Altera o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941 (desapropriação por utilidade pública) e as Leis nºs 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (registros públicos) e 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (parcelamento do solo urbano).
MENSAGEM Nº 153, DE 29 DE JANEIRO DE 1999
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do parágrafo 1º do artigo 66 da Constituição Federal, decidi vetar parcialmente, por contrariar o interesse público, o Projeto de Lei nº 52, de 1998 (nº 3.818/93 na Câmara dos Deputados), que "Altera o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941 (desapropriação por utilidade pública) e as Leis nºs 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (registros públicos) e 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (parcelamento do solo urbano)".
Ouvido, o Ministério da Justiça opinou pelo veto aos §§ 2º e 3º do art. 2º e ao parágrafo único do art. 51 da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, propostos pelo art. 3º do projeto.
"§ 2º do art. 2º da Lei no 6.766, de 1979:
"§ 2º Considera-se desmembramento a subdivisão total ou parcial de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros públicos, ressalvados a modificação, a ampliação e o prolongamento dos já existentes ou a abertura de uma única via pública ou particular de acesso exclusivo aos novos lotes." (NR)
Razões do veto
"A redação dada ao § 2º do art. 2º da Lei nº 6.766, de 1979, altera a definição de desmembramento para admitir "a modificação, a ampliação e o prolongamento de vias e logradouros públicos já existentes ou a abertura de uma única via pública ou particular de acesso exclusiva aos novos lotes."
De acordo com a tradição jurídica, as únicas formas de parcelamento do solo são o loteamento e o desmembramento, sendo o primeiro a repartição de gleba de lotes, com atos de urbanização, e o segundo repartição de glebas sem atos de urbanização. O loteamento distingue-se do desmembramento por implicar "abertura de novas vias de circulação ou logradouros públicos." A relevância da distinção consiste no fato de que o loteamento acarreta ônus para o loteador, que é obrigado a destinar área da gleba ao poder público, para sistema de circulação viária, implantação de equipamentos urbanos e comunitários e espaços livres de uso público.
Ao admitir o desmembramento com acréscimo do sistema viário, a proposta confunde ambas as figuras, estimulando a adoção de desmembramento, já que para essa modalidade de parcelamento não se exige a destinação de área da gleba ao poder público, o que provocará, seguramente, escassez de espaço para a implantação de escolas, centros de saúde, praças e outros equipamentos necessários aos futuros parcelamentos, em prejuízo da comunidade local."
§ 3º do art. 2º da Lei no 6.766, de 1979:
"§ 3º Considera-se gleba o terreno que não foi objeto de parcelamento aprovado ou regularizado e registrado em cartório."
Razões do veto
"O art. 3º do projeto, ao incluir o § 3º ao art. 2º da Lei nº 6.766, de 1979, define gleba como sendo "o terreno que não foi objeto de parcelamento aprovado ou regularização em cartório".
Em assim sendo, todo o terreno que tenha sido objeto de parcelamento deixa de ser gleba, passando a ser lote. Essa conceituação permitirá a prática do desdobro sucessivo de lotes, beneficiando, assim, apenas os loteadores, que, por não contemplar a Lei nº 6.766, de 1979, a figura do desdobro, ficarão desobrigados de atender às exigências por ela impostas, sob o argumento de que esse diploma legal só se aplica à subdivisão de glebas em lotes e não a desdobro de lotes.
Tendo em vista que compete ao Município, por força do art. 30, VIII, da Constituição Federal, o planejamento do parcelamento do solo urbano, com o fim de promover o adequado ordenamento territorial, melhor seria que não se aceitasse o § 3º proposto, até mesmo porque, o § 4º sugerido, ao definir lote, indiretamente define gleba, uma vez que os conceitos são complementares."
Parágrafo único do art. 51 da Lei nº 6.766, de 1979:
"Parágrafo único. As infrações previstas no art. 50 deixam de ser consideradas crimes se as irregularidades previstas nesta Lei forem sanadas até o oferecimento da denúncia."
Razões do veto
"Cabe lembrar, por oportuno, que os crimes capitulados na Lei do Parcelamento do Solo Urbano constituem crimes contra a Administração Pública, sendo, portanto, sujeito passivo desse delito o poder público. A adoção da medida projetada só servirá para beneficiar desonestos e inescrupulosos loteadores que, respaldados pela lei, poderão realizar urbanizações clandestinas impunemente, reservando para as hipóteses em que forem indiciados a efetiva execução de suas obrigações."
Convém trazer à colação o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 11.080-SP, cuja ementa é a seguinte:
"Não se justifica o trancamento da ação penal em face de o loteamento haver sido regularizado antes do recebimento da denúncia. Cuida-se, in casu, de crime formal, que se caracteriza pela simples potencialidade de dano à administração pública, sendo irrelevante a ausência de prejuízo para os adquirentes dos lotes, porquanto a tutela jurídica alcança o bem particular per accidens. Recurso conhecido e provido"."
Em seu voto, o Ministro Costa Leite assim se pronunciou:
"É de sabença comum que o Poder Público não raramente se vê contingenciado a regularizar loteamentos, a despeito de todos os inconvenientes que possam representar em termos de política urbanista, em razão dos aspectos sociais envolvidos.
Como dito nas razões recursais, "a prosperar o entendimento sufragado pela decisão recorrida ter-se-ia uma situação muito cômoda para os violadores da lei: inicia-se o parcelamento, cria-se uma situação de fato e só depois, com a intervenção das autoridades, procura-se regularizar o empreendimento, sem que os transtornos causados à população em geral e à administração pública seja objeto de censura penal.
Com a Lei nº 6.766/97, como pondera Marino Pazzaglini Filho, "o objeto da tutela penal passou a ser o interesse público referente ao desenvolvimento urbano e o interesse coletivo representado pela defesa do agrupamento dos adquirentes de lote", arrematando com a nota de que o delito se consuma com o simples comportamento do agente, independentemente da ocorrência de prejuízo para qualquer indivíduo."
Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar em parte o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.
Brasília, 29 de janeiro de 1999.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO