Legislação Informatizada - LEI Nº 202, DE 2 DE MARÇO DE 1936 - Veto

LEI Nº 202, DE 2 DE MARÇO DE 1936

Dispõe sobre o imposto do Sello Federal

MENSAGEM

Senhores Membros do Poder Legislativo.

Havendo sancionado, com as restricções constantes do veto em separado, o projeto de lei n.º 22, de 1935, que dispõe sobre o imposto do sello federal, tenho a honra de devolver dois dos autographos que acompanharam a Mensagem de 18 de fevereiro próximo passado.

Rio de Janeiro, 2 de março de 1936. - Getúlio Vargas.

Exmo. Senhor Director da Secretaria do Senado Federal.

Tenho a honra de enviar a V. Ex., afim de que se digne apresenta-lá aos Excellentíssimos Senhores Membros da Secção Permanente, a inclusa Mensagem de Sua Escellência o Senhor Presidente da República, devolvendo dous dos autographos do projecto de lei n.º 22, de 1935, que dispõe sobre o sello federal, sancionando com as restrições constantes do veto incluso.

Aproveito o ensejo para reiterar a V. Ex. os meus protestos de elevada consideração e distincto apreço.

Rio de Janeiro, 2 de março de 1936. - Luiz Vergara, Secretário, interino.

RAZÕES DE VETO

O acto legislativo consubstanciado nos autographos annexos e que dispõe sobre o novo regime de incidência do sello federal, com um sistema de regras mais claras e precisas, é sem duvida, dentre muitos outros emanados do Congresso Nacional, um dos de maior efficiência e de mais accentuada projecção nos meios economicos e financeiros do Paiz.

Através das emendas offerecidas ao projecto nas duas casas legislativas, e do interesse por elle despertado, percebe-se o esforço despendido pelo respresentantes da Nação, afim de dotar a Fazenda Pública de uma lei que satisfaça plenamente aos objectos visados, traçando normas efficientes á arrecadação do tributo e, ao mesmo tempo, cercando o contribuinte das mais amplas garantias para a defesa dos seus interesses. Impressiona sobretudo o modo por que procuram corrigir as lacunas e os excessos da legislação anterior, dando aos dispositivos do projecto mais clareza, melhor feição e maior objectividade.

Todavia, nem todas as disposições nelle contidas podera ser sancionadas pelo Executivo; algumas porque contrariam o interesse fiscal; outras por estabelecerem regras inexequiveis; outras, ainda, porque collidem com disposição diversa do próprio corpo do projecto, e, finalmente, as de dificil applicação, que não devem ser adoptadas em benefício do próprio contribuinte.

Do exame dos differentes dispositivos dessa lei, verifica-se que os seguintes pontos se encontram nas condições indicadas:

a) o artigo 6º declara que, no caso de obrigação garantida por fiança ou caução de qualquer espécie, prestada por terceiro, se cobrará, além do sello devido pela obrigação, mais o relativo ao valor da caução ou fiança.

Sempre se entendeu, na esphera administrativa, que as obrigações garantidas por fiança ou caução estavam sujeitas a sello proporcional duplo. Essa interpretação, fundada na letra e no espírito dos textos legaes, não distinguia a caução feita pelo próprio contractante da que houvesse prestado um terceiro e é certo que, depois de longamente discutida a materia, ficou mantida essa directriz de modo pacifico e uniforme. Sobre ser um critério legal, é o que mais se ajusta aos princípios da justiça e da equidade.

Trata-se, além disto, de questão levada aos tribunais judiciários pelos interessados. Si, em decisão final, a Fazenda tiver ganho de causa, é claro que não soffrerá alteração a jurisprudência fiscal: de modo contrario, ficará entendido que o sello só será cobrado quando a obrigação for garantida por fiança ou caução prestada por terceiro e, neste caso, não há por que manter a referida expressão;

b) a alínea 6 do art. 12 exceptua da isenção concedida aos papéis do Montepio dos Servidores do Estado, Instituto de Previdência dos Funccionários da União, Previdência dos Sub-Tenentes e Sargentos do Exercito e Caixas e Institutos de Aposentadorias e Pensões, todos os papeis referentes aos civis e militares, taes como documentos que transitarem pelas instituições acima referidas, "desde que os mesmo militares e civis percebam mais 250$000 mensaes e que, a partir de 1935, tenham sido beneficiados com majorações de vencimentos superiores a 14%".

