Legislação Informatizada - DECRETO LEGISLATIVO Nº 12, DE 1987 - Exposição de Motivos

DECRETO LEGISLATIVO Nº 12, DE 1987

Aprova o texto do Acordo de Cooperação no Campo dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear, celebrado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo d República Popular da China, em Pequim, a 11 de outubro de 1984.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DEM/ DAI/ SAL/ DAPC-I/ 277/ 664.2 (B-46) (E-33), DE 30 DE NOVEMBRO DE 1984,
DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES.

 

     A Sua Excelência o Senhor
     João Baptista de Oliveira Figueiredo
     Presidente da República

 

     Senhor Presidente,

 

     Tenho a o honra de encaminhar a Vossa Excelência, em anexo, o texto do Acordo de Cooperação entre os Governos da República Federativa do Brasil e da República Popular da China no campo dos usos pacíficos da energia nuclear, assinado em Pequim, em 11 de outubro de 1984. O presente acordo foi precedido de 1984. O presente acordo foi precedido pela assinatura de Memorandum de Entendimento sobre cooperação nos usos pacíficos da energia nuclear, no dia 29 de maio de 1984, quando da visita oficial de Vossa Excelência à República Popular da China, e no qual constava referência à intenção dos dois países de concluir um instrumento nos moldes do que veio a ser firmado em Pequim. 

     2. O acordo prevê cooperação nas áreas de pesquisa básica, construção de centrais nucleares e reatores de pesquisa, prospecção e processamento de urânio, fabricação de elementos combustíveis, segurança nuclear e produção e aplicação de isótopos. A cooperação prevista nesse instrumento deverá realizar-se basicamente através do intercâmbio de cientistas e técnicos, bem como de informações e documentação; da realização de seminários; e do fornecimento de consultorias e serviços técnicos. 

     3. Dentre as razões que fundamentam a conclusão do referido acordo, figuram aspectos comuns a ambos os países no que tange a seus respectivos contextos energéticos. Com efeito, tanto na RPC como no Brasil, o maior potencial hídrico se encontra em regiões afastadas dos principais centros de consumo de energia elétrica, circunstância agravada pelas dimensões continentais de ambos. Cerca de 70% do potencial hídrico chinês (380 milhões de Kilowatts de recursos hídricos) se situa nas altas montanhas do Tibete, em Sichuan e em Guizhou, distante por conseguinte da região costeira do Leste, onde se concentram as atividades industriais mais importantes. No Brasil, o maior potencial hídrico (45,9%) está concentrado na região Amazônica. 

     4. Além dos recursos hídricos, a RPC dispõe das seguintes fontes energéticas: petróleo, urânio e carvão. Cerca de 60% de suas jazidas de carvão (reservas verificadas de 700 bilhões de toneladas) - atualmente principal fonte energética do País - encontra-se no Norte, o que encare o minério, dado o alto custo de seu transporte até os centros de atividade industrial no Leste. As reservas carboníferas, brasileiras se concentram no Sul do país e apresentam em geral alto teor de cinzas. 

     5. Como no Brasil, as reservas chinesas de urânio são por sua vez importantes e suficientes para manter em operação, por aproximadamente trinta anos, reatores a água pressurizada com capacidade total de 15.000 Mw. Os chineses detêm tecnologia de exploração e processamento de urânio e têm capacidade tecnológica para produzir combustíveis nucleares e gerenciar combustível irradiado. Dispõem de usinas de difusão gasosa e realizam estudos avançados no âmbito da separação de isótopos por laser. 

     6. A RPC conta, hoje, com uma dezena de reatores de pequeno e médio portes, alguns dos quais sofisticados, voltados para a pesquisa. Seu programa nuclear, iniciado nos anos 50, não previu, contudo, um amplo desenvolvimento da nucleoeletricidade, através de grandes centrais nucleares. Hoje, com a necessidade premente de expandir a oferta eletricidade, a China volta-se para a nucleoeletricidade para atender a oferta de eletricidade para atender à demanda crescente de energia resultante de seu desenvolvimento industrial. De fato, a meta de produção de nucleoeletricidade a ser atingida no ano 2000 é de 10 mil Mw. 

     7. No momento, está sendo construída a usina Quinshan, na província de Zhejiang, de 300 Mw (reator a água pressurizada), cujo vaso de pressão deverá ser fornecido pela Westinghouse e alguns outros equipamentos por uma firma da República Federal da Alemanha. Pretende-se que essa usina entre em operação em 1988. Duas outras unidades de 900 Mw (também reatores a água pressurizada) deverão ser construídas, a partir deste ano, em Daya Bay, província de Guangdong, com a cooperação de firmas inglesas e francesas. Espera-se que ambas estejam concluídas em 1990.  

     8. Em suma, embora já bastante avançado em termos de pesquisa básica, o programa nuclear chinês somente a partir de 1982 deu impulso ao seu setor industrial, razão por que a RPC deverá absorver tecnologia externa, entre outros meios, mediante acordos com os que já assinou com a RFA e até o momento apenas rubricou com os EUA. Particular ênfase nesse sentido é dada agora acordo firmado com o Brasil. 

