MENSAGEM Nº 461, DE 02 DE AGOSTO DE 2004.
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei nº 47, de 2004 (nº 2.109/99 na Câmara dos Deputados), que "Dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, altera o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969, as Leis nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, nº 4.728, de 14 de julho de 1965, e nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e dá outras providências".
Ouvidos, a Advocacia-Geral da União e o Ministério do Meio Ambiente manifestaram-se pelo veto ao seguinte dispositivo:
Art. 64.
"Art. 64. Na produção imobiliária, seja por incorporação ou parcelamento do solo, em áreas urbanas e de expansão urbana, não se aplicam os dispositivos da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965."Razões do veto
"O art. 225 da Constituição da República impõe ao poder público o dever de defender o meio ambiente, aí incluído o dever de `definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos' (§ 1º, inciso III). Também impõe especial proteção da Floresta Amazônica brasileira, da Mata Atlântica, da Serra do Mar, do Pantanal Mato-Grossense e da Zona Costeira (§ 4º do mesmo artigo).
Os contornos exatos dessa proteção são aqueles constantes da lei ordinária, sendo constitucionalmente admissível alterar tal proteção de modo a torná-la mais ou menos rígida. No entanto, não é constitucionalmente admissível a simples supressão da norma de proteção ambiental, constante da Lei nº 4.771, de 1965 - Código Florestal, em especial, referente às áreas urbanas já existentes e também às áreas de futura expansão urbana.
Com efeito, o art. 64 do projeto de lei sob análise estabelece que qualquer construção de imóvel (sequer está restringido para residência) em qualquer área que não seja totalmente afastada de zona urbana não se sujeita à Lei nº 4.771, de 1965, fazendo as vezes de norma geral, aplicável a todas as pessoas, órgãos e instituições. Considerando que a Lei nº 4.771, de 1965 é um dos pilares da política ambiental do País, sendo pois, um dos mais importantes instrumentos de gestão ambiental, ter-se-á o afastamento de todas as condicionantes ambientais, relativas às construções.
Assim, temos que o dispositivo viola o art. 225 da Constituição da República ao afastar todas as limitações à construção em áreas de preservação permanente, área de Mata Atlântica, Serra do Mar, Zona Costeira etc." A Casa Civil manifestou-se pelos seguintes vetos:
Art. 819-. da Lei nº 10.406, de 2002 - Código Civil, incluído pelo art. 58 do projeto de lei:
"Art. 819-A. A fiança na locação de imóvel urbano submete-se à disciplina e extensão temporal da lei específica, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial." (NR)Razões do veto
"Não está clara a conseqüência prática do dispositivo. Aventou-se a possibilidade de o dispositivo ser uma tentativa de afastar a aplicação do art. 835 do novo Código Civil, o qual dispõe:
`Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor.
"Contudo, não se pode afirmar que o dispositivo inserto seria causa de afastamento da aplicação do art. 835 do Código Civil. Primeiro, porquanto não há afirmação expressa de que o art. 835 seja incompatível com a lei de locações. Segundo, porque, se o dispositivo fosse incompatível com a lei de locações, o afastamento se daria independentemente de previsão legal expressa, mas apenas com base nas regras normais de hermenêutica.
Ademais, tornando mais obscura a conseqüência material do dispositivo, tem-se o disposto no art. 2.036 do Código Civil:
`Art. 2.036. A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida.
Por fim, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, examinando disposição do Código Civil antigo, análoga ao atual art. 835, admitiu a renúncia do direito de exoneração da fiança, como se observa do seguinte precedente:
`CIVIL. LOCAÇÃO. EXONERAÇÃO DA FIANÇA. RENÚNCIA EXPRESSA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. ARTIGO 1500 DO CÓDIGO CIVIL. PRORROGAÇÃO DO CONTRATO. POSSIBILIDADE. (...)
- A Jurisprudência assentada nesta Corte construiu o pensamento de que é válida a renúncia expressa ao direito de exoneração da fiança, mesmo que o contrato de locação tenha sido prorrogado por tempo indefinido, vez que a faculdade prevista no artigo 1500 do Código Civil trata de direito puramente privado.
