Reformas Tributárias: PECs prontas para a pauta - Texto Base da Consultoria Legislativa
Reformas Tributárias - PECs prontas para a pauta
José Evande Carvalho Araujo, Consultor Legislativo da Área III (Direito Tributário e Tributação)
Desde a promulgação da Constituição de 1988, já se fala em reforma tributária. Praticamente todos os governos seguintes tentaram realizar alterações substanciais no sistema de cobrança de impostos e contribuições, propondo um novo modelo de tributação, em especial do consumo.
Isso aconteceu porque a Assembleia Constituinte descentralizou competências e receitas tributárias, mas ampliou os encargos da União, em especial com previdência social, educação e saúde. Em contrapartida, o Poder Central aumentou a carga tributária, especialmente na forma de tributos não partilháveis com os demais entes: as contribuições sociais. O resultado foi uma tributação sobre o consumo extremamente complexa, composta por cinco tributos: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), nos Estados; Imposto sobre Serviços (ISS), nos municípios; e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep), e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), na União, o que correspondeu, em 2017, a 38,77% de toda a arrecadação tributária brasileira[1].
De fato, o atual modelo de tributação do consumo causa distorções na economia brasileira, pois é (1) regressivo, por atingir proporcionalmente mais os contribuintes de menor renda; (2) cumulativo, por permitir a incidência de tributo sobre tributo; (3) complexo, pela infinidade de regras incidentes; (4) desigual, por privilegiar grupos de contribuintes com benefícios mal calibrados; (5) ineficiente, por incentivar a alocação de recursos por razões fiscais e não econômicas; e (6) caro, por aumentar os custos de conformidade e os litígios dela decorrentes.
Como as balizas do sistema tributário nacional estão inscritas na Lei Maior, as reformas tributárias mais abrangentes sempre vieram na forma de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que tem uma tramitação mais complexa, tanto pelo quórum de aprovação (3/5 dos Parlamentares), quanto por exigirem dois turnos de votação em cada uma das Casas do Congresso Nacional.
De todas as propostas de reforma tributárias apresentadas desde 1988, três tiveram bastante repercussão e conseguiram ser aprovadas em Comissão Especial da Câmara dos Deputados, mas nenhuma delas foi apreciada em Plenário: a PEC nº 175, de 1995, no Governo Fernando Henrique Cardoso; a PEC nº 233, de 2008, no Governo Lula; e a PEC nº 293, de 2004, no Governo Temer. As duas primeiras foram propostas pelo Poder Executivo, enquanto a última decorreu de iniciativa da Câmara dos Deputados. As duas últimas estão prontas para apreciação do Plenário da Câmara dos Deputados[2].
Todas essas propostas envolviam, em alguma medida, a substituição de todos ou de alguns dos tributos incidentes sobre o consumo por um imposto sobre o valor agregado (IVA), que alcançaria toda a base de consumo (mercadorias, serviços, direitos e intangíveis) em todas as etapas de consumo de forma não-cumulativa, isto é, compensando-se, em cada fase do processo, os impostos cobrados nas etapas anteriores.
A PEC nº 175, de 1995, apresentada no primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) pelo Poder Executivo, foi relatada, na Câmara dos Deputados, pelo Deputado Mussa Demes. A proposta extinguia o IPI e ao mesmo tempo criava uma alíquota federal incidente sobre a mesma base do ICMS. Dessa forma, passaria a existir um IVA-dual, em parte federal e em parte estadual, cobrado integralmente na origem, e com a distribuição do produto arrecadado entre os Estados, nas operações interestaduais, definida pelo Senado Federal. Outra mudança importante foi a transferência do Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR) para os Estados e Distrito Federal.
Após intensas discussões na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, a PEC somente foi aprovada no segundo governo FHC, em novembro de 1999. Contudo, em função das críticas do Ministério da Fazenda à reforma aprovada, o relator enviou ao Plenário, em caráter informal, novo texto para alguns dispositivos, em uma proposição que ficou conhecida como emenda aglutinativa.
Em sua versão final, a proposta da Comissão Especial mantinha o IVA-dual, mas adotava o princípio do destino; criava uma contribuição social sobre o valor agregado, em substituição à Cofins, à Contribuição para o PIS/Pasep e à Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF); extinguia o ISS; e criava um imposto de vendas a varejo municipal.
