se uniram há 26 anos para lutar pela reconquista de suas terras. Durante este tempo, 20 lideranças indígenas foram assassinadas. Em nenhum dos casos houve qualquer punição ou condenação. Quatro índios mostraram à Caravana marcas de tiros recebidos no conflito. Apesar de tudo, segundo o administrador da Funai há cerca de 30 índios presos, enquanto nenhum branco foi preso por crime contra índios. A última vítima foi o índio Aldo da Silva Mota, morto em janeiro de 2003. O corpo foi localizado no interior de uma fazenda de posse do Vereador Francisco Oliveira, do município de Uiramutã. O laudo do IML de Roraima apontou morte natural, enquanto nova perícia realizada em Brasília atestou que o índio foi vítima de arma de fogo. O Vereador Francisco Oliveira é conhecido como "Chico Tripa" e já foi indenizado uma vez pela Funai, tendo logo em seguida comprado outra posse na Raposa/Serra do Sol.
A comunidade acreditava que a eleição de Luís Inácio Lula da Silva para a Presidência da República acarretaria imediata homologação de suas terras. O próprio presidente Lula visitou a área em 1998, quando apagou um fogo com um ramo de folhas, enquanto questionava a falta de ação do governo Fernando Henrique Cardoso. O próprio Ministro da Justiça de Lula, Márcio Thomaz Bastos, visitou a Raposa/Serra do Sol, prometendo a homologação para logo. Entretanto, mesmo não havendo mais recursos legais contra a homologação das terras, a pressão política tem sido eficiente. O governador Flamarion Portela, eleito pelo PSL, filiou-se ao PT, trazendo muitos parlamentares de seu Estado para a base de apoio do governo no Congresso Nacional.
A Caravana de Direitos Humanos ouviu dos indígenas a suspeita de existência de um acordo entre o Palácio do Planalto e o governador Portela. O senador Romero Jucá, de Roraima, foi nomeado vice-líder do governo no Senado, além de ser o relator da reforma tributária. Ao mesmo tempo, existe uma Proposta de Emenda Constitucional do senador Mozarildo Cavalcanti também de Roraima - que limita em 50% as terras indígenas e unidades de conservação ambiental por unidade da Federação, atribuindo o poder de aprovar a demarcação das terras indígenas ao Senado Federal. O governo Lula, por sua vez, não assinou a homologação. Em vez disso, criou um "grupo de trabalho interministerial" para dispor sobre a exploração econômica dos bens da União no estado de Roraima. Teme-se que a demora termine por facilitar a aprovação da proposta do senador Cavalcante, o que poderia reabrir a disputa jurídica sobre a Raposa/Serra do Sol. Os índios reclamam muito dos políticos locais, já que nenhum deles apóia a homologação da Raposa/Serra do Sol em terras contínuas. Uma das faixas colocadas nas ocas trazia a frase "Política partidária, o poder imundo".
A comunidade indígena da Raposa/Serra do Sol vive hoje da exploração comercial da pecuária, da agricultura de subsistência e da venda de artesanato. Acreditam na necessidade do desenvolvimento, mas desde que seja à sua maneira. Isso, segundo eles, só pode acontecer se o Estado brasileiro reconhecer oficialmente a existência da nação indígena, através da homologação de suas terras. Esta é a garantia de que o desenvolvimento vai se dar com respeito à autonomia das culturas indígenas.
A comunidade indígena reclama da ocorrência de vários tipos de conflitos na Raposa/Serra do Sol. Segue um pequeno resumo:
Conflitos relacionados às vilas (ditas “corrutelas”), ou assentamentos ilegais em terras indígenas: os bares vendem bebidas alcoólicas aos indígenas, o que caracteriza crime. Além disso, as vilas provocam a prostituição, o garimpo ilegal, a poluição de rios e a existência de lixões a céu aberto, inclusive restos de matadouros clandestinos. Nenhuma dessas vilas possui mais de 150 habitantes não-índios, cuja maioria, segundo as denúncias dos índios, possui propriedades fora da Terra Indígena, mas ali permanecem devido ao estímulo do governo estadual. Duas das corrutelas - Uiramutã e Pacarima- foram alçadas à condição de município, a fim de dificultar o processo de homologação. Segundo os índios, estes municípos chegaram inclusive a receber repasses de recursos federais, além de um escritório do Sebrae em Uiramutã.
Cooptação de lideranças: políticos, garimpeiros e outros dão dinheiro a lideranças indígenas para que se voltem contra suas comunidades e defendam a não-homologação da Raposa/Serra do Sol. A estratégia inclui a criação de organizações indígenas que defendam a homologação das terras em ilhas, em vez de uma só área contínua.
Conflitos decorrentes da presença militar na região: as forças armadas realizam operações de “reconhecimento”, que são vistas como operações de guerra pelos povos indígenas. As comunidades não são avisadas das operações, o que provoca transtornos constantes. Além disso, os militares em folga também provocam problemas, em virtude do uso da bebida alcoólica. As denúncias mais graves são de abuso sexual de índias por parte de militares. Estes casos têm sido recorrentes. Os militares jamais são punidos, mas apenas transferidos para outras regiões do país. Várias índias grávidas já foram abandonadas dessa maneira. Os índios reclamam que as forças armadas não admitem negociação sobre a localização dos quartéis. Na maloca Uiramutã, o quartel foi colocado bem na entrada da aldeia, o que transformou a vida da comunidade, motivo pelo qual os índios reivindicam a retirada deste quartel.
Conflitos com o governo do Estado: estes são decorrentes das ameaças de que, se a Raposa/Serra do Sol for homologada, serão retiradas as escolas públicas e os postos de saúde da região. Além disso, o governo planeja construir uma hidrelétrica (Cotinga) e várias estradas, tudo sem consulta prévia às comunidades indígenas. Os índios afirmam que o governador aceita discutir determinadas políticas, mas, quando se fala de terra, "é assunto da Funai". Para a comunidade, entretanto, não existe esta "separação" em áreas de política pública: saúde, educação, desenvolvimento, só existem com a garantia da terra.
Problemas ambientais causados pelos arrozais da região, que poluem as águas dos rios com fertilizantes, matando peixes e aves. Os índios bebem a água poluída, o que provoca doenças. Esta água já causou inclusive abortos nas mulheres indígenas.
Conflitos com o IBAMA, em virtude da criação do Parque Nacional do Monte Roraima, área criada dentro da Terra Indígena sem consulta à comunidade, em local sagrado para as culturas Makuxi e Ingarikó.
Em todo o processo de lutas indígenas e demarcação de terras, a maior parte dos ocupantes já foi retirada. No caso dos garimpeiros, como foi dito, nenhuma das cinco vilas contam com mais de 150 habitantes não-índios. Também os agricultores foram retirados ou encontram-se em processo de indenização. Apenas os grandes plantadores de arroz resistem. Estes organizam-se politicamente para pressionar os governos estadual e federal. Os índios reclamam muito do fato de que - fora a Funai - todas as demais autoridades são contra a homologação. Argumentam que a homologação vai impedir o progresso de Roraima. Esta afirmativa carrega um intenso preconceito, pois quer dizer, nas entrelinhas, que é o índio quem impede o progresso. Na realidade, as comunidades indígenas possuem hoje 27 mil cabeças de gado e toda a disposição para o "progresso", desde que seja de forma a respeitar sua cultura, seu ritmo e seu direito sobre a terra. Além disso, apontam para a ingratidão do povo brasileiro, pois afirmam terem sido os índios Makuxi quem delimitou a fronteira norte brasileira. Reclamam de várias formas de preconceito. Por exemplo, os índios são representados como "matutos" ou "porcões". Uma mulher indígena ilustrou o processo com uma frase de um estudante branco: "naquela sala tem dez pessoas e cinco indígenas".
Foram citados também muitos avanços decorrentes da mobilização da comunidade, especialmente nas áreas de educação e saúde. Os avanços se dão em virtude da organização das próprias comunidades indígenas para realização destas tarefas. A comunidade implementou cursos de formação de agentes de saúde indígena. Houve redução nos casos de malária, doenças sexualmente transmissíveis e tuberculose. Os agentes são treinados através de um programa que mistura a medicina não-índia com as práticas indígenas tradicionais. Também foi criada uma escola de formação de vaqueiros indígenas, gerida pela própria comunidade.
