Legislação Informatizada - DECRETO LEGISLATIVO Nº 46, DE 1974 - Exposição de Motivos
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DECRETO LEGISLATIVO Nº 46, DE 1974
Arova o texto do Acordo Comercial entre a República Federativa do Brasil e a Comunidade Econômica Européia, firmado em Bruxelas, a 19 de dezembro de 1973.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DPC/DE-I/DAI/076/811 (070) (B46), DE 5 DE MARÇO DE 1974, DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
A Sua Excelência o Senhor
General-de-Exército
Emílio Garrastazu Médici,
Presidente da República.
Senhor Presidente,
Tenho a honra de submeter à alta consideração de Vossa Excelência, em anexo, o texto do acordo comercial não preferencial entre o Brasil e a Comunidade Econômica Européia (CEE), assinado em Bruxelas a 19 de dezembro de 1973.
2. Conforme é do conhecimento de Vossa Excelência o acordo em apreço é resultado de longas e difíceis negociações entre o Brasil e a Comunidade, que se estenderam de novembro de 1971 a dezembro de 1973.
3. Já em 1970 tinham-se iniciado estudos sobre a possibilidade de celebração do acordo, por razões de ordem política e econômica. No primeiro caso, porque a importância política da CEE se acentuava; no segundo, tinha-se em mente um amplo acordo que assegurasse a participação e o crescimento das exportações brasileiras no mercado comunitário, tendo inclusive em vista a probabilidade de adesão do Reino Unido à CEE, com o conseqüente alinhamento da tarifa alfandegária britânica, geralmente mais baixa, à Tarifa Externa Comum e o eventual acesso preferncial ao mercado comunitário ampliado de vários Estados membros da Comunidade Britânica de Nações.
4. Para elaborar a posição brasileira foi constituído um grupo interministerial, coordenado pelo Itamarati. A proposta à Comunidade foi apresentada a 18 de maio de 1971 e nela se enfatizava a importância das relações comerciais entre o Brasil e a Comunidade pelas seguintes razões:
a) desde 1968 o Brasil é o principal fornecedor e comprador latino-americano da Comunidade;
b) desde 1969 a CEE é o principal mercado para as exportações brasileiras;
c) o Intercâmbio comercial já ultrapassava amplamente 1 bilhão de dólares (com a CEE ampliada para 9 países atingiu 28 bilhões de dólares em 19721.
5. Poucos dias depois, o Ministro João Paulo dos Reis Velloso visitou Bruxelas e entrevistou-se com o então Presidente da Comissão da Comunidade, Franco Malfatti, tendo enfatizado na ocasião a importância que o Brasil atribuía à rápida conclusão do acordo com a CEE.
6. Depois de conversações exploratórias, de novembro de 1971 a marco de 1972 foram realizadas negociações em duas fases, de março a junho e de novembro a dezembro de 1973. A delegação brasileira foi integrada por representantes do Itamarati Ministério da Fazenda, Indústria e Comércio, Transporte, Planejamento e Coordenação Geral e Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil, nos termos das Exposições de Motivos DPC/079, de 9 de março e DPC/102, de 19 de março de 1973. A delegação comunitária consistia em funcionários da Comissão da CEE.
7. Na primeira fase decidiu-se circunscrever os debates a dois produtos de interesse mais imediata do Brasil; café solúvel e manteiga de cacau, cujas tarifas seriam aumentadas pela adesão do Reino Unido à CEE. Os problemas relativos a outros produtos ficaram para ser apreciados pela Comissão Mista a ser criada pelo Acordo.
8. Ao final dessa fase e nos entendimentos informais realizados nos meses que se seguiram, foram estabelecidas as bases que as duas partes consideraram aceitáveis para o acordo a respeito dos dois produtos: abertura de contingentes comunitários autônomos a tarifas de 9% para café solúvel e 8% para manteiga de cacau, a serem inseridos no esquema geral de preferências tarifárias que a Comunidade mantém para países em desenvolvimento (SGP) , contingentes esses que teriam aumento anual de acordo com as necessidades comunitárias. Do Brasil seriam exigidas contrapartidas relativas às suas políticas de comercialização e de preços, as quais seriam implementadas de modo a não causar perturbações no mercado comunitário e poderiam ser objeto de exame pela Comissão Mista.
9. Nessas condições, obteve o Brasil que as tarifas da Comunidade fossem reduzidas de metade no caso do café solúvel e de um terço no caso da manteiga de cacau, como compensação da elevação das tarifas do Reino Unido. O conjunto dessas medidas deverá assegurar a manutenção das condições de acesso desses nossos dois produtos aos mercados dos "Nove".
