Legislação Informatizada - DECRETO LEGISLATIVO Nº 40, DE 1974 - Exposição de Motivos

DECRETO LEGISLATIVO Nº 40, DE 1974

Aprova o texto do Protocolo sobre Relações de Trabalho e Previdência Social e o texto do Acordo por troca de notas entre a República Federativa do Brasil e a República do Paraguai, firmados em Assunção, a 11 de fevereiro de 1974.


EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DAM-I/DAI/062/241 (B46) (B44), DE 27 DE FEVEREIRO DE 1974, DOS MINISTÉRIOS DAS RELAÇÕES EXTERIORES E DAS MINAS E ENERGIA

 

     A Sua Excelência o Senhor
     General-de-Exército
     Emílio Garrastazu Médici,
     Presidente da República.

     Senhor Presidente,

     Temos a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência que, no dia 11 de fevereiro corrente, os Chanceleres do Brasil e do Paraguai assinaram, em Assunção, o Protocolo sobre Relações de Trabalho e Previdência Social previsto expressamente no Artigo XX do Tratado de Itaipu, de 26 de abril de 1973, e cuja cópia nos permitimos submeter-lhe, em anexo (Anexo n.º 1).

     2. O Protocolo em apreço estabelece as normas jurídicas que regularão as relações trabalhistas e de previdência social entre a entidade binacional ITAIPU e seus trabalhadores (Artigo 1.º).

     3. Visando a estabelecer um regime justo e equitativo para as relações de trabalho e previdência social dos trabalhadores que vierem a ser contratados pela ITAIPU e tendo em vista a singularidade dessa entidade binacional, que operará em áreas pertencentes aos territórios do Brasil e do Paraguai, teve o Protocolo de conciliar os seguintes princípios de direito internacional:

     a) aplicação da lei do lugar da celebração do contrato de trabalho;
     b) aplicação de normas diretas, previstas no próprio instrumento; e
     c) aplicação de normas mais favoráveis da legislação de cada uma das Altas Partes Contratantes, consideradas essas normas em conjunto para a correspondente matéria.

     4. O princípio da lei do lugar da celebração do contrato está previsto no artigo 2.º do Protocolo e concerne às matérias nas quais, por sua natureza, se impõe essa aplicação. Assim, aplicar-se-á, conforme o caso, a legislação brasileira ou a paraguaia, no que diga respeito aos seguintes aspectos: capacidade jurídica dos trabalhadores; formalidades de contrato; direitos sindicais dos trabalhadores; competência dos juízes e tribunais; identificação profissional; previdência social e demais direitos e obrigações relacionados a sistemas cujo funcionamento dependa de organismos administrativos nacionais. Por conseguinte e exemplificativamente, o sistema de garantia de tempo de serviço (FGTS), que se vincula ao Sistema Financeiro da Habitação (BNH) e cujo funcionamento depende de infra-estrutura administrativa eminentemente nacional, só será aplicável aos trabalhadores contratados no Brasil. O mesmo ocorrerá com a incidência do Programa de Integração Social (PIS).

     5. A irrestrita aplicação, aos demais aspectos das relações entre a ITAIPU e seus empregados, das normas mais favoráveis das legislações de ambas Altas Partes Contratantes, acarretaria a desmesurada elevação dos custos, tornando, sob o prisma econômico, inviável o projetado empreendimento. É que as duas legislações, apesar de possuírem muitos pontos comuns, apresentam, como seria de se esperar, acentuada disparidade em relação a assuntos determinados. Por isso, foi necessário evitar, em certas hipóteses, a soma pura e simples de vantagens, o que se alcançou através da criação de normas diretas que conciliam a divergência entre as duas legislações, harmonizando, na justa medida, os interesses sociais com os econômicos.

     6. A peculiaridade do caso entidade binacional - imprimiu, portanto, ao Protocolo, a natureza de lei especial. É que as normas diretas adotadas não falta o caráter de generalidade, que é próprio da norma jurídica. Tais normas se aplicarão, enquanto vigentes, a todos os trabalhadores que forem contratados pela ITAIPU e poderão inclusive ser estendidas, mediante Protocolo Adicional já em estudo, aos empregados dos empreiteiros e subempreiteiros de obras e das empresas locadoras ou sublocadoras de serviços. São, portanto, disposições normativas, fontes formais de direito.