Apesar de aprovada pela Comissão Especial, a reforma tributária não foi apreciada pelo Plenário da Câmara dos Deputados e, em junho de 2003, foi retirada por solicitação do Poder Executivo e enviada ao arquivo.
A Tabela 1 compara os principais pontos da reforma tributária veiculada na PEC nº 175, de 1995, e daquela aprovada na Comissão Especial no substitutivo do Deputado Mussa Demes:
O primeiro Governo Lula propôs outra reforma tributária ampla, com a PEC nº 41, de 2003, apresentada pelo próprio Presidente da República em conjunto com 22 ministros, 27 governadores e 10 prefeitos de capital. A PEC estabelecia a regulamentação do ICMS por lei federal, transformava a contribuição social sobre a folha de salários em contribuição sobre o faturamento, permitia que o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) fosse instituído por lei ordinária, transferia o ITR para os Estados e o Distrito Federal, estabelecia a progressividade para o Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação (ITCMD) e o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e tornava a CPMF permanente. A Comissão Especial instituída para analisar a PEC teve como relator o Deputado Virgílio Guimarães.
À medida que as discussões progrediam, as partes consensuais dessa PEC foram sendo promulgadas na forma da Emenda Constitucional nº 42, de 2003 – prorrogação da CPMF e da Desvinculação de Receitas da União (DRU), repartição de parte da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE)-Combustíveis e previsão do Simples Nacional –, e da Emenda Constitucional nº 44, de 2004 – aumento da partilha da CIDE-Combustíveis –, enquanto os pontos controversos foram desmembrados em outras propostas, que não conseguiram ser aprovadas.
O debate da reforma tributária se estendeu para o segundo Governo Lula, com a PEC nº 233, de 2008, também de autoria do Poder Executivo. A proposta criava o IVA federal, unificando a Contribuição para o PIS/Pasep, a Cofins, a CIDE-Combustíveis e a contribuição do Salário-Educação; incorporava a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ); promovia a unificação e nacionalização do ICMS (novo ICMS); alterava a partilha dos tributos federais, incluindo na base partilhável o imposto de renda, o IPI, o IVA Federal, o IGF e os eventuais impostos derivados da competência residual da União; substituía o Fundo IPI-Exportações e a entrega de recursos para financiar o setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste por dois novos fundos, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) e o Fundo de Equalização de Receitas (FER); e, para acabar com a “guerra fiscal”, promovia a redução gradual das alíquotas interestaduais do ICMS para 2% e punia a concessão de benefícios fiscais irregulares.
A PEC nº 233, de 2008, foi anexada à PEC nº 31, de 2007, de autoria do Deputado Virgílio Guimarães, e apreciada em Comissão Especial que teve como relator o Deputado Sandro Mabel. O substitutivo apresentado manteve as mesmas alterações da PEC nº 233, de 2008, com a diferença de promover as mudanças no ICMS na própria estrutura normativa já existente, sem criar tributo novo, e com alterações nas regras do IVA, do ISS e da partilha das receitas tributárias. Com relação à unificação da legislação do ICMS, estabeleceu-se que o imposto, as isenções, e os incentivos ou benefícios fiscais seriam uniformes em todo o território nacional, nos termos de lei complementar, criando-se uma regra de transição de 4 anos. Para acabar com a “guerra fiscal” do ICMS, além de se manterem a redução gradual da alíquota interestadual para 2% e a punição pela concessão de benefícios fiscais irregulares, previstas na PEC nº 233, de 2008, buscou-se também regular as situações já existentes, por meio de regra de convalidação dos benefícios fiscais já concedidos.
No final de 2008, o relatório foi aprovado na Comissão Especial, mas, até hoje, não foi apreciado pelo Plenário da Câmara dos Deputados.
A Tabela 2 compara os principais pontos da reforma tributária veiculada na PEC nº 41, de 2003, enviada no primeiro Governo Lula, e aquela aprovada na Comissão Especial no substitutivo do Deputado Sandro Mabel às PECs nºs 31, de 2007, e 233, de 2008:
Diante da dificuldade de aprovação de uma reforma tributária ampla, os governos Dilma Roussef e Michel Temer abandonaram a ideia de modificação radical no Sistema Tributário Nacional, buscando aprimorá-lo pontualmente, usando tão somente a legislação infraconstitucional.