10. Do lado brasileiro não houve dificuldades em aceitar as bases mencionadas no parágrafo anterior. Do lado comunitário, porém, o andamento do assunto foi muito mais complexo, surgindo dificuldades por parte de alguns Estados membros da CEE. A França achava que as tarifas: propostas eram muito baixas, não garantindo proteção à produção dos associados africanos, e queria uma melhor definição dos compromissos do Brasil; a Holanda estabelecia como pré-requisito para as concessões tarifárias a café solúvel e manteiga de cacau a eliminação das tarifas sobre as respectivas matérias-primas (café verde e cacau em amêndoas); o Reino Unido desejava, ao contrário da França, tarifas mais baixas do que as propostas pela Comissão e, tal como a Holanda, desejava também a eliminação das tarifas sobre as matérias-primas.
11. Ao longo de todo o período das negociações, o Itamarati desenvolveu intensas gestões diplomáticas em cobertura à ação dos negociadores brasileiros, dentre as quais caberia mencionar: a convocação pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores de todos os Embaixadores de países membros da CEE no Brasil; a visita empreendida pelo Secretário-Geral das Relações Exteriores à Europa, quando foi portador de cartas pessoais do Ministro de Estado a seus colegas dos países-membros da Europa dos "Seis", e, finalmente, na etapa decisiva das negociações, convocação dos Embaixadores dos "Nove" pelo Secretário-Geral das Relações Exteriores, combinada com a entrega simultânea, nas capitais européias, pelos embaixadores brasileiros de Notas vazadas em termos muito firmes, demonstrando que o Brasil não estaria disposto a adiar, para além do final de 1973, a conclusão das negociações e a assinatura do Acordo e considerada a aplicação de medidas retaliatórias. Tais medidas chegaram a ser objeto de entendimento preliminar com o Senhor Ministro da Fazenda.
12. Essas gestões surtiram efeito, tendo os três países recalcitrantes abandonado suas objeções, o que permitiu ao Conselho de Ministros da CEE aprovar, por unanimidade, o mandato de diretrizes complementares de negociações em sua sessão de 5/6 de dezembro de 1973.
13. A segunda fase das negociações foi curta, tendo durado de 4 a 6 de dezembro de 1973. É bem verdade que a Comissão e a Delegação brasileira já se haviam reunido informalmente de 19 a 25 de novembro, tendo acertado a maioria dos pontos secundários do acordo, o que permitiu ultimá-la formalmente nos três dias finais, quando foram estabelecidos os textos definitivos. Esses textos foram rubricados a 12 de dezembro. Integraram nossa delegação nessa segunda fase, além dos representantes do Itamarati, os Senhores Akihiro Ikeda, do Conselho de Política Aduaneira, Carlos Alberto de Andrade Pinto, Presidente do Instituto Brasileiro do Café, Comandante Jorge Almir de Parga Nina, da Superintendência Nacional de Marinha Mercante, e Victor Gradin, Presidente da Comissão do Comércio de Cacau da Bahia.
14. Em nome do Brasil, firmou o acordo o Embaixador Antonio Corrêa do Lago, Chefe da Missão do Brasil junto às Comunidades Européias, em Bruxelas; em nome da Comunidade, o Embaixador dinamarquês Niels Ersboll, atual Presidente do Comitê de Representantes Permanentes dos Estados-Membros da CEE, e o Senhor Wolfgang Ernst, da Direção Geral das Relações Exteriores da Comissão da Comunidade.
15. As características do Acordo são as seguintes: Acordo comercial não-preferencial, isto é, subordinado à aplicação da cláusula de nação mais favorecida (GATT) pela qual o tratamento reciprocamente convencionado se estenderá a terceiros países; as concessões feitas pela CEE ao Brasil se inserem, contudo, no quadro do Sistema Social Geral de Preferências, o que restringe a extensão dessas preferências apenas aos países em desenvolvimento.
16. O acordo entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte à data em que as duas partes se notificarem ter sido satisfeitas as exigências das respectivas legislações nacionais. É concluído por um período de três anos, após o qual será renovado anualmente, a não ser que alguma das partes o denuncie três meses antes da data de expiração. Já em 1.º de janeiro de 1974, entretanto, a CEE e o Brasil puseram em vigor as disposições relativas a café solúvel e manteiga de cacau previstas no seu artigo 5.
