Legislação Informatizada - DECRETO-LEI Nº 6.141, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1943

DECRETO-LEI Nº 6.141, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1943

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

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20 de dezembro de 1943.

 

 

Sr. Presidente:

 

Tenho a honra de apresentar a V. Excia. Um projeto de reorganização do ensino comercial. Três são os textos elaborados: o da lei orgânica do ensino comercial, o do regulamento da estrutura dos cursos de formação do ensino comercial e o do decreto-lei que contém as disposições transitórias para execução da nova legislação.

Síntese histórica

O histórico da matéria mostra que, até os últimos tempos da primeira República, o ensino comercial não teve organização geral em nosso país. As regulamentações expedidas, omissas e rara, não buscaram estabelecer as linhas e os processos de um sistema dêsse ensino, mas se limitaram a dispor sôbre determinados estabelecimentos de ensino existentes.

Sòmente em 1923, o Congresso Nacional tomou iniciativa de determinar que se instituísse a fiscalização dos estabelecimentos de ensino comercial e de recomendar a adoção de um padrão legal para os seus cursos. O decreto n. 17.329, de 29 de maio de 1926, deu execução ao preceito, e foi a partir de então que o ensino comercial teve entre nós organização uniforme.

O sistema não podia, entretanto, perdurar. Os currículos fixados não tinham atualidade, eram os mesmos que os mesmos que o decreto n. 1.339, de 9 de janeiro de 1905, estabelecera para a Academia de Comércio do Rio de Janeiro, com a circunstância de terem sido agravados pelo aumento de disciplinas.

A reforma, decretada em 1931 pelo Govêrno Provisório, deu um novo e importante passo. Comunicou ao sistema existente o sentido das exigências modernas, discriminando várias modalidades de cursos que pudessem atender ao desenvolvimento do comércio e dos negócios administrativos de ordem pública e privada em nosso país. Essa discriminação, possibilitando uma orientação profissional mais precisa, permitiu a constituição de currículos menos pesados e portanto mais exequíveis.

Doze anos de experiência aconselham agora uma revisão da matéria.

Antes do mais observemos que foi acentuado o progresso que nesse período se verificou no nosso ensino comercial. Poucos dados estatísticos bastarão para indicar o progresso indicativo. Em 1931, eram 83 os estabelecimentos de ensino comercial reconhecidos; êsse número subiu a 304 no ano de 1943. A matrícula em 1931 era apenas de cêrca de doze mil e quinhentos alunos; no corrente ano, atingiu a cêrca de setenta mil. Por outro lado, elevou-se de um modo geral a regularidade e a eficiência da organização e da vida escolar. Êsse progresso qualitativo teve início com a regulamentação centralizadora de 1926, mas sobretudo se verificou a partir de 1931, em virtude do novo e minudente sistema legal e das providências executivas cada vez mais amplas e eficientes que vierem a ser tomadas pelo Ministério da Educação;

Os ciclos e os cursos

Na reforma agora empreendida, é logo de notar, como matéria de predominante interêsse, a discriminação e definição dos cursos.

O ensino comercial é definido como o ramo de ensino de segundo grau destinado à preparação dos candidatos ao exercício de determinadas funções específicas do comércio e de funções administrativas gerais no serviço público e nas empresas particulares.

Sendo o ensino comercial considerado como de segundo grau, na sua estrutura não se incluiu a matéria relativa ao estudo, no mais elevado grau, das ciências econômicas e administrativas. Essa matéria terá lugar adequado na legislação do ensino superior, cujo projeto de reforma se acha em fase de adiantado estudo.

O presente projeto divide o ensino comercial em dois ciclos, à semelhança do que já se fez com relação ao ensino secundário e ao ensino industrial.

No primeiro ciclo, é instituído um só curso de formação, denominado curso comercial básico, sequente ao ensino primário e desdobrado em quatro anos de estudos.

No segundo ciclo, são constituídos cinco cursos de formação, ou cursos comerciais técnicos, que são os seguintes: curso de comércio e propaganda, curso de administração, curso de contabilidade, curso de estatística e curso de secretariado. Cada um terá a duração de três anos e será acessível aos diplomados pelo curso comercial básico e bem assim aos que tiverem concluído o curso ginasial do ensino secundário ou o curso normal de primeiro ciclo.

O ensino no primeiro ciclo

Desaparece, por esta forma, o curso propedêutico, de três anos de estudos, da atual legislação do ensino comercial. Os estudos próprios dêsse curso não seriam suficientes às exigências dos cursos comerciais técnicos que a reforma institue no segundo ciclo. Por outro lado, não se justificaria que o ensino comercial, definido como um ramo de ensino comercial, definido como um ramo de ensino de caráter profissional, figurasse um curso de finalidade estrictamente propedêutica, isto é, um curso de formação geral. Tal curso, no nível do primeiro ciclo, é o curso ginasial, constante da vigente legislação do ensino secundário.

O curso de auxiliar do comércio ora existente, de dois anos de estudos, com a finalidade de preparar empregados do comércio e auxiliares de escritório, também não deverá subsistir, dada a deficiência de sua organização. O ensino dêsse curso não logrou apreciável desenvolvimento. O número de estabelecimentos de ensino comercial, que o ministram em todo o país, atingiu, até o ano passado, apenas a 18, com uma matrícula, sòmente de cêrca de oitocentos e cinquenta alunos.

O curso comercial básico agora criado passará a constituir o curso único do primeiro ciclo do ensino comercial. Será um curso de finalidade profissional, tendo como objetivo a formação de auxiliares de escritório tanto para o serviço público como para a administração das atividades particulares, mas que também possibilitará aos que o concluírem o ingresso em qualquer dos cincos cursos comerciais técnicos do segundo ciclo.

