Debate contrapõe modelos de autorregulação do mercado de capitais
Antonio Augusto/Câmara dos Deputados
Deputados ouvem representantes de entidades do mercado de capitais
A principal crítica apresentada no debate ao modelo de autorregulação vigente foi de que as entidades autorreguladoras não funcionam com a necessária independência – o que proporciona insegurança jurídica e alguns conflitos de interesse, afirmaram entidades como a ATS Brasil.
De acordo com a Instrução CVM 461/07 (que tem por base a Lei 6385/76), a autorregulação é obrigatória para a entidade administradora. A norma propõe, na autorregulação, o poder de estabelecer penalidades ao regulado, e pressupõe a autonomia financeira e operacional da entidade.
Na prática, no entanto, nem tudo funciona como a norma estabelece. “Na prática, a autorreguladora não possui autonomia financeira e operacional”, afirmou Alan Gandelman, presidente da ATS Brasil. “Tampouco (possui) representatividade de mercado, tendo em vista a possibilidade de que a própria entidade administradora seja sua controladora”, complementou. Para o presidente da ATS, a estrutura de autorregulação do mercado brasileiro proporciona conflitos de interesse.
Ele citou o caso da BSM, empresa integrante do grupo BM&F Bovespa. Segundo Gandelman, apesar de a BSM realizar mais de mil auditorias em 2014, “nenhuma delas foi realizada na própria estrutura da Bovespa”.
Minutos antes, o representante da BSM, Marcos Torres, havia afirmado que estruturas de Bolsa e de entidade autorreguladora eram completamente distintas, e que a entidade gozava de total autonomia em sua atuação.
Quanto ao controle, Torres observou que a BSM julgou 160 processos entre 2012/2015, o que resultou em 98 condenações de corretoras ou operadores que atuam no sistema Bovespa. As condenações foram informadas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Felipe Claudino, representante da AMEC, disse que essas entidades não são isentas de conflitos de interesse. “O que se pode fazer é mitigar esses conflitos. Limitá-los. Não há entidade perfeita, nem código perfeito. O importante é estar em constante melhoramento”. Para ele, é importante que o regulado seja ouvido e que haja legitimidade e justiça nos processos administrativos abertos pelas entidades de autorregulação.
Aparecida Pagliarini, consultora jurídica da Abrapp, entidade que congrega as entidades de previdência fechada do país, disse que o segmento tem o objetivo de adotar a autorregulação. Mas colocar essa ideia em prática é “muito difícil” em razão da “enorme quantidade de normas jurídicas” que regulam o setor. Ela defendeu que as entidades autorreguladoras atuem de forma absolutamente transparente para que ganhem a confiança do mercado.
Outra crítica ao sistema de autorregulação levantada no debate foi a do não estabelecimento de diferentes dosagens de atuação, conforme o porte da empresa regulada. Caio Villares, presidente da Ancord, ressaltou que a expressão de seu ponto de vista é o mesmo de qualquer regulado. Para ele, “as melhores práticas são oriundas de grandes conglomerados, mas (essas práticas) não são aplicáveis às instituições de pequeno porte”. “Essa estrutura é superdimensionada para a nossa estrutura de capital doméstico”, complementou.
A regulação é estatal
O modelo de autorregulação do mercado de capitais brasileiro é complementar à regulação, explicou Alexandre Pinheiro, superintendente geral da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “A regulação do mercado de capitais é estatal, e a CVM é o regulador único. A CVM não delega o poder de polícia”, afirmou.
O superintendente defendeu o modelo vigente de autorregulação brasileiro e a estrutura do mercado de capitais atualmente ancorada no binômio BM&F Bovespa e Cetip. Para ele, essa estrutura decorre de uma evolução natural do sistema.
Em busca de escala
Mesmo divididos em relação ao modelo a seguir, os 14 palestrantes, representantes das principais entidades do setor, elogiaram o debate promovido pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio. Para eles, os parlamentares podem aperfeiçoar o marco legal de atuação do segmento e proporcionar ao mercado ganho de escala.
O presidente da CDEIC, deputado Júlio Cesar, mostrou-se preocupado com lacunas da Lei que possam permitir insegurança jurídica ou conflitos de interesse, como foi o caso lembrado da empresa OGX, do empresário Eike Batista. Ações ajuizadas na Justiça e na CVM alegam que, ao longo de 2012 e 2013, o então controlador da OGX vendeu sucessivamente grandes volumes de ações de sua companhia em datas anteriores a importantes anúncios que fizeram os preços dos papéis despencarem. “Negociações com esses papéis geraram receitas de R$ 30 milhões/ano para a administradora de mercado”, informou a empresa ATS Brasil.
“Essa legislação precisa ser reformulada para evitar anomalias”, disse o presidente da CDEIC, que também se mostrou preocupado com o efeito da concentração do mercado de capitais, hoje resumido na Bovespa e Cetip.
Roberto Belchior, da BM&F Bovespa, lembrou que todas as bolsas de valores existentes no país no passado acabaram sendo aglutinadas. “Somos amálgama das várias bolsas que existiram e acabaram se fundindo”. Para Belchior a experiência de autorregulação está aberta ao aperfeiçoamento. “Somos praticantes e estimuladores da autorregulação".
Foi consenso também entre os profissionais debatedores que o tamanho atual do mercado de capitais no país está muito aquém de seu potencial.