A Caravana também se impressionou com o grau de organização das mulheres indígenas da Raposa/Serra do Sol. Elas fundaram uma organização independente e possuem profunda consciência do efeito que os conflitos provocam sobre as relações de gênero: as mulheres são grandes vítimas do abuso sexual, alcoolismo e prostituição. Muitas lideranças femininas fizeram uso da palavra e expuseram a situação.
Além das etnias que vivem na Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, também estiveram presentes índios Yanomami. Ainda com bastante dificuldades para a língua portuguesa, estes índios fizeram um enorme esforço para contar à Caravana as recentes invasões de garimpeiros em suas terras, nos últimos dias 1º e 18 de junho, e dia 1º de julho. Os índios reivindicam operações de retirada dos garimpeiros.
Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos
da Assembléia Legislativa de Roraima.
Estiveram presentes na audiência pública, além daqueles que acompanharam a visita à aldeia, os deputados federais Francisco de Assis Rodrigues e Rodolfo Pereira; deputados estaduais Vantan Praxedes, Titonho beserra e Urzeni Freitas; o Pró-Reitor de Graduação da Universidade Federal de Roraima, Professor Carlos Alberto Cardoso; o Comandante da 1ª Brigada de Infantaria e Selva, General Paulo Studart Filho; o Presidente da OAB/RR, Dr. Antônio Oneildo Ferreira; o representante da Polícia Federal de Roraima, Dr. Ianê Linhares Leal; o Secretário Estadual de Segurança Pública, Dr. Francisco de Sá Cavalcante; o Secretário Estadual do Índio, Sr. Orlnado Justino de Oliveira; o Cel-Pm Arnóbio de Lima Bessa, Comandante da Polícia Militar; o Sr. Norberto Cruz da Silva, representante do Conselho Indígena de Roraima (CIR).
A audiência pública na Assembléia Legislativa de Roraima impressionou a Caravana pelo número e diversidade de organizações indígenas que compareceram. Apesar de o Conselho Indígena de Roraima (CIR) englobar a esmagadora maioria da população e das nações indígenas, há muitas outras organizações, as quais sustentam posições diferentes com relação à homologação da Raposa/Serra do Sol, e de onde são recrutados os índios que ocupam cargos no governo estadual. Estas organizações (Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima e Arikom) defendem a integração do índio à sociedade não-índia. O argumento é o de que a política de demarcação e homologação serve para isolar os índígenas, gerando uma espécie de "apartheid" entre índios e não-índios. Os muitos índios que trabalham para o governo, ou que vivem nas cidades, teriam de voltar a caçar e pescar. O que permitirá a integração será a criação de municípios, a construção de estradas, pontes e redes elétricas, além da expansão da cultura do arroz. Segundo essa visão, a homologação não é uma prioridade. Na visão do Secretário do Índio, ele próprio um indígena, a homologação até mesmo "aumentaria nossos problemas". O Secretário não explicou, entretanto, o motivo pelo qual a homologação traria dificuldades. Ao que parece, existe uma ameaça segundo a qual a homologação acarretaria a retirada do Estado de Roraima da Raposa/Serra do Sol. Por fim, estas entidades reivindicam a nomeação de um índio para a presidência da Funai.
As organizações indígenas pró-homologação - CIR e Associação dos Povos Indígenas de Roraima - reclamam do discurso de que a homologação vá atrapalhar o desenvolvimento. Lembram os avanços na educação e saúde indígenas e, principalmente, o fato de que as comunidades indígenas produzem gado e poderiam ampliar suas riquezas e a do Estado de Roraima. Entretanto, afirmam que sem terra não pode haver política para as "nações" indígenas, mas apenas para os indivíduos isolados. A terra é a garantia de que o desenvolvimento vai se dar com respeito à autonomia das culturas indígenas. As lideranças lembram a dificuldade com que conquistaram o direito de usar a própria língua nas escolas públicas instaladas na Raposa/Serra do Sol. Segundo o coordenador do CIR, houve até ameaças de que as escolas seriam retiradas. Uma liderança feminina ressaltou o fato de que usa relógio, veste roupas, mas não deixou de ser índia por causa disso. A homologação representaria o reconhecimento de que o índio pode ajudar no desenvolvimento sem deixar de ser índio.
Tanto por parte da organizações indígenas minoritárias quanto por parte dos brancos que falaram na audiência, houve fortes críticas às ongs estrangeiras, para quem o índio significa "um cheque". Uma representante da Arikom leu um documento intitulado "Diretrizes de Genebra", contendo instruções a missionários sobre como atuar na defesa da "independência com restrição de soberania", incluindo a defesa de territórios os maiores possíveis, com terra indígena de recursos do solo e subsolo. Segundo esta visão, as Ongs estariam atuando no Brasil para facilitar a pirataria, e se apropriar dos recursos nacionais.
Documentos entregues à Caravana:
01) CD-ROM contendo apresentação em slides dos dados das populações, economia e conflitos na Terra Indígena Raposa/Serra do Sol.
02) Abaixo-assinado de lideranças indígenas da Raposa/Serra do Sol, dirigido à Caravana e ao Presidente da República, datado de 13 de outubro de 2003, que reivindica a homologação em área contínua da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol.
03) Cópia de relatório entregue ao Presidente da República, datado de 11 de junho de 2003, em nome de Jacir José de Souza, coordenador do CIR, contendo informações sobre a população, políticas públicas, economia e conflitos na Terra Indígena Raposa/Serra do Sol e reivindicando a homologação em área contínua, além da retirada do quartel militar da maloca Uiramutã.
04) Cópia de documento em nome de representantes Yanomami da Maloca Paapiú, datado de 02 de outubro de 2003, solicitando operações de retirada dos garimpeiros que têm invadido esta área.
05) Cópia da Carta da 32ª Assembléia Geral dos Tuxauas, datada de 08 de fevereiro de 2003, contendo o detalhamento das reivindicações dos Povos Indígenas de Roraima.
06) Cópia do "Relatório de Casos de Violências", em nome de Joênia Batista Carvalho, assessora jurídica do CIR, datado de julho de 2003, que apresenta em detalhes os casos de crimes praticados contra a população indígena desde 1982.
07) Cópia do relatório "Crime e Impunidade em Roraima", em nome de Ana Paula Souto Maior, consultora da Funai, datado de janeiro de 2003, que também apresenta lista de crimes cometidos contra as populações indígenas do estado. Relaciona vários crimes à pessoa e à família do Vereador Francisco das Chagas Oliveira, o "Chico Tripa". Também apresenta as formas como os índios são vítimas da violência institucionalizada por parte das polícias estaduais e das forças armadas.
08) Carta endereçada à Comissão de Direitos Humanos, assinada pelo Coordenador Regional do Amajari (CIR), Avelino Duarte, e por Josemi dos Santos Padilha, datada de 07 de outubro de 2003, relatando diversos casos de violência contra comunidade indígenas das área de Ponta da Serra, Anaro, Araçá, Cajueiro, Ananás, Santa Inês, Aningal e Ouro. Os problemas decorrem principalmente do fato de estas terras terem sido demarcadas em ilhas, anets da Constituição Federal, e de estarem sofrendo pressão para entrada de plantações de arroz e soja, além da invasão de gado dos fazendeiros vizinhos.
09) Três fitas cassete, entregues pelos técnicos da Assembléia Legislativa de Roraima, contendo a gravação da audiência pública.
10) Cópias de matérias jornalísticas, encaminhadas pelo administrador da Funai, Sr. Martinho Alves de Andrade Júnior, sobre a repercussão da visita da Caravana de Direitos Humanos.
14/10/2003
Visita à Terra Indígena Caramuru - Catarina Paraguassu
Etnia Pataxó Hã-Hã-Hãe
Município de Pau Brasil Pau Brasil, Bahia
Acompanharam a Caravana:
Deputado Federal Walter Pinheiro
Deputado Federal Guilherme Menezes
Deputado Estadual Yulo Oiticica
Vereador Agnaldo Pataxó
Dra. Eunice Dantas Carvalho, Procuradora da República
Representantes das seguintes entidades: Fase, Comissão Pastoral da Terra, Pastoral da Juventude, Care/Ilhéus, Pastoral da Criança, CRB e CIMI.