Coube, então, à Câmara dos Deputados trazer à pauta o debate sobre uma reforma geral do sistema tributário, quando, em julho de 2015, criou-se uma Comissão Especial com a finalidade de analisar, estudar e formular proposições relacionadas à Reforma Tributária, que teve como primeiro relator o Deputado André Moura, depois substituído pelo Deputado Luiz Carlos Hauly. Posteriormente, a discussão foi deslocada para a Comissão Especial destinada a proferir parecer à PEC nº 293, de 2004, do Poder Executivo, permanecendo a relatoria com o Deputado Hauly.
O substitutivo aprovado na Comissão Especial, no dia 11/12/2018, efetua uma simplificação radical da tributação do consumo, com a extinção dos seguintes tributos: IPI, Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), Contribuição para o PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, CIDE-Combustíveis, todos federais; ICMS, estadual; e ISS, municipal. Em substituição, surgem um imposto sobre o valor agregado de competência estadual, chamado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), e um imposto sobre operações com bens e serviços específicos, de competência federal, conhecido por Imposto Seletivo (IS).
O IBS, de competência estadual, mas regulado por legislação única nacional, busca reunir as características que a literatura apregoa para um IVA ideal: base ampla, não-cumulatividade plena (tudo o que é cobrado na operação anterior vira crédito), cobrança “por fora” (sem incidência de imposto sobre imposto), adoção do princípio de destino (destinação do imposto arrecadado para o Estado de destino da operação com o bem ou serviço), desoneração de bens do ativo fixo e produtos exportados, fixação de alíquotas homogêneas em todo território, e restrição à concessão de benefícios fiscais.
O IS incide sobre produtos específicos: petróleo e seus derivados, cigarros, energia elétrica, serviços de telecomunicações, bebidas alcoólicas e não alcoólicas e veículos automotores. Trata-se de uma versão dos excises taxes, já consolidados na experiência internacional. A diferença é que usualmente os excise taxes são usados apenas para compensar efeitos indesejáveis causados pela venda de um produto ou serviço, enquanto o IS acumula a função arrecadatória, com o objetivo de reduzir a alíquota do IBS.
Na tributação da renda, o IRPJ incorpora a CSLL, com alíquotas ampliadas, devendo essa mudança ser feita pela legislação ordinária.
Na tributação da propriedade, o ITCMD é transferido para a competência federal, enquanto o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) passa a alcançar também as embarcações e as aeronaves. Com o objetivo de concentrar praticamente todas a receitas dos impostos patrimoniais na esfera municipal, as arrecadações do IPVA e do ITCMD são transferidas para os Municípios. Com vistas a aumentar a eficiência da arrecadação, da fiscalização e da cobrança do ITBI e do IPTU, cria-se a possibilidade de celebração de convênio do Município com a União.
As contribuições para a Previdência Social ficam mantidas no formato atual, mas com a possibilidade expressa de criação de outras fontes de custeio da previdência social em substituição, total ou parcial, da contribuição sobre a folha de pagamentos, inclusive na forma de adicional do IBS.
Quanto à partilha dos novos tributos, buscou-se garantir participação a mais semelhante possível com a dos tributos atuais. Além disso, propôs-se uma participação cruzada na receita tributária dos entes, fazendo com que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios participem da arrecadação do imposto de renda, que os Estados e o Distrito Federal participem da arrecadação do IS, e que a União e os Municípios participem da arrecadação do IBS.
Os fundos constitucionais são mantidos, recalibrando-se os percentuais para manter as entregas aos Estados e aos Municípios em patamares equivalentes aos atuais. São, ainda, criados dois fundos destinados a reduzir a disparidade da receita per capita entre Estados e entre Municípios, denominados de Fundos de Solidariedade Fiscal, visando a equilibrar a quantidade de recursos públicos disponíveis para a realização de investimentos em infraestrutura.
Foi idealizada uma transição para o novo sistema no prazo de 15 anos, dividida em três etapas. No primeiro ano, seria cobrada uma contribuição temporária com as mesmas características do IBS, com alíquota de 1%, que poderia ser compensada com a Cofins, para calibrar as futuras alíquotas do IBS e do IS. Do segundo ao quinto anos, os tributos atuais iriam dando lugar aos novos impostos, com suas alíquotas sendo reduzidas em 20% dos seus valores atuais a cada ano, enquanto as alíquotas do IBS e do IS iriam sendo aumentadas na mesma proporção. Do sexto ao décimo-quinto anos, com o novo sistema de arrecadação todo implementado, passar-se-ia a substituir gradualmente, dez pontos percentuais ao ano, as atuais regras de vinculação e partilha de arrecadação pelo novo modelo, em especial o princípio do destino do IBS.