O ensino no segundo ciclo

A vigente legislação do ensino comercial discrimina, no nível do segundo ciclo, cinco cursos técnicos: o de secretário, o de guarda-livros, o de administrativo-vendedor, o de atuário e o de contador.

O curso de secretário, com um ano apenas de estudos, é de organização rudimentar. Pouca difusão veio a ter. Só se ministra em 16 estabelecimentos de ensino, com uma matrícula de cêrca de trezentos e cinquenta alunos.

Trata-se entretanto de um curso reclamado pela extensão e complexidade de nossas atividades burocráticas públicas e particulares.

Os autores que tratam da matéria, como Sarah A. Taintor, Training for secretarial practice, e Suzanne F. Cordelier, Femmes au travail, salientam a importância da função e a necessidade de uma elevada preparação geral e técnica para o seu desempenho.

O projeto se orientou nesse sentido, mantendo o curso, mas dando-lhe uma estrutura mais ampla (três anos em vez de um), com uma seriação de estudos de maior envergadura.

O curso de guarda-livros é transformado num curso novo: o curso de contabilidade. Êste curso, com três anos de estudos, ainda abrangerá, na sua seriação, disciplinas ora incluídas no curso de contador.

O curso de administrador-vendedor, tal como o estruturou a legislação vigente, não corresponde às exigências da vida comercial. É dado apenas em um estabelecimento de ensino, com a matrícula, no ano passado, de seis alunos.

Ao envés dêsse curso, a reforma institue o curso de comércio e propaganda, com três anos de estudos, visando à preparação de profissionais aptos ao exercício de atividades e operações do comércio em múltiplas e difíceis modalidades.

As matérias dos cursos de atuário e de contador (excluída a parte própria do ensino de que trata a presente reforma) e do curso superior de administração e finanças, definidos pela vigente legislação, passam ao ensino superior. A constituição dos cursos que as devam ministrar será definida na legislação dêsse ensino.

Curso de administração e curso de estatística

A reforma institue dois cursos novos de segundo ciclo: o de administração e o de estatística.

O grande adiantamento a que, em nosso país, chegou nos últimos anos a organização administrativa, tanto nas emprêsas particulares como sobretudo nos serviço públicos federal, estadual e municipal, tornou maior a necessidade de uma preparação metódica dos que pretendem exercer qualquer das modalidades de funções administrativas gerais. Essa preparação não deverá ser sòmente de nível universitário, mas cumpre que se estenda às categorias de empregados e servidores de nível menos graduado. O  curso de administração ora crido tem essa finalidade.

Por outro lado, em vista da extensão e aperfeiçoamento que vieram a ter os nossos serviços estatísticos, tanto públicos como particulares, já não é bastante que a estatística se estude apenas como uma disciplina constitutiva de determinados cursos do ensino de segundo grau ou do ensino superior. A instituição de um curso específico se apresenta como necessária solução. É claro que a preparação profissional, no curso ora instituído, só diz respeito à categoria dos candidatos aos serviços auxiliares de estatística. A alta preparação, também neste campo das atividades profissionais, se reserva ao ensino superior.

Articulação e constituição dos cursos

Outro ponto essencial da reforma é a articulação justa, coerente e precisa que se estabelece entre o ensino comercial e as demais modalidades de ensino que com êle se relacionam.

É o ensino comercial, do mesmo modo que o ensino industrial e o ensino agrícola, concebido como um ramo de ensino profissional do sector de ensino de segundo grau, abrangendo dois ciclos.

Assim definido e delineado, articula-se o ensino comercial, em primeiro lugar, com o ensino primário, cuja preparação é considerada necessária mas também suficiente ao ingresso no curso de primeiro ciclo, isto é, no curso comercial básico, dispensando-se o expediente, certamente antipedagógico, de um curso de admissão.

Articula-se ainda com o curso ginasial (primeiro ciclo do ensino secundário) e com o curso normal de primeiro ciclo. A conclusão tanto de um como de outro habilitará ao ingresso em qualquer dos custos de segundo ciclo ou cursos comerciais técnicos: o de comércio e propaganda, o de administração, o de contabilidade, o de estatística e o de secretariado.

Finalmente, o ensino comercial se articula com o ensino superior, pelo direito que é atribuído aos que concluírem qualquer dos cursos comerciais técnicos de ingressar em curso de ensino superior relacionado com os estudos de segundo ciclo concluídos.

Dessa concepção do ensino comercial, da posição que lhe foi dada e da elevação de conteúdo educativo que se lhe quís conferir, resultou a necessidade de serem os seus currículos constituídos não apenas de disciplinas de cultura técnica, mas também de disciplinas de cultura geral que completem a formação intelectual da personalidade adolescente, e de serem neles obrigatórias as práticas educativas que concorram para a formação da personalidade física e moral dos alunos. A inclusão da disciplina de economia doméstica no ensino comercial feminino de primeiro ciclo é ainda uma resultante dessa orientação.

Conclusão

Enfim, a reforma procura dar aos diferentes pontos da organização e do regime do ensino comercial uma ampla, metódica e discriminada definição.

A matéria relativa à constituição dos cursos e à instituição e funcionamento dos estabelecimentos de ensino comercial, e bem assim a que diz respeito à vida e ao regime escolar, sob todos os aspectos, encontram no projeto uma disciplina lógica e segura.

Creio poder assegurar a V. Excia. que, decretada a presente reforma, poderá o nosso ensino comercial, hoje já tão cheio de consideráveis realizações, conquistar maiores progressos e atingir a um aperfeiçoamento que o torne mais adequando às exigências da vida comercial e dos negócios administrativos de nosso país.

Apresento a V. Excia. os meus protestos de cordial estima e profundo respeito.

 

Gustavo Capanema

 

  EG.