A Caravana agradece ao deputado estadual Yulo Oiticica pela organização do transporte de Ilhéus até a terra indígena, e à equipe dos delegados policiais federais João Vianney, Orlando Rincon Júnior, Miguel Almeida Moura Sena, em Ilhéus, bem como aos agentes de Salvador, Dailson Santos Ferreira e Cecílio da Silva
O conflito em Pau Brasil, na terra indígena Caramuru - Catarina Paraguassu, da etnia Pataxó Hã-Hã-Hãe, é um bom exemplo de conflito gerado pelo Estado, tanto em termos de ação como de omissão. Esta etnia teve suas terras demarcadas em 1937, pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Mas o mesmo Estado que garantiu a terra passou a administrá-la através da política de "arrendamentos", antigo nome das atuais "parcerias" entre índios e seus vizinhos monocultores. O cacau invadiu a região, enquanto os índios eram aos poucos forçados a deixar suas terras, até que foram praticamente todos, literalmente, expulsos, na década de 1960. O estado da Bahia passa, então, a titular as áreas da terra indígena, distribuindo papéis aos "arrendatários". Os Pataxó Hã-Hã-Hãe se dispersam por todo o Brasil. A partir de 1982, passam a lutar por reocupar as terras. Ingressam com uma ação de nulidade de títulos (e não com uma ação de reintegração de posse!), que até hoje, 2003, século XXI, tramita nos tribunais brasileiros.
De índios isolados na década de 1920, que viviam em milhões de hectares, receberam cerca de 50 mil, e hoje têm de contar com no máximo 15 mil. Nesse processo, os Pataxó Hã-Hã-Hãe perderam sua língua, mas não o fato de se verem como índios e de terem a consciência da injustiça de que foram vítimas. A ação está no Supremo Tribunal Federal e, se o tribunal se desse ao trabalho de perceber o número de mortes que a papelada provoca, julgaria logo o pleito, em favor de quem quer que seja. Só de índios, já foram 16 mortes desde 1982.
Além da história de suas próprias terras, os Pataxó Hã-Hã-Hãe conheceram bem o preconceito. Um de seus parentes fez fama: o índio Galdino, o "mendigo" que morreu assassinado- dormindo e queimado vivo - por criminosos filhos da elite de Brasília. Os mesmos que, na véspera da visita da Comissão de Direitos Humanos, foram flagrados tomando cerveja em um bar, em descumprimento à decisão judicial que lhes permitia estudar fora do presídio no período noturno. Pouco mais de uma semana após a visita da Caravana, um ônibus que transportava estudantes da etnia foi incendiado. Nenhuma mídia nacional deu destaque à notícia.
A visita à Terra Indígena foi curta em virtude do tempo e do fato de que muitos índios já aguardavam a audiência pública em Pau Brasil. Assim, a caravana não realizou uma grande conversa nas aldeias (como fez com as demais etnias), mas uma visita à area limítrofe entre as terras ocupadas pelos índios e a área objeto de disputa. Os índios queriam ir ainda mais longe, onde um grupo de índios está acampado, mas a Polícia Federal afirmou que não poderia garantir a segurança dos deputados. No mês de julho (2003), uma comitiva liderada pelo deputado estadual Yulo Oiticica, com a presença dos deputados federais Walter Pinheiro e Luiz Alberto, havia sido expulsa a bala do local.
Os índigenas mostraram à CDH uma casa que os índios alegam ter sido destruída por pistoleiros. Além disso, os deputados realizaram uma breve explanação dos objetivos da caravana. Na audiência pública, estiveram presentes, além das pessoas que acompanharam a visita, o prefeito de Pau Brasil, José Augusto dos Santos Filho, o presidente da Câmara Municipal, Alan Ferreira, Waldir Farias Mesquita, administrador da Funai e Rui Nestor Bastos Melo, Procurador da Funai.
O que mais impressionou a CDH foi a participação da população não-índia. Foi a única audiência pública da Caravana em que a maioria dos não-índios falou verdadeiramente contra o conflito, muitas vezes a favor dos próprios índios. O Sr. Rosivaldo Augusto, Representante do Conselho de Segurança do município de Pau Brasil, afirmou que, por causa deste conflito, acontece um crime violento a cada fim-de-semana. Reina a impunidade porque todos têm medo de denunciar os culpados. O que ocorre é que fazendeiros contratam pistoleiros vindos dos grandes centros urbanos, sem qualquer vínculo com a cidade. Estas pessoas acabam por causar problemas também à população não-índia da cidade. Nas palavras do Sr. Rosivaldo, "as pessoas vêm das cidades para matar por currículo."
Segundo o Vereador Agnaldo Pataxó, são poucos os fazendeiros que estimulam o conflito. De cerca de 400, apenas "uma meia dúzia" está envolvida. A maioria convive pacificamente com os índios. O próprio Sr. Rosivaldo é um exemplo: foi fazendeiro e saiu da terra indígena. Reclamou do valor de sua indenização: menos de metade do valor, segundo ele. Mas explicou os seus motivos: "Não estamos aqui nem em favor dos fazendeiros, nem dos índios. Eu fui fazendeiro na terra indígena e saí de lá. Meus pais já diziam que isso aqui é de índio, quando ele chegar você tem que sair, e quando o índio chegou eu saí. Foi o governo quem promoveu a desordem, porque veio para Pau Brasil com os índios e não teve coragem de assumir. Recebi metade do valor da minha fazenda. O povo da cidade convive pacificamente com os índios, porque eles cresceram junto com a gente. Depois que começou o conflito, não podemos conversar nem com índio nem fazendeiros, porque ficam querendo saber de que lado estamos."
Em ofício assinado pelo próprio prefeito da cidade de Pau Brasil, a comunidade não-índia cita os "crimes de reflexo" ocorridos na cidade desde 2002: assalto ao Banco do Brasil local; assalto à Distribuidora da Brasilgás; assalto ao Armazém de cacau do Sr. Firmino Timóteo; assalto ao armazém de cacau do Sr. Jazon Ramos; assassinato do Sr. Zoião; assasinato do Sr. Udo; assassinato do Sr. Alexsandro. Todos os crimes são atribuídos pela população a pistoleiros contratados como "seguranças" de fazendeiros contra índios. Os índios acusam uma pessoa conhecida como "Júnior", que seria filho da ex-deputada federal Raquel Cândido - que foi cassada por colaborar com o tráfico de drogas - de comandar a pistolagem na região.
Além de índios Pataxó Hã-Hã-Hãe, estiveram presentes a cacique Waldelice, da etnia Tupinambá de Olivença, e o Cacique Zelito, dos Pataxó do Monte Pascoal. A cacique Waldelice denunciou o desmatamento das terras que eles reivindicam. Os índios estão sem terra e acabam aceitando pequenos trabalhos nas fazendas da região, à paga de cinco reais ao dia. O cacique Zelito denunciou as constantes ameaças de morte por parte de grileiros e madeireiros.
Documentos entregues à Caravana:
01) Ofício sem assinatura, em nome do Sr. Rosivaldo Augusto dos Santos, Presidente do Conselho Comunitário de Segurança Pública de Pau Brasil, relatando crimes que acontecem na região como reflexo do conflito entre índios e fazendeiros.
02) Cópia de ofício assinado pelo Prefeito de Pau Brasil, José Augusto dos Santos Filho, em conjunto com o Sr. Rosivaldo Augusto dos Santos, Presidente do Conselho Comunitário de Segurança Pública de Pau Brasil, endereçado ao comandante da Polícia Militar de Itabuna, relatando crimes que acontecem na região como reflexo do conflito entre índios e fazendeiros.
03) Relatório da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa da Bahia sobre o conflito em Pau Brasil.