     7. Nessa ordem de ideias, é preciso sublinhar que os Acordos Coletivos, firmados entre um sindicato e uma empresa, por estipularem condições de trabalho com caráter abstrato em geral, constituem fontes formais do direito do trabalho (artigo 611, § 1.º, da CLT), isto é, leis em sentido material. Sua normatividade advém da circunstância de que as condições estabelecidas (normas) se aplicam não apenas aos empregados existentes à data do Acordo (situações concretas), mas, também, àqueles que vierem a ser admitidos durante a vigência da norma. Esta é sempre criada em função do grupo, como tal, e não, concretamente, em função daqueles que o integrem em dado momento. Se isso mansa e pacificamente aceito por via convencional privada, inquestionável é a sua adoção por meio de um Tratado, que corresponde a uma lei especial destinada à situação específica decorrente do funcionamento simultaneo em dois países, de uma entidade binacional.

     8. Tais normas diretas, consubstanciadas no artigo 3.º do Protocolo, dizem respeito aos seguintes aspectos da execução dos contratos de trabalho: jornada normal de trabalho; trabalho extraordinário; trabalho noturno; remuneração dos dias de repouso semanal e dos feriados enumerados; aviso prévio para a rescisão, pela empresa ou por seus empregados, do contrato de trabalho; e indenização de antigüidade na rescisão, sem justa causa, pelo empregador, dos contratos de trabalho por tempo indeterminado ou por obra certa.

     9. Quanto à higiene e à segurança do trabalho, prevê o artigo 4.º a celebração de acordo complementar, pelas autoridades brasileiras e paraguaias competentes na matéria, o qual, tendo em vista as atividades e operações insalubres bem como os meios de prevenção, fixará os graus de insalubridade e os respectivos adicionais, que variarão de 20 a 40% sobre o salário-hora normal. Para o trabalho prestado em contato permanente com inflamaveis ou explosivos, o adicional será de 30%. Ademais, para prevenir ou reduzir os infortúnios do trabalho, serão instituídas Comissões de Prevenção de Acidentes do Trabalho.

     10. O princípio do salário igual para trabalho de igual valor, sem distinção de nacionalidade, sexo, raça, religião e estado civil, foi consagrado pelo Protocolo (artigo 5.º), não sendo aplicado apenas, se for criado quadro de carreira na ITAIPU aos integrantes do quadro.

11. Desde que não se imponha, pela natureza do assunto, a aplicação da lei do lugar da celebração do contrato de trabalho (artigo 2.º), nem, pelas razões que as ditaram, a aplicação das mencionadas normas diretas (artigos 3.º, 4.º e 5.º), reger-se-a o contrato pelas normas mais favoráveis de cada legislação, inclusive as Convenções da Organização Internacional do Trabalho ratificadas por ambas Altas Partes Contratantes, consideradas essas normas em conjunto, no tocante a cada matéria (artigo 6.º). Assim, por exemplo, pelo Código do Trabalho do Paraguai, o trabalhador tem direito a seis dias úteis de férias, após um ano de serviço; doze dias, apos três anos; vinte dias após oito anos e trinta dias, após doze anos (artigo 219). Pela Consolidação das Leis do Trabalho do Brasil, o período compulsório de férias anuais é de vinte dias úteis (artigo 132). Mas, desde o primeiro ano de serviço, a lei brasileira impõe as férias remuneradas de vinte dias úteis, enquanto que, como assinalado, o trabalhador paraguaio somente depois de oito anos tem direito a esse período de descanso anual.

     Todas estas circunstâncias foram devidamente consideradas e analisadas. O mesmo critério será empregado para aferição da legislação mais favorável relativa ao salário mínimo, á proteção ao salário, à gratificação natalina, ao trabalho da mulher, ao trabalho do menor, etc.

     12. Caberá ao Conselho de Administração da ITAIPU aprovar o Regulamento do Pessoal, que conterá as normas disciplinadoras do funcionamento da empresa, relativamente aos direitos e obrigações de índole social-trabalhista (artigo 7.º). A fiscalização do cumprimento dessas normas, bem como a inspeção do trabalho em geral serão da competência da autoridade administrativa do trabalho do lugar da execução do trabalho (artigo 9.º).

