Legislação Informatizada - DECRETO LEGISLATIVO Nº 9, DE 1994 - Exposição de Motivos

DECRETO LEGISLATIVO Nº 9, DE 1994

Aprova o texto da Convenção Interamericana sobre Conflitos de Lei em Matéria de Cheques, concluída em Montevidéu, em 8 de maio de 1979, durante a II Conferência Especializada Interamericana de Direito Internacional Privado.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS Nº 326/CJ/DEA/DAI-MRE/PAIN - LOO - Z 26, DE 27 DE AGOSTO DE 1992, DO SENHOR MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

     Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

     Elevo à consideração de Vossa Excelência o anexo projeto de mensagem pela qual se submete ao referendo do Congresso Nacional o texto da Convenção Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matéria de Cheques, celebrada em Montevidéu em 8.5.79, na II Conferência Especializada Interamericana sobre Direito Internacional Privado (CIDIP-II), com base em projeto elaborado pela Comissão Jurídica Interamericana.

     2. O referido instrumento foi assinado, naquela data, em nome do Governo brasileiro, pelo Professor Haroldo Teixeira Valladão, uma das nossas maiores autoridades em direito internacional privado, que havia exercido, por dez anos, o cargo de Consultor Jurídico do Itamaraty. Foi firmado, igualmente, na mesma ocasião ou em datas posteriores, por outros quatorze países latino-americanos. Ratificada por quatro desses países, entrou em vigor em 14.6.80, nos termos do artigo 14. O Governo brasileiro, embora não tivesse objeções à mesma, não havia iniciado, até hoje, os trâmites necessários à sua ratificação.

     3. A Convenção de Montevidéu substitui outra, sobre a mesma matéria, celebrada no Panamá durante a CIDIP-I, em 1975. Esta, conquanto firmada pelo mesmo plenipotenciário, tampouco foi ratificada pelo Brasil, embora tivesse entrado em vigor entre (Fl. 2 da EM nº 326 /CJ/DEA/DAI-MRE, de 27.08.92) outros nove países latino-americanos, permanecendo hoje vigente entre aqueles que ainda não ratificaram a de Montevidéu.

     4. Comentando a Convenção do Panamá de 1975 em seu Direito Internacional Privado (vol. III, Rio de Janeiro, 1978, p. 33-35), antes, portanto, do advento da Convenção de Montevidéu, dizia o Professor Valladão que a matéria dos cheques nas convenções internacionais latino-americanas surgira no Código Bustamante, art. 271, a estender as regras sobre letras de câmbio às promissórias e outros títulos, aditando "os cheques". Já na revisão dos Tratados de Montevidéu de 1940, no Tratado de Direito Comercial Terrestre Internacional acrescentou-se no Título VI, "Das Letras de Câmbio e demais Títulos à Ordem", um texto especial, art. 33, mandando aplicar as disposições sobre letras, também aos cheques, mas com algumas exceções. Seriam consagradas na Conferência do Panamá, 1975, que as adotaria integralmente. As exceções concerniam à grande importância data, para o cheque ao critério da lei do lugar do pagamento que passava a reger: o prazo de apresentação; se pode ser aceito, cruzado, certificado ou confirmado; e os efeitos dessas operações; os direitos do possuidor sobre a provisão de fundos e a natureza de tais direitos; os direitos do sacador para cancelar o cheque ou opor-se ao pagamento; a necessidade do protesto ou outro ato equivalente para conservar os direitos contra os endossantes, o sacador ou outros obrigados; e as demais situações referentes às modalidades do cheque. Segundo o referido jurista, estas exceções eram perfeitamente explicáveis, e lembrava que ele mesmo havia proposto na Conferência do Panamá que as obrigações do emitente ou do aceitante não se deviam reger pela lei do lugar do ato, mas pela lei do lugar do pagamento, qual se fizera com o cheque que constitui uma ordem de pagamento, uma letra contra um banco. (Fl. 3 da EM nº 326 /CJ/DEA/DAI-MRE, de 27.08.92).