04) Relatório "Povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, Pau Brasil/Bahia", datado de 14 de outubro de 2003. Contém o histórico do conflito desde a época da pacificação, na década de 1920. Lista os índios mortos desde 1982. Apresenta notícia de jornal publicadas a partir de 1977.
05) Relatório assinado pelo cacique Gerson de Sousa Mello, além de outras lideranças Pataxó Hã-Hã-Hãe, contendo informações do conflito desde o ano de 2001.
06) Abaixo-assinado de lideranças das aldeias Guaxuma, Patiburi, Tupinambá, Belmonte, Sucuiuba, Coroa Vermelha, Tupinambá de Olivença, Alegria Nova e Caramuru. Contém reivindicações relativas a assistência, saúde e demarcação de terras.
07) Documento sem assinatura, em nome a APOINME - Articulação dos Povos Indígenas e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espíritos Santo, datado de 30 de junho de 2000, com informações acerca de crimes ocorridos no município de Prado, Fazenda Boa Vista, contra os Pataxó do Rio Cahy.
08) Documento sem assinatura, em nome da Coordenação de Frente e Luta Pataxó, datado de 05 de setembro de 2002, que denuncia ameaças provenientes do fazendeiro Normando, proprietário da Fazenda Sonara, devido à reivindicação dos índios pela terra.
09) Ofício assinado pela cacique Tupinambá Valdelice Amaral de Jesus, além de outras lideranças, denunciando o espancamento recente, em Sapucaeira, de índios por quatro policiais militares.
10) Livro intitulado "Índios na Visão dos Índios - Tupinambá", com depoimentos e a história da comunidade Tupinambá de Olivença.
15/10/2003
Visita à Terra Indígena Xucuru
Etnia Xukuru
Município de Pesqueira, Pernambuco
Acompanharam a Caravana:
Deputado Estadual Roberto Leandro
Deputado Estadual Isaltino Nascimento
Vereador Marcelo Santa Cruz
Manoel Lopes, administrador da Funai
Dr. W. Conde, Ministério Público Estadual
Representantes do CIMI, Anaí, Movimento Nacional de Direitos Humanos, Movimento Tortura Nunca Mais, Centro de Cultura Luiz Freire, Cendhec e Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.
A Caravana agradece ao deputado estadual Roberto Leandro e ao CIMI pela organização do transporte de Recife até a aldeia. Nossos agradecimentos também à antropóloga Vânia Rocha Fialho de Paiva e Souza, que enviou preciosas informações à assessoria da Caravana.
Cerca de 8 mil índios vivem nas 24 aldeias e 27,5 mil hectares do povo Xukuru. A aldeia de Cimbres, visitada pela Caravana, é onde se concentra a maior população. No passado, foi importante centro da política local. Hoje, pode-se chamar o local também como a "vila" de Cimbres, por sua semelhança física com tantas outras pequenas comunidades do interior brasileiro. O local foi palco de um grande conflito entre índios em 07 de fevereiro de 2003, depois do atentado contra o cacique Marcos Xukuru, e da posterior revolta da população contra um grupo de seus próprios parentes, acusado de tentar assassinar o cacique, juntamente com um grupo de posseiros.
Devido à longa história de contato e à expulsão do povo Xukuru de suas terras, muitos índios já estavam "aculturados" e misturados à sociedade não-índia a partir de relações de casamento e de compadrio. As poucas aldeias que restavam estavam "ilhadas" em meio às fazendas. O povo Xukuru perdeu inclusive sua língua, restando hoje apenas vocábulos que se incorporaram ao português ali falado. Entretanto, permanece forte o sentimento dos índios de pertencimento à nação Xukuru, e a consciência de que os seus territórios originários lhes pertencem. Conservaram uma série de tradições, inclusive o valor dos locais sagrados, e, ao que a CDH pôde perceber, passam por um processo de reorganização de seu mundo cósmico, depois que finalmente reconquistaram (quase todas) as suas terras.
Foi a partir da Constituinte de 1987/88 que o povo Xukuru passou a se reorganizar para retomar as suas terras e tradições culturais. A demarcação começou em 1991, a partir de várias lutas pela retomada, lideradas pelo cacique Chicão (pai do atual cacique) que foi assassinado em 1998. Chicão idealizou um modelo de organização política que ainda perdura: criou o conselho de professores e de saúde, a associação do povo Xukuru, o conselho de lideranças, com 24 representantes, e a comissão interna, com 12 lideranças, o cacique e o pajé.
Entretanto, a partir de meados da década de 1990, o município de Pesqueira, aliado à Arquidiocese local e ao governo do Estado, elaborou um projeto de turismo religioso para a região. Este projeto consistia na construção de grandes obras de infra-estrutura para acesso a um santuário em honra a Nossa Senhora das Graças, que fica dentro da terra indígena. A crença popular afirma que a santa teria aparecido a duas meninas no lugar antigamente denominado sítio Guarda, hoje aldeia Guarda, no interior da terra indígena Xukuru. O projeto previa a construção de um estacionamento para cinco mil carros, abertura e asfaltamento de estradas, além da conversão das fazendas de gado em hotéis-fazenda.
Tanto o cacique Xicão quanto o seu sucessor, cacique Marcos, em nome da grande maioria da comunidade Xukuru, sempre se posicionaram contrariamente ao projeto. Os estacionamentos seriam murados e não permitiriam às famílias o livre trânsito. O risco de degradação ambiental aumentaria. Acima de tudo, o povo Xukuru não poderia usar a sua terra de maneira autônoma e com respeito a sua cultura. Ficariam condicionados aos interesses dos investidores do santuário.
Entretanto, a idéia do santuário agradou a uma minoria de índios. Somente em agosto de 2002, o MPF/PE determinou a suspensão de quaisquer atividades relacionadas ao santuário. Segundo o relatório do CIMI, "esta demora injustificada do Estado em tomar providências no sentido de coibir mais uma manobra das oligarquias locais possibilitou que estas pudessem construir uma nova tática: tentar dividir o povo para permanecer na terra indígena". No início de 2000, o Prefeito de Pesqueira, que possuía terras na área indígena, convida o índio Expedito Alves Cabral, conhecido como "Biá" para a recém-criada Diretoria de Assuntos Indígenas. Este índio hoje lidera a chamada "dissidência" Xukuru, autodenominada "Xukuru de Cimbres", que acabou sendo expulsa da aldeia, no conflito que se instaurou em 07 de fevereiro de 2003, depois da tentativa de assassinato do cacique Marcos Xukuru.
O caso dos Xukuru é mais uma prova de que a simples homologação das terras indígenas não interrompe o assédio sobre seus recursos naturais e simbólicos. Cabe lembrar que havia sido determinado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos medidas cautelares para garantia de vida do cacique, as quais não foram cumpridas pelo governo brasileiro. O atentado matou dois índios que faziam a segurança do cacique. As mortes vieram somar-se a outras: Everaldo, filho do pajé (1992); Geraldo Rolim, procurador da Funai (1995), o cacique Xicão (1998), e Chico Kelé (2001).
É certo que a CDH não pode reconstituir com certeza todos os fatos ocorridos no dia 07 de fevereiro. Entretanto, alguns fatos permitem inferir que as autoridades locais, as estaduais - e mesmo as autoridades federais que vivem no Estado - posicionaram-se contrárias à liderança tradicional do cacique Marcos, em favor do grupo que defende a instalação do santuário. Vejamos esses fatos:
1) Quase todos os inquéritos policiais e ações penais foram distribuídos para a mesma Vara da Justiça Federal.
2) Desde a morte da liderança Chico Quelé (2001), os inquéritos policiais instaurados ou são postos sob segredo de justiça ou submetidos pelos órgãos encarregados a um controle informal que impossibilita aos índios conhecerem os rumos das investigaçõesTodos os inquéritos policiais instaurados a respeito do dia 07/02/2003 e dos demais crimes contra índios Xukuru foram distribuídos para a mesma vara na justiça federal. Tramitam em segredo de justiça, sem que os índios conheçam o rumo das investigações.
3) Segundo relatório do CIMI, o Jornal de Commércio publicou, em 25 de julho de 2002 (caderno Cidades 1), declarações do Superintendente da Polícia Federal em Pernambuco, Wilson Damásio, em que ele afirma o seguinte: “vamos propor que a comunidade Xucuru de Pesqueira se reúna para promover uma nova escolha de caciques”.