- Recurso especial não conhecido.'
(RESP 280577/SP; DJ de 24 de abril de 2001. Min. Rel. Vicente Leal. Data de decisão 26 de março de 2001. 6ª Turma)
Portanto, querendo, o locador pode exigir que o fiador renuncie à possibilidade de exoneração da fiança. Neste ponto, por conseguinte, não há elemento de insegurança jurídica.
Assim, não é possível compreender os efeitos materiais exatos da norma proposta, o que gerará insegurança jurídica no ambiente dos negócios de locação imobiliária e torna conveniente o veto por contrariedade ao interesse público."
§ 1º do art. 1.336 da Lei nº 10.406, de 2002 - Código Civil, alterado pelo art. 58 do presente projeto de lei:
"Art. 1.336 ......................................................................
...................................................................................................
I - .............................................................................................
§ 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados, ou, não sendo previstos, o de um por cento ao mês e multa sobre o débito aplicada progressiva e diariamente à taxa de 0,33% (trinta e três centésimos por cento) por dia de atraso, até o limite estipulado pela Convenção do Condomínio, não podendo ser superior a dez por cento.
........................................................................................" (NR)Razões do veto
"O novo Código Civil estabeleceu o teto de dois por cento para as multas condominiais, adequando-as ao já usual em relações de direito privado.
A opção do Código Civil de 2002, diploma legal profundamente discutido no Congresso Nacional, parece-nos a mais acertada, pois as obrigações condominiais devem seguir o padrão das obrigações de direito privado. Não há razão para apenar com multa elevada condômino que atrasou o pagamento durante poucas semanas devido a dificuldade financeira momentânea.
Ademais, observe-se que o condomínio já tem, na redação em vigor, a opção de aumentar o valor dos juros moratórios como mecanismo de combate a eventual inadimplência causada por má-fé. E neste ponto reside outro problema da alteração: aumenta-se o teto da multa ao mesmo tempo em que se mantém a possibilidade de o condomínio inflar livremente o valor dos juros de mora, abrindo-se as portas para excessos.
Por fim, o dispositivo adota fórmula de cálculo da multa excessivamente complexa para condomínios que tenham contabilidade e métodos de cobrança mais precários, o que poderá acarretar tumulto na aplicação rotineira da norma, eliminando pretensas vantagens."
Art. 62.
`Art. 62. O art. 1º da Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
"Art. 1º ......................................................................
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, serão admitidos, além dos títulos ou documentos de dívida cujo protesto esteja previsto em lei, os títulos executivos extrajudiciais, os títulos ou documentos cuja dívida esteja sujeita a cobrança pelo procedimento sumário, inclusive quando emitidos sob forma de documento eletrônico ou decorrentes de processo de conversão eletrônica, efetuada pelo credor mediante autorização expressa do devedor." (NR)'
Razões do veto
"A inclusão do dispositivo certamente se deu com a nobre intenção de facilitar o protesto de títulos, simplificando as transações comerciais. Contudo, a redação adotada apresenta deficiências que geram resultados opostos ao pretendido.
Com efeito, o caput fala genericamente `em obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida", o que permite levar a protesto praticamente todo tipo de `documento de dívida". Contudo, a proposta inclui parágrafo único contendo rol de documentos sujeitos a protesto que poderá ser interpretado como exaustivo. A questão é que diversos tipos de documentos estão excluídos do novo parágrafo, o que trará insegurança jurídica.
Na parte final do dispositivo incluiu-se regra sobre documentos eletrônicos, utilizando também a expressão `decorrente de processo de conversão eletrônica', que se apresenta como alternativa ao conceito de `documento eletrônico, mas os contornos não estão claros. Seria esse documento `decorrente de processo de conversão eletrônica também documento eletrônico Teria ele de atender aos requisitos de autenticidade e integridade usuais dos documentos eletrônicos E no caso das duplicatas e de outros títulos protestados por indicação (v. g. art. 41 do projeto sob análise), seria necessário `autorização expressa do devedor¿ para o protesto por indicação São, pois, muitas as dúvidas e obscuridades nesse aspecto.