     9.Como é sabido, o programa nuclear brasileiro, que teve seu inicio nos anos trinta e expressivos impulso na década de 1970, norteia-se por princípios semelhantes aos do programa nuclear chinês, quais sejam a busca de autonomia no domínio da tecnologia nuclear e a cooperação internacional como meio auxiliar na obtenção daquela autonomia. 

     10. Por outro lado, os programas nucleares brasileiro e chinês têm tido evoluções distintas, o que favorece a cooperação entre os dois países, já que o setor em que o Brasil tem maior experiência e já absorveu alguma tecnologia - a indústria nuclear - é aquele em que a RPC tem menos desenvolvimento relativo. De fato, o programa chinês desenvolveu a pesquisa básica com o domínio completo de todo ciclo nuclear, ao passo que o brasileiro tem impulsionado os vários setores da atividade nuclear, notadamente o da produção de nucleoeletricidade, com a correspondente construção de usinas nucleares. 

     11. Ao mesmo tempo, a experiência brasileira que vem sendo consolidada no setor da indústria nuclear, tem recebido certo reconhecimento internacional e é objeto de acentuado interesse por parte dos chineses. Prova desse interesse foi a visita ao Brasil, no período de 18 a 24 de agosto de 1984, do Vice-Ministro da Comissão Estatal Econômica, Sr. Lin Zong Tang, à frente de missão composta por funcionários daquela Comissão, do Ministério da Indústria Mecânica e do Ministério da Indústria Nuclear. Os visitantes percorreram os canteiros de obras das Usinas de Angra-II e III, as instalações da Núcleo e da Núcleo, o Complexo Industrial de Resende (onde se encontram a Fábrica de Elementos Combustíveis e a usina de enriquecimento), a COMFAB e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). 

     12. Durante as visitas acima referidas, a missão chinesa pôde inteirar-se, de forma concreta, da relativa experiência já adquirida pelo Brasil no setor, bem como da tecnologia efetivamente absorvida no âmbito do Acordo Brasil/RFA. Nos entendimentos mantidos pelo Vice-Ministro Lincom autoridades brasileiras do setor, ficou evidenciado que os objetivos comuns de produzir nucleoeletricidade, bem como a postura de principio semelhante dos dois países de busca e autonomia tecnológica nuclear, ensejam oportunidade para que o Brasil possa eventualmente cooperar com os chineses, em composição com firmas alemãs que já trabalham no Brasil no âmbito de acordo com a RFA, no setor da indústria nuclear. Em contrapartida, o avanço já obtido pela RPC em relação à tecnologia como um todo, bem como em setores da atividade nucelar outros que não o industrial, tais como o da pesquisa básica e da aplicação da energia nuclear nos sectores da saúde e da agricultura, deve ser considerado como elemento importante no intercâmbio e cooperação entre os dois países. 

     13. O quadro acima descrito sugere bem a complementaridade que existe entre os programas nucleares do Brasil e da RPC. É exatamente com base nessa complementaridade e nas possibilidade que poderão advir para a cooperação entre os dois países nos níveis técnico, industrial e comercial que se tornou necessária uma moldura institucional como o acordo que vem de ser assinado, capaz de balizar a cooperação desejada. 

     14. Vale, ao mesmo tempo, ressaltar não somente os aspectos puramente técnicos, econômicos e comerciais, mas também aqueles de natureza política envolvidos no presente acordo. Com efeito, o peso específico da RPC no contexto da política mundial, e mais particularmente asiática e a importância do Brasil no contexto dos latino-americanos e dos países em desenvolvimento em geral emprestam ao acordo nuclear firmado entre os dois uma significação especial. Nesse sentido, cabe mencionar o fato de haverem as autoridades chinesas, durante as negociações do acordo ressaltado a importância que atribuam ao mesmo por ser ele o primeiro instrumento internacional firmado na área nuclear pela RPC com um país em desenvolvimento. Dessa maneira, aquelas autoridades deixaram clara sua intenção de não confinar seu relacionamento internacional no campo nuclear apenas com os país desenvolvidos e já estabelecidos no mercado internacional no setor de tecnologia nesse setor, com base nos recursos naturais nele disponíveis e na diversificação de seu parque industrial. Essa posição é igualmente compartilhada pelo Brasil que, como se sabe, já assinou vários acordos de cooperação nos usos pacíficos da energia nuclear com países em desenvolvimento. 

     15. Tendo em vista a natureza do referido acordo faz-se necessária sua ratificação, após aprovação do Poder Legislativo, conforme o disposto no Artigo 44, inciso I, da Constituição Federal. 

     16. Nessas condições, submeto à elevada consideração de Vossa Excelência o anexo projeto de Mensagem ao Congresso Nacional para encaminhamento do texto do aludido acordo á apreciação do Poder Legislativo. 

Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência, Senhor Presidente, os protestos do meu mais profundo respeito. - Ramiro Saraiva Guerreiro.


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 1 de 06/11/1985


Publicação:
  • Diário do Congresso Nacional - Seção 1 - 6/11/1985, Página 13149 (Exposição de Motivos)