4) A mãe de um dos índios mortos no atentado ao cacique Marcos constituiu advogados para atuar na assistência de acusação. O Ministério Público Federal deu parecer contrário à habilitação, por considerar que a mãe da vítima, por ser indígena, seria relativamente incapaz e que assim não poderia constituir advogados de sua própria escolha, cabendo à FUNAI, na qualidade de tutora, a assistência de acusação. O curioso é que o réu que também é índio constituiu sua própria advogada, sem que o MPF se manifestasse em contrário. O juiz federal acatou o parecer do MPF, impedindo que os advogados da mãe da vítima pudessem participar da inquirição de quase todas as testemunhas. Uma liminar concedida pelo Tribunal Federal da 5.ª Região derrubou a decisão do juiz mas a decisão de mérito ainda não foi dada pelo TRF.
5) Em 2002, o índio Dandão Xukuru foi convidado pelo MPF a comparecer à sede do órgão no Recife, a fim de depor no inquérito que apurava a morte de Chico Quelé. Após esperar a tarde inteira e parte da noite sem ser ouvido pela autoridade policial, Dandão foi dispensado, e quando saía da sede do MPF, foi preso com base em ordem judicial. Um ano depois o STF entendeu que não havia qualquer embasamento legal para aquele mandado de prisão.
Não se sabe ao certo o número de índios neste grupo, mas ouviu a estimativa de quinhentas pessoas, enquanto os aldeados chegam ao número de 8 mil. Mesmo que esta maioria não fosse tão esmagadora, resta claro que não se pode defender um projeto de sustentação econômica de uma comunidade indígena sem a menor preocupação com sua autonomia cultural. Muito menos se deve interferir na organização social dos indígenas no sentido de tentar trocar suas lideranças. A situação em Pernambuco chegou a ficar vexatória: um policial federal que acompanhava a segurança da Caravana foi identificado, já no aeroporto, como um dos que possuem animosidades com lideranças Xukuru. Os deputados solicitaram que ele não acompanhasse a caravana à aldeia, para que a Caravana pudesse conversar em harmonia com os índios. Os policiais não aceitaram a proposta, mas acordaram que o policial em questão não circularia pela aldeia, mantendo-se afastado do local da reunião com os índios. Entretanto, o acordo não foi cumprido: ele não apenas circulou pela aldeia, como compareceu ao local da reunião. Diante disso, os deputados solicitaram à delegada responsável que o policial fosse retirado dali. A delegada afirmou que sua retirada implicaria a saída de toda a equipe. Os deputados, então, assinaram um termo de responsabilidade dispensando a segurança. A Polícia Federal abandou a aldeia.
Os índios Xukuru reivindicam a retirada do restante dos posseiros que ainda ocupam suas terras. Existem também sérios problemas de falta de água. Durante a visita da CDH, a aldeia não estava abastecida. O fato é ainda mais grave, visto que a serra que abastece a cidade de Pesqueira se localiza no interior da Terra Indígena. A Caravana pôde apurar, sem grande detalhes, que outro motivo de divergência entre os índios foi o destino dado às águas que correm por suas terras. Outra reivindicação foi a aprovação do novo Estatuto do Índio. Por fim, os índios afirmaram categoricamente que não querem a volta do grupo que foi expulso da aldeia. Demonstraram preocupação mesmo com a possibilidade de aquisição de nova terra para este grupo, caso o local faça fronteira com a terra Xukuru.
Também compareceram à visita representantes das tribos Kambiwá, que apresentaram reivindicações nas áreas de assistência, saúde e demarcação de terras.
Encontro com a dissidência Xukuru em 16/10/2003, na sede da Funai em Recife
No dia seguinte à visita à aldeia de Cimbres, a Caravana se reuniu com o grupo indígena dissidente, com a presença do administrador da Funai, Manoel Lopes. Expulsos da aldeia, estes índios estão vivendo em Recife, com a ajuda de custo que a Funai repassa para o pagamento de aluguel e cesta básica. Reivindicam a aquisição de uma nova terra onde possam se instalar, já que não fazem questão de retornar a Cimbres. Entretanto, a terra que reivindicam é contígua à atual terra indígena Xukuru, em Pesqueira, pois é próximo a esta cidade que eles pretendem continuar.
Os índios dissidentes, liderados por Expedito Alves Cabral, o Biá, louvaram o fato de ser a primeira vez que eles têm oportunidade de se manifestar perante uma comissão de direitos humanos. Biá afirmou que existem 1600 índios em seu grupo. Sua família está na Terra Indígena há sete gerações e nunca precisou de ajuda da Funai, pois sempre teve meios de vida. Reinava a paz até a morte do cacique Xicão. Depois que o cacique Marcos assumiu - "eleito" por poucas pessoas - o conflito se iniciou.
A dissidência acusa o cacique Marcos de gastar em armas os recursos recebidos da Funai e Funasa em favor da comunidade indígena. Alegam que haviam conseguido, por conta própria, verbas da prefeitura de Pesqueira e da FIDEN para obras na aldeia de Cimbres, mas que estas foram paralisadas a mando do cacique Marcos. Biá culpa o CIMI e as demais Ongs por toda a divisão da aldeia. Questiona o fato de as redes de televisão serem chamadas para filmar o conflito no dia 07/02/2003. Afirma que foi o cacique Marcos quem atacou o índio Louro Frazão, que está preso devido ao atentado.
Os índios dissidentes defenderam as investigações conduzidas pela Polícia Federal. Afirmam que ainda há índios sendo expulsos da terra. Apresentam queixa registrada pelo índio José João dos Santos, em 15/10/2003 (mesmo dia da visita da caravana à aldeia), que afirma estar sendo coagido a deixar sua casa. Apenas uma rápida menção foi feita ao problema do santuário: os índios afirmam que não foi esta a razão da divisão da aldeia, mas sim a falta de repasse dos benefícios gerados por alguns projetos destinados à comunidade, como a construção de casas e o plantio de caju e de café. Entretanto, ressaltaram o "preconceito" contra a idéia do santuário católico. Ainda, no documento entregue à CDH, reclamam de que o cacique teria interrompido a "estrada que liga Cimbres ao Santuário Guarda".
Outra incongruência foi o fato de que os índios dissidentes assinalam a data de 07/02/2003 como o dia da "independência de Cimbres". Entretanto, no mesmo documento - cuja data é 04 de setembro de 2001 - a mesma "independência" já havia sido comunicada à Funai. Isso permite concluir que os acontecimentos de 07/02/2003 poderiam ter sido evitados se - um ano e meio antes! - as autoridades tivessem tomado providências no sentido de impedir o assédio às terras indígenas, por meio do santuário. Ocorreu justamente o contrário: o ofício informa que a estrada para o "Santuário Guarda" seria implantada com a participação da Funai. Ressalte-se, ainda, que a suposta "independência" da aldeia de Cimbres foi declarada apenas dez dias após a homologação das terras Xukuru pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Com relação às denúncias de apropriação das verbas pelo cacique Marcos, em setembro de 2001 foi instaurado pelo MPF um procedimento administrativo para “apurar notícia de divergências internas na comunidade indígena Xukuru de Pesqueira (PE)”. Apenas em 19 de abril de 2003, o Procurador da República em Pernambuco, Marcos Costa, determinou seu arquivamento, concluindo, segundo relatório do CIMI, que “de uma forma ou de outra, têm procurado atender a coletividade, definindo-se prioridades e focos de atuação, de acordo com as limitações dos próprios projetos".