Pelo examo attento do dispositivo, verifica-se quão dificil será os interessados produzir a prova de perceberem mensalmente mais do que aquella importância e a de que não foram beneficiados, a partir de 1935, com augmento de estipendios superiores a 14%. De tal natureza é a exigência que decerto, aos que vençam menos de 250$000 mensaes e não tenham sido contemplados com a referida majoração, preferível será pagar o imposto a pleitear a isenção na forma do projecto. Para obviar a esses inconvenientes e evitar um regime confuso e de irremovíveis dificuldades, é de todo aconselhável que se não mantenha a excepção, devendo assim a regra generalizar-se de modo absoluto.

c) Reza o art. 17, que a falta de pagamento ou insufficiência do sello não determinará a suspensão do andamento de processo administrativo ou judiciário, devendo porém o sello ser pago antes de decisão final, salvo os casos estabelecidos sem lei; e que, em se tratando de processo de liquidação de divida passiva da União, se exigirá o sello por ocasião de pagamento.

A medida, que assim se pretende introduzir na lei de sello, torna extensiva aos processos administrativos e judiciários a excepção aberta pelo direito vigente quanto aos processos criminaes e policiaes. Tal providência, porém, além de inoportuna, porque a pratica anterior nunca levantou reclamações, acaretaria prejuízo ao Erario Público toda vez que ficasse sem solução definitiva o processo. A hypothese merece ser lembrada, pois, conhecidas são as delongas e protelações no foro judiciário e na esphera administrativa. Em quanto não for possível, portanto, dar tramite regular e rapido aos referidos processos, não convem á Fazenda Nacional a adopção, da norma prescripta no dispositivo em exame.

d) O procedimento traçado aos agentes do fisco no § 3º do art. 18, vem crear os maiores entraves á punição dos infractores. Véda esse dispositivo, nos casos de infracção, que sejam apprehendidos os títulos de crédito em poder de estabelecimentos bancarios ou commerciaes devendo ser intimado o portador a guardal-os como fiel depositário; o autoante lavraria termo de deposito assignado-o juntamente com o depositário e duas testemunhas.

Há casos em que se impõe a pericia immediata no título como acontece na hypotese de sello falso ou de sello servido. Como se harmonizaria, nessa hypotese, a urgência do xame pericial com o deposito do título determinado no dispositivo? Ainda constituiria entrave á acção do fisco a recusa, por parte do autuado, de assignar o termo de deposito, uma vez que essa formalidade é exigida e o projeto não declara o modo de supprir a sua falta.

Estas considerações induzem á convicção de que merece ser mantida a norma vigente; apprehender-se o título em que se verifique a infração, podendo ser restituido ao infractor desde que não haja inconveniente para a apuração da falta.

e) Estatue o § 1º do art. 27 que os recursos deverão ser encaminhados á instância superior independentemente de deposito, caução ou fiança, salvo em se tratando de penalidades superiores a cinco contos de réis, quando se exigirá uma daquellas garantias, á escolha do contribuinte.

Esse processamento dos recursos vae de encontro aos interesses fiscais.

Sem o prévio deposito, a legislação actual não admite o recurso. Permite, porém, que a garantia seja dada por meio de caução, comprovadamente idonesa, quando a importância total em litigio exceda de 5:000$000.

Esse preceito salutar é da maior conveniência para o Fazenda, que se premune deste modo contra os possíveis abusos dos que, agindo de má fé, procuram fugir ás sanções da lei, por todas as formas possíveis, indo até ao extremo de mudar a firma commercial.

Para o contribuinte que observa as leis e regulamentos ficaes, a exigência de deposito ou caução, na forma vigente, não constitue um vexame; ao passo que, para os defraudadores, é sempre medida coercitiva e indispensável ao fisco.

Devem, assim desaparecer da lei, por meio vetó, as expressões que dispensa, aquellas garantias.

f) A parte do § 2º do mesmo art. 27, que estabelece recurso para o Ministro da Fazenda, das decisões julgando inidonea a caução, representa uma innovação injustificavel.

Os julgamentos em primeira instancia competem aos delegados fiscaes e directores de recebedoria. Os funcionários investidos nessas commissões, arcando com a responsabilidade superviniente, não se abalançarão a fulminar caução provadamente idonea, e, quando o façam, a segunda instância, para a qual deve ser interposto o recurso, corrigirá o erro. A diversidade de tramitação, sobre tumultuar os processos administrativos, contraria a orientação seguida, neste particular, pelos estatutos fiscaes.

g) Desnecessaria, igualmente, no corpo da lei a disposição constante do art. 29, pois o que alli se determina sobre o pagamento de diferença de sello por verba, quando se verifique insuficiência, já se acha consignado na letra g do § 1º do art. 19. Occorre, além disto que a segunda parte do artigo - cobrança da diferença na hypothese de divergência, com interpretação posterior - está em franca divergência com o que dispõe o art. 16.