De outra parte, mesmo quanto aos documentos eletrônicos a intenção da proposta já está amparada pela legislação em vigor.
Com efeito, a Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, que institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, estabelece no art. 10 serem válidos para todos os fins legais os documentos eletrônicos certificados digitalmente nos termos da norma citada, não sendo necessário sequer manifestação expressa de consentimento das partes contratantes caso se utilizem os padrões da ICP-Brasil (§ 1º do dispositivo citado). Ademais, o novo Código Civil contém previsão expressa quanto à possibilidade de uso de documentos eletrônicos para os títulos de crédito (art. 889, § 3º). Deste mesmo diploma legal se extrai também a possibilidade de as partes utilizarem documento eletrônico não certificado pela ICP-Brasil se não houver impugnação do conteúdo (art. 225).
Por fim, a nova regra poderia ser interpretada como inovação em relação às normas hoje existentes e impugnada a validade dos protestos de títulos expressos sob a forma de documento eletrônico realizados antes da nova lei, gerando insegurança jurídica." O Ministério da Justiça manifestou-se pelo veto ao seguinte dispositivo:
Art. 39. da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, alterado pelo art. 61 do presente projeto de lei:
"Art. 39. Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias se estende até a efetiva devolução do imóvel, mesmo nos casos de prorrogação legal." (NR)Razões do veto
"Diz a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, que `Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes", acerca das garantias locatícias, que, no contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia:
I - caução;
II - fiança; ou
III - seguro de fiança locatícia (art. 37).
No seu art. 39 estabelece, verbis:
`Art. 39. Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel.'
De acordo com o art. 61 da redação final do Projeto de Lei nº 3.065, de 2004, de autoria do Poder Executivo, que se restringia a alterar o art. 32 da Lei de Locações referida - acrescendo-lhe um parágrafo único - o art. 39 transcrito, caso sancionada a proposição, passaria a vigorar acrescido da expressão `mesmo nos casos de prorrogação legal'.
Veja-se que, nas locações residenciais ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a trinta meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso (caput do art. 46 da Lei nº 8.245, de 1991). Findo o prazo ajustado, se o locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e condições do contrato (§1º, art. 46, Lei nº 8.245, de 1991).
Quando ajustada verbalmente ou por escrito e com prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga-se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel nos casos especificados nos incisos do art. 47 da Lei de Locações.
Também nos casos de locação por temporada, findo o prazo ajustado, se o locatário permanecer no imóvel sem oposição do locador por mais de trinta dias, presumir-se-á prorrogada a locação por tempo indeterminado (art. 50 da Lei nº 8.245, de 1991).
Nesses casos, se a garantia for prestada na modalidade fiança, prorrogado o contrato de locação como referido - s.m.j., a prorrogação legal aventada pela proposta -o fiador estará excessivamente onerado em sua obrigação, à luz do entendimento jurisprudencial assente.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que o contrato acessório de fiança deve ser interpretado de forma restritiva, vale dizer, a responsabilidade do fiador fica delimitada a encargos do pacto locatício originariamente estabelecido, de modo que a prorrogação do contrato por tempo indeterminado, compulsória ou voluntária, sem a anuência dos fiadores, não os vincula, pouco importando a existência de cláusula de duração da responsabilidade do fiador até a efetiva devolução do bem locado.
Aliás, `O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu', conforme a Súmula nº 214 do STJ.
Em razão do exposto, dado o alcance e os efeitos negativos que a nova regra poderia proporcionar, faticamente, nos contratos de fiança, firmados acessoriamente aos contratos locatícios, e porque contrária à opção normativa adotada pelo novíssimo Código Civil pátrio e ao entendimento jurisprudencial assente pautado no equilíbrio das relações contratuais e na boa-fé dos contratantes, manifestamo-nos, com base no § 1º do art. 66 da Constituição Federal, pelo veto, por interesse público, da medida normativa ínsita no art. 39 da Lei nº 8.245, de 1991." Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional. Brasília, 2 de agosto de 2004.