O cacique Marcos, que não esteve presente durante a visita da Caravana, enviou carta à CDH, em 25 de outubro, preocupado com a repercussão que as declarações de Biá na imprensa, após a reunião com os deputados. Abaixo transcrevemos um trecho:
"[Biá] Embora sendo índio nunca concordou e muito menos participou de nossa luta em defesa de nossa terra. Pelo contrário, sempre esteve aliado aos fazendeiros invasores. Sua raiva contra os Xukuru e em particular contra a minha pessoa, aumentou quando nós impedimos a conclusão da estrada que estava sendo construída para o santurário da Graça, localizado dentro da nossa terra. A empresa construtora é de propriedade do senho Expedito Cabral. Além disso, ele que uma vez elegeu-se vereador em Pesqueira, pelo partido do prefeito, PFL, depois que nosso povo se organizou e começou a lutar, não conseguiu mais se reeleger. As pessoas que o apóiam são principalmente não-índios invasores do nosso território (pequenos posseiros) habitantes do povoado de Cajueiro. A Comissão Técnica constituída pela Funai para apurar conflito apresentou em seu relatório conclusivo a quatidade de famílias indígenas que o acompanham. É um pequeno grupo, cerca de 100 famílias e a maioria delas já vivia fora da área indígena, na cidade de Pesqueira. E ainda denuncia o proprio relatório a existência de família não indígenas dentro do grupo, com o único propósito de se beneficiar das ajudas da Funai".
Documentos entregues à Caravana:
01) Documento em formato eletrônico, 12 de setembro de 2003, em nome de Sandro Henrique Calheiros Lôbo, assessor jurídico do CIMI/NE, contendo "Relatório sobre violações aos direitos humanos dos índios Xukuru".
02) Cópias de diversos ofícios enviados à Funai e ao MPF, assinados por representantes da aldeia São Brás, todos anteriores ao dia 07/02/2003, em que os signatários reclamam do assédio do índio Rinaldo Feitosa com relação a águas e terras da aldeia São Brás.
03) Cópia de abaixo-assinado de índios autodenomina dos "Xukuru de Cimbres", datado de 04 de setembro de 2001, dirigido ao administrador da Funai, Moacir Santos, em que os índios comunicam a independência da aldeia de Cimbres com relação ao cacique Marcos Xukuru.
04) Fax enviado pelo Cacique Marcos Xukuru, de 25 de outubro de 2003, acerca das declarações à CDH e à imprensa do índio Expedito Alves Cabral, o "Biá".
05) Carta sem assinatura, 01 de julho de 2003, dirigida a várias autoridades, em nome do "povo expulso da Tribo Xukuru". Denuncia uma série de lideranças por "atos de terrorismo" e participação no crime organizado.
06) Cópia de carta sem data assinada por Maria de Lourdes Aleixo Silva. Denuncia uma série de lideranças por "atos de terrorismo".
07) Ofício do chefe do Posto Indígena Xukuru (Funai) à Polícia Federal, 24 de fevereiro de 2003, encaminhando a senhora Maria de Lourdes Aleixo Silva para prestar depoimento sobre ameaças e expulsão de suas terras.
08) Cópia de certidão da Polícia Civil de Pernambuco, delegacia de Pesqueira, informando que o Sr. José Lindomar de Santana, filho do Chico Kelé, cujo depoimento informa que no dia 15 de janeiro de 2003 um grupo de pessoas não identificadas passou pela sua casa efetuando disparos de arma de fogo.
09) Fita de vídeo contendo o documentário "Xucuru - a coragem em cima do medo", que conta a história e mostra imagens do conflito do dia 07 de fevereiro de 2003.
17/10/2003
Visita às Terras Indígenas Toldo do Chimbangue e Araça'í
Etnias Kaingang e Guarani Ñandeva
Municípios de Chapecó e Cunha Porã, Santa Catarina
Acompanharam a Caravana:
Dr. Pedro Antônio Roso, Procurador da República
Antônio Marine, administrador da Funai
Roberto Liebgott, Ivan Cesar, Jackson Santana e Mário,
representantes do CIMI
A Caravana agradece ao CIMI pela organização do transporte de Chapecó até as aldeias, e às equipes dos delegados policiais federais Christian Robert Wunrster e Victor Antonio. Nossos agradecimentos também ao antropólogo Fernando Dantas, que enviou preciosas informações à assessoria da caravana.
As 25 famílias (cerca de 120 pessoas) de índios Guarani Ñandeva que reivindicam 2,7 mil hectares da Terra Indígena Araça'í vivem hoje dos favores de outra etnia - os Kaingang, que lhes emprestam um pedaço da Terra Indígena Toldo do Chimbangue - e da Funai, que fornece cestas básicas para a alimentação dos índios. Isso porque o tamanho e as condições de relevo da área inviabilizam as atividades de subsistência. Além disso, não há água. Os rios estão contaminados pelas fezes de aves e porcos. A região é rica na produção frigorífica, especialmente de aves. É de lá que saem os frangos que abastecem, por exemplo, as empresas Perdigão e Sadia. A produção é extremamente intensiva: o frango fica pronto para o abate com 26 dias de idade.
Historicamente, os Guarani (Mbya, Kaiova e Ñandeva) foram um dos povos indígenas mais avessos ao conflito. Não apenas por sua tradição nômade, mas por causa do seu conceito de território, muito diferente do conceito não-índio. Para estes índios, o seu "território" não tem uma geografia contínua. Envolve todo o complexo de suas relações sociais de reciprocidade, em aldeias próximas e distantes das que eles ocupam em dado momento.
A política indigenista brasileira, no entanto, criou o conceito de "Terra Indígena" para fixar essas populações. Como o rito burocrático para reconhecimento de terras indígenas não estivesse adequado à maneira Guarani de ocupar o espaço, estes índios sofreram de grande atraso em seus processos de demarcação, os quais só vieram se intensificar na década de 1990.
Grande parte de Santa Catarina foi colonizada por particulares. O governo do Estado doava terras a empresas colonizadoras, em troca da abertura de estradas. As empresas, então, loteavam e vendiam as terras a colonos de diversas origens, especialmente imigrantes alemães e italianos. Cabia aos próprios colonos e às empresas colonizadoras o trabalho de “limpar” a terra para torná-la própria ao plantio. Isso incluía afugentar eventuais populações indígenas. Praticamente todo o oeste de Santa Catarina foi colonizado desta maneira. A própria cidade de Chapecó era um povoamento de índios Kaingang, os quais viveram como índios urbanos até o início da demarcação de novas terras em áreas próximas à cidade. Mesmo com todo o processo de contato, os índios mantiveram suas crenças e sua língua.
A CDH ouviu de vários colonos que “não havia índios” quando eles ou seus pais chegaram à região. Alegação estranha, visto que muitos nomes geográficos, inclusive o dos municípios de Chapecó e Cunha Porã, são nomes de origem indígena. No caso da terra Araça’í, a CDH ouviu o depoimento de um pajé de 81 anos, o qual contou como suas casas foram queimadas e suas famílias expulsas quando ele era um jovem de 17. Na terra existe uma área onde estão sepultados os pais e avós deste pajé. Hoje, existe um laudo antropológico que deve ser publicado ainda em 2003. Depois virão as contestações, as pressões políticas, etc. A julgar pelo ritmo atual das demarcações, o pajé – que prometeu a seu povo que só vai morrer quando voltar à terra – terá de esperar, na melhor das hipóteses, mais dois anos.
Durante o processo de identificação da terra Araça’í, os Guarani chegaram a retomar a área, montando um acampamento na estrada que corta as terras. Entretanto, em muito pouco tempo os fazendeiros obtiveram ordem de retirada da justiça federal. A decisão tem um aspecto que envergonha o judiciário brasileiro: o juiz mandou “expurgar” os índios para o Rio Grande do Sul. De fato, os Guarani foram colocados à força num ônibus, mandados ao Rio Grande do Sul, e avisados de que seu regresso estava proibido.
Estes fatos foram narrados na visita ao Toldo do Chimbangue, onde os Guarani se encontram “hospedados”. A partir daí, a Caravana empreendeu uma visita à própria terra Araça’í. Foi combinado com os índios que não haveria qualquer retomada. Apenas uma pequena reza no local onde estão enterrados os seus antepassados. Assim, a Caravana seguiu para o local, que hoje é a fazenda de um colono alemão. Ao chegarmos ao local, lá estava apenas o caseiro. Os deputados e policiais federais pediram-lhe autorização para entrar no local, o que lhes foi concedido. Os índios levaram os deputados ao local do cemitério indígena e realizaram uma celebração de menos de dez minutos.
