Debate contrapõe modelos de autorregulação do mercado de capitais

A prática da autorregulação do mercado de capitais brasileiro teve a defesa unânime de seus profissionais. Mas a audiência pública promovida pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio abriu espaço para que representantes de entidades do mercado defendessem propostas alternativas ao atual modelo de autorregulação do setor, que se consolidou no país ao longo das últimas décadas.
15/10/2015 19h45

Antonio Augusto/Câmara dos Deputados

Debate contrapõe modelos de autorregulação do mercado de capitais

Deputados ouvem representantes de entidades do mercado de capitais

A principal crítica apresentada no debate ao modelo de autorregulação vigente foi de que as entidades autorreguladoras não funcionam com a necessária independência – o que proporciona insegurança jurídica e alguns conflitos de interesse, afirmaram entidades como a ATS Brasil.

De acordo com a Instrução CVM 461/07 (que tem por base a Lei 6385/76),  a autorregulação é obrigatória para a entidade administradora. A norma propõe, na autorregulação, o poder de estabelecer penalidades ao regulado, e pressupõe a autonomia financeira e operacional da entidade.

Na prática, no entanto, nem tudo funciona como a norma estabelece. “Na prática, a autorreguladora não possui autonomia financeira e operacional”, afirmou Alan Gandelman, presidente da ATS Brasil. “Tampouco (possui) representatividade de mercado, tendo em vista a possibilidade de que a própria entidade administradora seja sua controladora”, complementou. Para o presidente da ATS, a estrutura de autorregulação do mercado brasileiro proporciona conflitos de interesse.

Ele citou o caso da BSM, empresa integrante do grupo BM&F Bovespa. Segundo Gandelman, apesar de a BSM realizar mais de mil auditorias em 2014, “nenhuma delas foi realizada na própria estrutura da Bovespa”.  

Minutos antes, o representante da BSM, Marcos Torres, havia afirmado que estruturas de Bolsa e de entidade autorreguladora eram completamente distintas, e que a entidade gozava de total autonomia em sua atuação.

Quanto ao controle, Torres observou que a BSM julgou 160 processos entre 2012/2015, o que resultou em 98 condenações de corretoras ou operadores que atuam no sistema Bovespa.  As condenações foram informadas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Felipe Claudino, representante da AMEC, disse que essas entidades não são isentas de conflitos de interesse. “O que se pode fazer é mitigar esses conflitos. Limitá-los. Não há entidade perfeita, nem código perfeito. O importante é estar em constante melhoramento”. Para ele, é importante que o regulado seja ouvido e que haja legitimidade e justiça nos processos administrativos abertos pelas entidades de autorregulação.  

Aparecida Pagliarini, consultora jurídica da Abrapp, entidade que congrega as entidades de previdência fechada do país, disse que o segmento tem o objetivo de adotar a autorregulação. Mas colocar essa ideia em prática é “muito difícil” em razão da “enorme quantidade de normas jurídicas” que regulam o setor. Ela defendeu que as entidades autorreguladoras atuem de forma absolutamente transparente para que ganhem a confiança do mercado.   

Outra crítica ao sistema de autorregulação levantada no debate foi a do não estabelecimento de diferentes dosagens de atuação, conforme o porte da empresa regulada. Caio Villares, presidente da Ancord, ressaltou que a expressão de seu ponto de vista é o mesmo de qualquer regulado. Para ele, “as melhores práticas são oriundas de grandes conglomerados, mas (essas práticas) não são aplicáveis às instituições de pequeno porte”. “Essa estrutura é superdimensionada para a nossa estrutura de capital doméstico”, complementou.

 A regulação é estatal

O modelo de autorregulação do mercado de capitais brasileiro é complementar à regulação, explicou Alexandre Pinheiro, superintendente geral da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “A regulação do mercado de capitais é estatal, e a CVM é o regulador único. A CVM não delega o poder de polícia”, afirmou.

O superintendente defendeu o modelo vigente de autorregulação brasileiro e a estrutura do mercado de capitais atualmente ancorada no binômio BM&F Bovespa e Cetip. Para ele, essa estrutura decorre de uma evolução natural do sistema.    

Em busca de escala

 Mesmo divididos em relação ao modelo a seguir, os 14 palestrantes, representantes das principais entidades do setor, elogiaram o debate promovido pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio. Para eles, os parlamentares podem aperfeiçoar o marco legal de atuação do segmento e proporcionar ao mercado ganho de escala.

O presidente da CDEIC, deputado Júlio Cesar, mostrou-se preocupado com lacunas da Lei que possam permitir insegurança jurídica ou conflitos de interesse, como foi o caso lembrado da empresa OGX, do empresário Eike Batista.  Ações ajuizadas na Justiça e na CVM alegam que, ao longo de 2012 e 2013, o então controlador da OGX vendeu sucessivamente grandes volumes de ações de sua companhia em datas anteriores a importantes anúncios que fizeram os preços dos papéis despencarem.  “Negociações com esses papéis geraram receitas de R$ 30 milhões/ano para a administradora de mercado”, informou a empresa ATS Brasil.

“Essa legislação precisa ser reformulada para evitar anomalias”, disse o presidente da CDEIC, que  também se mostrou preocupado com o efeito da concentração do mercado de capitais, hoje resumido na Bovespa e Cetip.

Roberto Belchior, da BM&F Bovespa, lembrou que todas as bolsas de valores existentes no país no passado acabaram sendo aglutinadas. “Somos amálgama das várias bolsas que existiram e acabaram se fundindo”. Para Belchior a experiência de autorregulação está aberta ao aperfeiçoamento. “Somos praticantes e estimuladores da autorregulação".    

Foi consenso também entre os profissionais debatedores que o tamanho atual do mercado de capitais no país está muito aquém de seu potencial.