17. Suas principais disposições são as seguintes:
a) café solúvel e manteiga de cacau - abertura pela CEE de contingentes anuais a tarefas reduzidas, inseridos em seu esquema de preferências generalizadas para países em desenvolvimento e suscetíveis de aumento anual, de acordo com as necessidades e importações da Comunidade, nas seguintes bases; café solúvel - 18.750 toneladas à tarifa de 9%, assim distribuídas: Reino Unido, 15.900 toneladas; BENELUX (Bélgica, Holanda e Luxemburgo em conjunto), 1.550 toneladas; Alemanha, 900 toneladas; França, 250 toneladas; Itália, 50 toneladas; Dinamarca, 50 toneladas; Irlanda, 50 toneladas; manteiga de cacau - 21. 600 toneladas à tarifa de 8%, assim distribuídas: Reino Unido, 8.400 toneladas; BENELUX, 12.150 toneladas; Alemanha, 800 toneladas; França, 100 toneladas; Itália, 50 toneladas; Dinamarca, 50 toneladas; Irlanda, 50 toneladas. Os totais dos contingentes foram calculados a partir dos dados efetivos de importação dos Estados-Membros da CEE em proveniência dos países em desenvolvimento beneficiários da suspensão tarifária convencionada. As exportações que excederem esses contingentes estarão sujeitas à Tarifa comum da CEE.
b) Carne bovina. A cooperação das duas partes nesse setor se traduzirá em medidas destinadas a facilitar as exportações de carne bovina brasileira para a Comunidade, idênticas às que figuram nos acordos que a Argentina e o Uruguai firmaram com a CEE. Essas exportações, que ocorrerão na medida em que as disponibilidades do produto no Brasil o permitirern, serão feitas de maneira a evitar perturbações no mercado comunitário.
c) Comissão Mista. Com o objetivo de criar dispositivo apropriado para buscar os meios de facilitar a expansão e o desenvolvimento harmonioso das relações entre o Brasil e a Comunidade, foi criada uma Comissão Mista, integrada por representantes brasileiros e comunitários. Encarregada de velar pelo bom funcionamento do acordo e de examinar todas as questões que poderão surgir durante sua vigência, a Comissão reunir-se-á normalmente uma vez por ano, mas reuniões extraordinárias poderão ser convocadas se as partes assim o entenderem. Poderá a Comissão formular sugestões cabíveis para a realização dos objetivos de acordo e criar subcomissões especializada para assisti-la em suas tarefas.
d) Transportes marítimos. Esse foi o ponto mais controverso da última fase das negociações. Apesar das insistências da CEE, o Brasil não fez concessão alguma que implicasse em infração à sua política nacional de transporte. A Delegação brasileira concordou com a Delegação comunitária em procurar soluções mutuamente satisfatórias para os obstáculos ao comércio que possam resultar do funcionamento dos transportes marítimos; verificadas dificuldades concretas, estas serão apreciadas na primeira reunião da Comissão Mista.
e) Outros assuntos. Figuram igualmente em anexo ao acordo, do qual fazem parte integrante, declarações do Brasil, da CEE, e de ambas as partes relativas e outros assuntos, tais como a supressão progressiva de restrições não tarifárias, a inclusão do Brasil como beneficiário do sistema comunitário de preferências generalizadas em matéria de têxteis de algodão, os investimentos no Brasil originários dos Estados-Membros da CEE e o exame de modificações tarifárias em benefício das duas partes. Esses assuntos poderão ser mais amplamente tratados nas reuniões da Comissão Mista ou das subcomissões que esta porventura venha a criar.
18. O acordo conta com a aprovação de todo os órgãos cujos representantes participaram das negociações. Corno foi antes assinalado, as disposições relativas a café solúvel e manteiga de cacau já estão sendo aplicadas de maneira autônoma pelas duas partes. A fim de que a totalidade dos dispositivos possa entrar em vigor, torna-se necessária a adoção urgente, pelo Brasil, das medidas de ordem interna que permitam a ratificação do acordo no mais breve prazo possível, já que o mesmo, segundo a praxe comunitária, não precisa ser ratificado pelos Estados membros da CEE. É do nosso especial interesse a imediata convocação da Comissão Mista, para tratar de problemas relativos a outros produtos da pauta de exportação do Brasil para a Comunidade. Nessas condições, se Vossa Excelência concordar com o exposto, junto igualmente mensagem ao Congresso Nacional, cuja prévia aprovação é necessária, nos termos do artigo 44, inciso I, da Constituição Federal, para que o mesmo possa examinar o acordo logo após o término do recesso parlamentar.
Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência, Senhor Presidente, os protestos do meu mais profundo respeito.
- Diário do Congresso Nacional - Seção 1 - 2/5/1974, Página 2276 (Exposição de Motivos)