Entretanto, a movimentação pela estrada já havia chamado a atenção. Os fazendeiros comunicaram-se uns com os outros e a notícia de que “forças federais inspecionavam a área” foi veiculada até pela rádio de Cunha Porã. Em pouco tempo, começaram a chegar os colonos alemães, inclusive os que hoje ocupam a área. Até o prefeito de Cunha Porã compareceu ao local, reclamando que o município não tinha sido avisado. Os colonos protestaram muito contra a visita, alegando que aquilo era um absurdo, e que “se nós tivéssemos sido avisados, colocaríamos duas mil pessoas aqui dentro”. Os deputados argumentaram que a intenção da visita não era a de medir forças entre índios e fazendeiros, mas apenas a de conhecer a região reivindicada pelos índios.
Avessos ao conflito, os índios Guarani entraram rapidamente no ônibus para deixar a área. Apenas alguns Kaingang se posicionaram em torno da roda que os colonos faziam com os deputados. Neste momento o conflito quase se instaurou e a caravana pôde perceber a polarização histórica que existe na região. Reproduzimos abaixo um diálogo presenciado pelos deputados:
(colono) Os Senhores querem ver dança, nós vamos lhes mostrar a dança alemã.
(índio Kaingang) Os alemães podem ir dançar na Alemanha.
(mulher alemã) E vocês podem ir dançar no Paraguai.
A partir daí, os grupos foram separados e os índios deixaram o local, juntamente com a imprensa e a assessoria da caravana. Ficaram apenas os deputados Orlando Fantazzini e Pastor Reinaldo, além do delegado Osmar Tavares e os homens da Polícia Federal. Os deputados fizeram um ronda de automóvel com os colonos, a fim de conhecer a produção nas terras. Quando voltaram, havia ainda mais colonos, todos eles visivelmente nervosos. Pressionaram muito os deputados no sentido de afirmar que não estão dispostos a sair da área.
Por fim, cabe ressaltar que todas as propriedades da região são minifúndios de cerca de 14 hectares. Isso significa que os colonos seriam facilmente contemplados por programas da política de reforma agrária. Além da possibilidade de indenização pelo próprio estado de Santa Catarina, que vendeu as terras ilegalmente, o próprio INCRA poderia criar um programa especial de reassentamento para ocupantes de boa-fé de áreas indígenas.
Audiência Pública na Câmara Municipal de Chapecó
Estiveram presentes na audiência pública, além daqueles que acompanharam a visita à aldeia: o presidente da Câmara Municipal, Amarildo Sperandio de Bairros; a Vereadora autora do requerimento para a audiência pública, Vereadora Joana; os vereadores Euclides, Jose Possá, Jose Dill, Marcio, Delvino, José Brum, Maria Aparecida, Aristides, João Mario, Salvador, Raul, Paulinho, Luiz Antonio Agne, Sanches e Luiz Carlos Bossudo; o Tenente-Coronel PM Ivanor Francisco Schneider; a secretária municipal de saúde, Marlene Foschiene; a Secretária Municipal de Serviços Urbanos, Maura Postal; o representante do mandato do deputado Cláudio Vignatti, Luciano Phillipi; representantes de várias entidades, como o Conselho dos Povos Indígenas de Santa Catarina, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Chapecó, o Movimento de defesa da propriedade, dignidade e justiça, a Associação de Agricultores de Seara, e outros. Tomaram assento à mesa os caciques João Barbosa (aldeia Araça'í), Idalino Fernandes (aldeia Toldo Chimbangue), Alípio Isaias (aldeia condá), Lauri Alves (aldeia Toldo do Pinhal). A Comissão de Direitos Humanos agradece ao presidente da Câmara Municipal, Amarildo Sperandio de Bairros, o qual, diante do atraso da Caravana, suspendeu a sessão legislativa em uma hora, a fim de que a audiência pública pudesse ser realizada.
A realização da audiência pública chegou a ser discutida no plenário da Câmara Municipal, tendo o requerimento de autoria da vereadora Joana sido aprovado por diferença de apenas um voto, fato que demonstra a divisão da comunidade política catarinense com relação à questão indígena.
O cacique João Barbosa afirmou que os Guarani não são contra os colonos, pois estes também são vítimas. Entretanto, ele espera que a justiça tome logo as providências necessárias para que suas terras sejam demarcadas. Outros representantes indígenas também falaram. Ressaltaram o ineditismo da visita da CDH, que pode ser um fator que vá estimular o entendimento, a fim de que os filhos de índios e colonos não cresçam com ódio uns dos outros. Segundo os caciques, os índios perderam suas terras na década de 1940. Na época, não tiveram força para dizer dizer “essa terra é nossa”. Reivindicam que os agricultores tenham a coragem de dizer: “quando nós chegamos os índios estavam aqui”. Ressaltaram o fato de que a própria cidade de Chapecó era área indígena, e que os índios não reivindicam nem um quinto das terras.
O Procurador da República, Pedro Roso, citou um episódio que ilustra o preconceito da população contra os índios. Um radialista local afirmou no ar que se deveria trocar o símbolo do time de futebol da cidade, que é a figuta de um índio. Segundo o radialista, enquanto o símbolo fosse um índio o time nunca iria melhorar. Ao mesmo tempo, o procurador ressaltou o fato de que outras comunidades de Santa Catarina convivem harmonicamente com os índios. Em Chapecó, entretanto, o conflito é acirrado. Um dos problemas de Chapecó é que as fazendas são minifúndios produtivos, com tamanho médio de 13 hectares, que geram renda e impostos. Caberia ao governo federal indenizar as benfeitorias, mas o estado de Santa Catarina deveria reconhecer os ator ilegais que praticou no passado e indenizar as famílias pelo valor da terra. O que não pode acontecer, segundo o procurador, é que os direitos dos índios sejam cerceados.
O representante da Funai conclamou os presentes a resolver o problema sem conflito. A Funai entende que deve tomar medidas urgentes e lamenta o baixo orçamento, que hoje é insuficiente para indenizar todos os agricultores. Entretanto, como a região é de minifúndio, o INCRA deveria elaborar um programa de assentamento diferenciado. Ao mesmo tempo, o estado de Santa Cataina poderia indenizar o agricultor pelo valor das terras. Segundo o representante da Funai, os agricultores, em sua maioria, não são contra as demarcações, mas querem ser indenizados pelo valor da terra.
Os agricultores consideram insatisfatórias as condições para que eles saiam das terras. Caso eles recebam pelas benfeitorias, terão que entrar em financiamentos para comprar novas terras. Propõem que as carta de crédito sejam assumidas pelo Estado ou pela União. Reclamam das Ongs, que os tratam como se fossem invasores, quando de fato eles compraram as terras e agora estão sendo obrigados a "vendê-las" a preço de banana. Também foi citado o exemplo da Aldeia Condá, onde foi feito um leilão junto com a obra Foz do Chapecó, que deveria comprar as terras, mas não quer pagar um preço justo. Há bastante conflito nesta aldeia. Os agricultores denunciam que no mês de outubro o filho de um colono teria sido espancado por indígenas.
O professor Leonel Piovesan, do Conselho dos Povos Indígenas de Santa Catarina, e da universidade da cidade, colocou à disposição o Centro de Estudos e Memórias do Oeste, que possui farta documentação sobre a colonização do oeste de santa Catarina. O conflito existe, é discriminador e violento. “Não tenho nada contra o índio, mas ele que fique no lugar dele”, é uma frase sempre repetida pelos estudantes. Ressaltou que é necessário reconhecer as terras indígenas, mas que o índio também tem direito à vida urbana.
Recomendações
1.0 À Presidência da República:
1.1. Imediata homologação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, nos termos da demarcação administrativa vigente (Portaria 820 do Ministério da Justiça).
1.2. Criação, no âmbito da Presidência da República, de um grupo de elite permanente, para coordenação das ações entre a Funai, Incra, Ibama, DNPM, Abin, Polícia Federal e Funasa, bem como para apurar e combater denúncias de corrupção por funcionários destes órgãos.