     13. Por sua natureza binacional, a ITAIPU não integrará nenhuma categoria patronal sindicalizável de qualquer das Altas Partes Contratantes (artigo 10), o que significa que se não lhe aplicarão os acordos sindicais ou as sentenças normativas atinentes a categorias econômicas nas quais poderia ela se enquadrar, com base na natureza dos respectivos empreendimentos. Injusto e Injurídico seria, porém, proibir a sindicalização dos trabalhadores, mesmo porque ambas Altas Partes Contratantes ratificaram a Convenção n.º 98, da OIT, que assegura o direito de sindicalização e de negociação coletiva, possibilitando unicamente a execução dos servidores públicos do seu campo de aplicação. Tais direitos são regulados pela lei do lugar de celebração do contrato (art. 2. º, d), mas, para prevenir os conflitos individuais e coletivos do trabalho, no âmbito da ITAIPU, determinou o Protocolo que o Regulamento do Pessoal institua Comissões Paritárias de Conciliação, às quais incumbira apreciar os aludidos conflitos, por iniciativa de qualquer das partes, a titulo conciliatório (artigo 8.º).

     14. Também os direitos e obrigações em matéria de previdência social não poderiam deixar de ser disciplinados pela lei do lugar de celebração do contrato (artigo 2.º, e). Contudo, consigna o Protocolo, sobre o assunto, providência de largo alcance social, ao prescrever que, nos territórios das Altas Partes Contratantes, próximos aos locais de maior densidade operária, serão instalados, pelas respectivas instituições de previdência, postos de serviços, dotados de ambulatório médico, destinados ao atendimento dos trabalhadores e seus dependentes, qualquer que tenha sido o lugar de celebração do contrato, cabendo às autoridades nacionais competentes, em acordo complementar, estatuir o sistema de reembolso de despesas entre as duas instituições previdenciárias (artigo 11).

     15. Releva, ainda, acentuar que os trabalhadores brasileiros serão contratados no território do Brasil e os trabalhadores paraguaios no do Paraguai (artigo 12) e que sera criado um cartão de identidade (artigo 13), que não constituira prova de relação de emprego com a ITAIPU, a fim de facilitar a circulação nas áreas a que se refere o artigo XVII, § 3.º, e artigo XVIII, alínea h, do Tratado de ITAIPU.

     16. Considerando, todavia, que grande parte dos trabalhadores que serão empregados na área do projeto de ITAIPU deverá ser contratada por locadores ou sublocadores de serviços e empreiteiros ou subempreiteiros, os Chanceleres de Brasil e do Paraguai assinaram, no mesmo dia 11 de fevereiro, acordo por troca de notas (Anexo n.º 2) que expressa o propósito das Altas Partes Contratantes de o mais brevemente possível, elaborar um protocolo adicional que contemple as relações de trabalho e previdência social da força de trabalho a ser utilizada por empresas contratistas.

     17. Dadas a magnitude e a complexidade da questão, a ITAIPU será encarregada de elaborar e apresentar a cada Governo, por intermédio da ELETROBRAS e da ANDE, estudo minucioso sobre o assunto, acompanhado de anteprojeto de Protocolo, bases a partir das quais ambas Altas Partes Contratantes negociarão a versão definitiva do mencionado protocolo adicional.

     18. Tais são, Senhor Presidente, as principais características dos atos internacionais firmados pelos Ministros das Relações Exteriores do Brasil e do Paraguai, no dia 11 do corrente. Graças aos dois instrumentos, que obedeceram a uma orientação pragmatica e flexível, que conciliou os superiores interesses de ambas Nações com a concessão da melhor situação possível à força de trabalho a ser empregada pela ITAIPU, estabeleceu-se o quadro jurídico mais justo, eficiente e racional para a consecução do projeto de Itaipu no prazo previsto.

     19. É-nos assim particularmente grato encaminhar à alta apreciação de Vossa Excelência cópia do "Protocolo sobre Relações do Trabalho e Previdência Social", bem como a da nota trocada com o Chanceler Sapena Pastor, e que constituem a culminação do indispensável arcabouço jurídico exigido para a construção do maior aproveitamento hidrelétrico até hoje projetado.

     20. Outrossim, Senhor Presidente, temos a honra de elevar à alta consideração de Vossa Excelência o anexo projeto de Mensagem. (Anexo n.º 3), para que ambos os textos assinados no último dia 11 de fevereiro, em Assunção, sejam encaminhados ao Congresso Nacional.

     Aproveitamos a oportunidade para renovar a Vossa Excelência, Senhor Presidente, os protestos do nosso mais profundo respeito.

     Of. n.º 104-SAP/74.

     Em 4 de março de 1974.


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 1 de 17/04/1974


Publicação:
  • Diário do Congresso Nacional - Seção 1 - 17/4/1974, Página 1668 (Exposição de Motivos)