Em taes condições, impõe-se o véto desse dispositivo.

h) O n. 6 da Tabella A faz incidir o sello nas contas correntes "somente quando ajuizadas".

A restrição quasi que annulla a incidência do imposto, por isso que o reconhecimento do saldo, fora de juízo, não fica sujeito a sello, ainda que feito de modo o mais solene.

E este um assumpto que soffreu amplo debate nas instancias administrativas ante o que a respeito dispunha o decreto n.º 17.538, de 1926. As mais altas autoridades fiscaes, interpretando acertadamente o art. 103 e paragrapho único desse decreto, firmaram a doutrina de que o reconhecimento do saldo, pelo devedor, sujeitava a conta corrente a sello, ainda que não houvesse sido ajuizada. Essa doutrina, de salutares efeitos para a Fazenda, está alicerçada em eruditos pareceres e julgados definitivos. Nenhuma conveniência ha na sua modificação e, vetando a ementa do alludido n.º 6, a partirda palavra somente, ter-se-á mantido o princípio firmado.

i) A lettra a, n. 15, § 1º, da Tabella B, estabelece a incidencia do sello fixo de 1$000 para os conhecimentos de carga,  por via maritima ou area, sellado apenas o original ou documento que o substitua desde que as demais vias contenham impressa a expressão "não negociável", em caracteres destacados.

Antes do mais, não há necessidade de mencionar nessa letra os casos de insenção dos conhecimentos de carga, por quanto já se acham previstos, e de melhor modo, no § 1º, alinea 11, do art. 12 do projecto. Assim, melhor será que figurem na lettra a, referida, somente as expressões "de carga, por via maritima ou aera", cancellando-se, por outra parte, na mencionada alínea 11 do art. 12, as palavras "por via maritima", de vez que, constando desse último dispositivo, restringem a isenção ali consignada unicamente aos conhecimentos de carga por via maritima, deixando excluidos os conhecimentos aereos.

j) Nenhuma razão plausivel poderia dictar a isenção que o n.º 31 do § 1º da Tabella B estabelece para os livros fiscaes. As leis sempre os taxaram, de modo que, opondo o veto a semelhante isenção, o Poder Executivo apenas mantem a tradição tributária.

As razões expendidas visam o interesse nacional, ao mesmo passo que traduzem a realidade dos factos que se relacionam com a lei do sello federal, resguardados os princípios basicos sobre que assenta esse instituto, sem quebra dos direitos de acção que assiste aos contribuintes.

Pelos motivos expostos, resolvo, usando das attribuições que me confere o art. 45 da Constituição Federal, oppor o meu véto aos artigos 17, 18, § 3º, e 29, da Resolução Legislativa annexa, assim como as seguintes expressões contidas nos dispositivos abaixo mencionados:

Art. 6.º - "prestada por terceiro".

Art. 12, § 1º, alinea 6 - desde que os mesmos militares e civis percebam mais de duzentos de cincoenta mil réis 9250$) mensaes e que a partir de 1935, tenham sido beneficiados com majorações de vencimentos superiores a 14%".

Art. 12, § 1º, alínea 11 - "por via maritima".

Art. 27. § 1º - "devendo ser encaminhados a instancia superior independentemente de deposito, caução ou fiança, salvo em se tratando de penalidades superiores a cinco contos de réis (5:000$000), quando será exigida uma daquelas garantias, á escolha do contribuinte".

Art. 27, § 2º - "para o ministro da Fazenda".

Tabella A, n. 6 - "sómente quando ajuizadas, não se estando, consequentemente, sujeitos a sello os extractos de contas e documentos de simples conferências e respectivas confirmações".

Tabella B, § 1º, n. 15, letra a - "sellado apenas o original ou documento que o substitua, desde que as demais vias contenham impressa a expressão "não negociável", em caracteres destacados".

Tabella B, § 1º, n. 31 - "excluidos os fiscaes".

Restitua-se o referido projecto n.º 22-A, de 1935, com estas razões de véto, á Camara dos Deputados, na forma recommendada pelo mencionado dipositivo constitucional.

Rio de Janeiro, 2 de março de 1936. - GETÚLIO VARGAS


Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da União - Seção 1 de 30/06/1936


Publicação:
  • Diário Oficial da União - Seção 1 - 30/6/1936, Página 14474 (Veto)