1.3. Revogação do Decreto 4412, de 07/10/02, com edição de nova regulamentação sobre a atuação das forças armadas em terras indígenas, cujo princípio regulador deve ser o diálogo e o consenso com as comunidades indígenas envolvidas. Retirada do Quartel da Maloca Uiramutã, Roraima, e reconstrução em local compatível com a vida social da comunidade indígena.
1.4. Normatização da atividade de garimpo de diamante por índios Cinta Larga na Terra Indígena Roosevelt, estado de Rondônia. As normas devem conter a necessidade de presença permanente do Estado, cuja atuação deve estar embasada nos laudos de impacto elaborados por Grupos de Trabalho do órgão indigenista. Os diamantes devem ser vendidos à Caixa Econômica Federal, e a renda auferida deve ser revertida em favor da própria comunidade indígena. Cabe lembrar que esta iniciativa independe da aprovação de Projeto de Lei de regulamentação da mineração em Terras Indígenas. Isto porque garimpo e mineração são atividades distintas, sendo vedado pela Constituição Federal (art. 231, §§ 2.º, 6.º e 7.º) o garimpo em Terras Indígenas por não-índios.
1.5. Cancelamento administrativo de todos os requerimentos de mineração e exploração de recursos naturais que incidam sobre Terras Indígenas, até que seja aprovada a regulamentação do art. 231, §3º, da Constituição Federal.
1.6. Inclusão das estradas e outras obras irregulares em terras indígenas no cadastro geral de obras irregulares.
1.7. Determinação ao Ministério da Defesa e à Polícia Federal para retirada imediata de garimpeiros em atividade na Terra Indígena Yanomami, estado de Roraima.
1.8. Criação de um Conselho Indígena no âmbito do Projeto Avança Brasil, formado por lideranças das comunidades cujas terras possam ser atingidas pelas obras do projeto.
1.9. Determinação ao Ministério da Previdência Social para criação de um programa especial de aposentadoria indígena.
1.10. Determinação ao Ministério do Desenvolvimento Agrário para elaboração de um programa de assentamento diferenciado para agricultores de boa-fé que tenham sido pacificamente retirados de terras indígenas.
1.11. Criação, no âmbito do Ministério da Saúde, de um órgão específico, integrado ao SUS, para formulação da política de saúde indígena.
1.12. Determinação ao Ministério do Meio Ambiente para que:
1.12.1. torne obrigatória a inclusão de laudo antropológico nos estudos de impacto ambiental que apontem conseqüências para recursos naturais de terras indígenas;
1.12.2. elabore normas e regulamentos que garantam a gestão ambiental do entorno das terras indígenas, no sentido de garantir o uso tradicional de recursos naturais pelas comunidades indígenas;
1.12.3. revogue os atos que criam os Parques Nacionais do Monte Roraima e Monte Pascoal, em respeito à prioridade indígena sobre aquelas áreas.
1.13. Determinação ao Ministério da Educação para que:
1.13.1. elabore programas que garantam o acesso dos índios ao ensino universitário, até que a lei venha a dispor sobre eventual educação universitária indígena;
assegure o reconhecimento formal das escolas indígenas que ainda não tenham sido reconhecidas;
Crie os subsistemas de educação indígena, nos moldes dos subsistemas de saúde;
Inclua no currículo escolar da sociedade não-índia o estudo da história e cultura dos povos indígenas.
Imediata suspensão do repasse de recursos federais a municípios que tenham sido criados no interior das Terras Indígenas, após sua regular demarcação.
Imediato empenho dos recursos do Plano Emergencial Pró-Cinta Larga, bem como a imediata mobilização da Polícia Federal no sentido de impedir a invasão das áreas indígenas Cinta Larga.
Imediata promulgação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
Auditoria do Controladoria-Geral da União no sentido de fiscalizar todos os repasses de recursos já efetuados pela Funasa à rede de saúde e às entidades terceirizadas, com o objetivo de atender as populações indígenas.
Orientação à Polícia Federal no sentido de afirmar sua competência exclusiva nas investigações de crimes relacionados a conflitos em terras indígenas.
Criação de uma força-tarefa da Polícia Federal e IBAMA para investigar o desaparecimento de recursos naturais - especialmente diamantes e madeira - de terras indígenas.
2.0 À Fundação Nacional do Índio (FUNAI):
2.1. Urgente demarcação das terras indígenas que ainda restam não demarcadas.
2.2. Imediata reabertura dos trabalhos de identificação das Terra Indígenas Sangradouro e Volta Grande, com designação de proteção federal aos antropólogos responsáveis. Apuração de responsabilidade da Funai local com relação às negociações para não-demarcação das terras.
2.3. Elaboração de um programa de sustentabilidade econômica indígena, com o planejamento de atividades que as comunidades possam realizar sem que coloquem em risco seus costumes e tradições.
2.4. Elaboração de programas permanentes de ações afirmativas para as mulheres indígenas.
2.5. Implementação de um plano de fiscalização e controle permanente de Terras Indígenas que contemple a participação das comunidades envolvidas.
2.6. Intensificação de programas de intercâmbio entre as diversas comunidades indígenas, a fim de que as lideranças possam conhecer as diversas experiências na relação entre índios e não-índios e na criação de programas de desenvolvimento sustentável.
2.7. Imediata criação do Conselho Superior de Política Indigenista, conforme programa de governo do Presidente da República.
2.8. Urgente realização da Conferência Nacional de Política Indigenista, com poderes de influir na elaboração das políticas públicas voltadas para as nações indígenas.
2.9. Que a Funai desautorize expressamente seus funcionários de quaisquer tentativas de negociar a demarcação de terras indígenas a troco de favores e benesses para as lideranças indígenas. Qualquer projeto de "parceria" ou "auxílio" deve estar vinculado à garantia do direito à terra consagrado na Constituição Federal.
2.10. Elaboração de Campanha Nacional de Combate ao Preconceito contra as Comunidades Indígenas.
2.11. Que sejam expressamente desautorizados eventuais planos de assentar a dissidência Xukuru (PE) em áreas que sejam contíguas à atual Terra Indígena Xucuru.
3.0 Ao Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais:
3.1. Imediato julgamento da ação de nulidade de títulos que envolve as Terras Indígenas Caramuru - Catarina Paraguassu, da etnia Pataxó Hã-Hã-Hãe, município de Pau Brasil (BA).
Consolidação de jurisprudência no sentido de definir as terras indígenas em demarcação como terras em disputa, o que facilitaria a impetração de medidas liminares e/ou cautelares no sentido de impedir a construção de estradas, criação de municípios, etc.
Consolidação de jurisprudência no sentido de afirmar a competência federal em processos que envolvem terras indígenas.
Consolidação de jurisprudência no sentido de garantir a assistência antropológica em processos em que índios figuram como réus.
4.0. Ao Congresso Nacional:
4.1. Imediata aprovação do Estatuto do Índio.
4.2. Aprovação da reforma política.
4.3. Auditoria do Tribunal de Contas da União no sentido de fiscalizar todos os repasses de recursos já efetuados pela Funasa à rede de saúde e às entidades terceirizadas, com o objetivo de atender as populações indígenas.
5.0 Aos Estados da Federação, em especial aos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Bahia:
5.1. Aprovação de emenda constitucional nos estados no sentido de permitir a compensação financeira a ocupantes de boa-fé de áreas colonizadas ilegalmente pelo Estado, situadas em terras indígenas.
5.2. Auditoria dos respectivos Tribunais de Contas no sentido de fiscalizar o uso das verbas do ICMS-ecológico e congêneres.
5.3. Determinação às Secretarias de Educação para que assegurem o reconhecimento formal das escolas indígenas que ainda não tenham sido reconhecidas.
6.0. Ao Ministério Público Federal:
Que o MPF desautorize expressamente seus procuradores de quaisquer tentativas de negociar a demarcação de terras indígenas a troco de favores e benesses para as lideranças indígenas. Qualquer projeto de "parceria" ou "auxílio" deve estar vinculado à garantia do direito à terra consagrado na Constituição Federal.
Lotação de mais procuradores responsáveis pela questão indígena, especialmente nos Estados de Rondônia e Mato Grosso.
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