A Tabela 3 compara os principais pontos dos substitutivos aprovados nas PECs nºs 175, de 1995, 233, de 2008, e 293, de 2004.
Em 2019, ganhou bastante destaque a PEC nº 45, de 2019, de autoria do Deputado Baleia Rossi, que traz a proposta do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), e hoje divide espaço no debate com o Substitutivo do Deputado Hauly à PEC nº 293, de 2004.
A proposta se concentra apenas na simplificação do consumo, com a progressiva substituição de cinco tributos sobre bens e serviços (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por um único imposto do tipo IVA, também denominado IBS, com legislação única, arrecadação centralizada, incidência “por fora”, mínimo de isenções e de regimes especiais, crédito financeiro, desoneração de investimentos e exportações, e receita partilhada entre a União, os Estados e os Municípios, complementado por um imposto seletivo, incidente sobre bens e serviços geradores de externalidades negativas, como fumo e bebidas alcóolicas.
Uma diferença substancial entre a PEC nº 45, de 2019, e o Substitutivo do Deputado Hauly diz respeito à alíquota do IBS. No texto do Deputado Hauly, é possível a fixação de alíquotas diferentes para determinados produtos e serviços, mas elas serão as mesmas para todo o País; na da PEC nº 45, de 2019, a alíquota é dividida em três parcelas, uma da União, uma do Estado e uma do Município, sendo que cada um deles pode alterar sua parte. Assim, cada ente federado terá apenas uma alíquota própria, aplicável a todos as mercadorias e serviços em seu território, mas a combinação das diversas parcelas da União, 26 Estados e Distrito Federal, e mais de 5.500 Municípios poderá resultar em uma infinidade de alíquotas de IBS aplicáveis no território nacional.
A transição do modelo atual para o IBS seria feita ao longo de dez anos, sendo os dois primeiros um período de teste, no qual o novo imposto seria cobrado a uma alíquota de 1%, compensável com a Cofins. Nos oito anos seguintes seria feita a transição para o novo sistema, mediante redução linear das alíquotas dos cinco tributos atuais e da elevação da alíquota do IBS.
O IBS seria gerido de forma coordenada pelas três esferas de governo, a exemplo do que já é feito hoje para o SIMPLES Nacional. O contencioso administrativo de primeira instância seria estadual, e o de segunda, de âmbito nacional. O contencioso judicial seria processado pela Justiça Federal.
A distribuição da receita seria feita, quando implementado por completo o novo sistema, pelo princípio do destino (ou seja, proporcionalmente ao consumo), mas, para garantir um ajuste suave das finanças subnacionais, a migração para esse modelo seria feita ao longo de cinquenta anos, sendo que, nos vinte primeiros, o princípio do destino valeria apenas para o crescimento real de arrecadação.
As empresas do SIMPLES Nacional teriam duas alternativas: manter-se no regime atual, mas sem aproveitar ou transferir créditos; ou aderir integralmente ao IBS, tendo sua alíquota do SIMPLES reduzida na parcela referente aos cinco tributos substituídos pelo IBS.
Consultoria Legislativa, em 20 de fevereiro de 2019.
[1] MINISTÉRIO DA FAZENDA. RECEITA FEDERAL. Carga Tributária no Brasil – 2017 (Análise por Tributo e Bases de Incidência). Brasília: MF/RFB, 2017. p. 5. Considerando apenas os tributos diretamente incidentes sobre o consumo: 20,73% de ICMS, 10,42% de Cofins, 2,76% de PIS/Pasep, 2,21% de IPI e 2,65% de ISS. O estudo da Receita Federal considera que a tributação sobre bens e serviços correspondeu a 48,44% da arrecadação total, por incluir, no cálculo, diversos outros tributos, como imposto de importação e exportação, CIDEs e taxas (p. 5).
[2] As descrições das reformas tributárias pós-constituinte foram extraídas do artigo “A Constituição tributária: passado, presente e futuro”, constante do livro 30 anos da Constituição: evolução, desafios e perspectivas para o futuro, de autoria dos Consultores Legislativos José Evande Carvalho Araujo e Jules Michelet Pereira Queiroz e Silva, e do substitutivo da PEC nº 293, de 2004.