     5. O que levou o CIDIP a elaborar uma nova versão da Convenção do Panamá foi, entre outros, o fato de esta, afora a enumeração das exceções apontadas por H. Valladão, acima enumeradas, limitar-se, quanto às demais regras, a fazer remissão à Convenção Interamericana sobre Conflitos de leis em Matéria de Letras de Câmbio, Notas Promissórias e Faturas, celebrada na mesma Conferência de 1975. Isto acarretou o inconveniente de que, embora se tratasse de dois instrumentos formalmente independentes entre si, só poderiam ser partes da Convenção sobre Cheques os países que, simultaneamente, o fossem daquela referente aos outros títulos de crédito.

     6. Esta é a diferença básica entre as duas Convenções Interamericanas sobre Conflitos de Leis em matéria de Cheques. A de 1979 substituiu a simples remissão feita pela de 1975 por uma série de artigos em que se estabelecem as regras aplicáveis no tocante a: forma de emissão, aval, protesto e demais atos jurídicos que possam materializar-se no cheque, os quais ficam sujeitos à lei do lugar em que cada um dos referidos atos for praticado; todas as obrigações resultantes de um cheque, as quais se regem pela lei do lugar onde foram contraídas, não se estendendo às demais obrigações validamente assumidas de acordo com a lei do lugar onde tiverem sido contraídas a eventual invalidade de uma ou mais obrigações contraídas num cheque; procedimentos e prazos para o protesto de um cheque ou outro ato equivalente para preservar os direitos contra os endossantes, o emitente ou outros obrigados, os quais ficam sujeitos à lei do lugar em que o protesto ou esse outro ato equivalente for praticado ou deva ser praticado; entendimento de que, quando não for indicado no cheque o lugar em que tiver sido contraída a obrigação respectiva ou praticado o ato jurídico materializado no documento, a referida obrigação ou ato teve origem no lugar em que o cheque deva ser pago e, se este não constar, no lugar de sua emissão.

     7. No tocante à capacidade para obrigar-se por meio de cheque, determina o art. 1 da Convenção de Montevidéu que ela reger-se-á pela lei do lugar onde a obrigação tiver sido contraída, ou seja, a lex loci actus. Estendendo ao cheque o comentário de Valladão ao art. 1º da Convenção Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matéria de Letras de Câmbio, Notas Promissórias e Faturas (Panamá, 30.1.75), a qual adota idêntico princípio, constituiria tal disposição um grande passo à frente, transformando em regra salutar, a facilitar amplamente a circulação do título, a exceção à lei pessoal que se abrira na Convenção de Genebra Destinada a Regular Certos Conflitos de Leis em Matéria de Cheques, de 19.3.31, art. 2º, 2ª alínea. Mas, atendendo-se ao princípio da lei mais favorável à validade do ato, prescreveu-se que a incapacidade decorrente da nova regra não prevaleceria em território de Estado contratante, se o signatário do título fosse capaz pela lei desse mesmo Estado (op. cit., p. 32). Registre-se, porém, que a regra geral de capacidade adotada pela Convenção de Genebra, da qual o Brasil é o único membro americano, é a da lei pessoal, em harmonia com o art. 7º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.

     8. Além disso, a Convenção de Montevidéu acrescentou aos casos que não determinados pela lei do lugar em que o cheque deva ser pago, os seguintes: sua natureza; as modalidades e seus efeitos; as pessoas contra as quais pode ser emitido; se pode ser emitido para depósito em conta e os efeitos dessa operação; se o portador pode exigir ou se está obrigado a receber um pagamento parcial; e as medidas que devem ser adotadas em caso de roubo, furto, falsificação, extravio, destruição ou inutilização material do documento. Finalmente, dispõe que os cheques que forem apresentados a uma câmara de compensação inter-regional reger-se-ão pela Convenção no que for aplicável; e faz a ressalva de que a lei declarada aplicável pela mesma poderá não ser aplicada no território do Estado parte que a considere manifestamente contrária à sua ordem pública, regra de praxe em instrumentos do gênero.

     Respeitosamente,

CELSO LAFER
Ministro de Estado das Relações Exteriores


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 1 de 24/04/1993