Texto Base da Consultoria Legislativa

DIRETORIA LEGISLATIVA
CONSULTORIA LEGISLATIVA
ASSUNTO: ELEIÇÕES 2010: SISTEMA ELEITORAL PROPORCIONAL

CONSULTOR: Márcio Nuno Rabat
DATA: agosto de 2010

 

SEU VOTO NAS ELEIÇÕES PROPORCIONAIS

 

O legítimo direito de eleger seus representantes políticos é melhor exercido quando os eleitores conhecem as regras eleitorais. Daí a importância da disseminação de informações sobre essas regras por todos os meios possíveis.

No caso das eleições majoritárias, ou seja, das eleições para a presidência da República, para os governos estaduais e do Distrito Federal, para as prefeituras municipais e para o Senado Federal, a superação do desafio posto aos eleitores é menos árdua, dada a relativa simplicidade da regulamentação. Embora haja variações, como a possibilidade de eleições em um ou dois turnos, a regra resume-se, no fundo, a que o candidato mais votado ocupe o lugar disputado ou, no máximo, em algumas das eleições senatoriais, a que os dois candidatos mais votados ocupem os dois lugares em disputa. 

Claro que isso não torna irrelevante a filiação partidária dos candidatos, ou os grupos políticos e sociais com que seu partido se alia, ou sua associação com os respectivos candidatos a vice-presidente, vice-governador, vice-prefeito ou a suplente de senador. Sem dúvida, contudo, as questões envolvidas nas eleições proporcionais são mais complexas, a começar pelas próprias regras eleitorais, de mais difícil compreensão quanto aos efeitos dos votos.

O primeiro ponto a se ter em conta é que as eleições de deputados federais, deputados estaduais e distritais e de vereadores se organizam explicitamente ao redor das disputas entre partidos e coligações. Isso pode ficar oculto, no Brasil, pelo fato de que, mesmo nas eleições proporcionais, tanto é possível votar apenas na legenda partidária como em um candidato ou candidata especificamente. Em qualquer dos dois casos, no entanto, o voto serve, antes de mais nada, para a determinação de quantos lugares cabem a cada partido e coligação. 

Em todo o processo de cálculo dos quocientes eleitoral e partidários e de distribuição das sobras, detalhadamente explicado na tabela incluída ao fim deste texto, os votos nos candidatos cumprem exatamente a mesma função que os votos nas legendas. As eleições são chamadas de proporcionais exatamente porque os lugares nas câmaras e assembleias são distribuídos proporcionalmente aos votos obtidos pelos partidos e coligações, sem que se leve em conta, no primeiro momento, se esses votos foram dirigidos a uma candidatura específica apresentada por esse partido ou coligação.

Entre nós, aliás, o sistema proporcional foi implantado como parte do projeto de construção de um regime representativo moderno, em que os partidos políticos cumprissem papel fundamental na canalização da vontade popular, de acordo com o exemplo de países considerados institucionalmente mais avançados. Não por acaso, a partir de 1945, quando o atual sistema começou a funcionar de maneira regular, implantou-se, também, o monopólio dos partidos políticos para a apresentação de candidaturas nas eleições. As duas iniciativas pretendiam consagrar a centralidade dos partidos nos processos político e eleitorais.

O conhecimento de que seu voto, nas eleições proporcionais, é eminentemente partidário é relevante para que os eleitores definam com maior cuidado em que lista de candidaturas votar, pois o voto pode contribuir para a eleição de qualquer nome contido na lista. Ademais, tal conhecimento dificulta que alguma perplexidade surgida após a determinação dos resultados eleitorais acabe por enfraquecer, aos olhos do eleitorado, a legitimidade do processo eleitoral. Assim, por exemplo, ele saberá que, se um candidato muito bem votado não se elegeu, foi porque, apesar de sua votação pessoal, a proposta que ele expressava, junto com seu partido ou coligação, na verdade, não obteve apoio popular suficiente para que lhe coubesse o lugar na casa legislativa. Da mesma maneira, o eleitorado compreenderá que candidatos relativamente pouco votados individualmente podem ter sido eleitos junto com um candidato excepcionalmente bem votado porque a proposta que a lista expressava obteve, na verdade, apoio popular suficiente para ocupar vários lugares na casa legislativa.

Nada do que se acentuou até aqui impede, é claro, que os votos em candidaturas individuais também tenham relevância. Afinal, após definido os números de lugares a serem ocupados por cada partido ou coligação, é preciso definir que candidatos ocuparão esses lugares. No Brasil, o número de votos individualmente recebidos é o critério dessa segunda distribuição. Se um partido ou coligação obteve quatro lugares, os quatro candidatos individualmente mais votados de sua lista têm a prerrogativa de ocupar esses lugares. Na impossibilidade de que um deles tome posse, ou tendo um deles que ser substituído após a posse, o quinto candidato individualmente mais votado na lista ocupará o lugar. Caso mais uma vaga se abra, será o sexto candidato individualmente mais votado a ocupá-la, e assim sucessivamente.

Registre-se, inclusive, que, na prática, é grande a relevância do voto individual nas eleições proporcionais brasileiras. A maioria esmagadora dos candidatos individualmente mais votados nos estados são eleitos para a Câmara dos Deputados. Isso não significa, no entanto, que a lógica interna do sistema não se destine a valorizar as disputas entre projetos políticos, materializados em partidos e coligações, colocando em relativo segundo plano as candidaturas individuais. 

Antes de passar à tabela explicativa, que permitirá, aos que a acompanharem passo a passo, conhecer em detalhes os cálculos pelos quais se define o número de lugares a serem ocupados por cada partido ou coligação, talvez valha a pena uma última palavra sobre as coligações eleitorais. Nas eleições proporcionais brasileiras, como talvez já tenha ficado claro, elas funcionam exatamente como se de partidos se tratassem. Assim, o voto em um candidato não se estende, potencialmente, apenas a todos os demais candidatos apresentados por seu partido, mas também a todos os candidatos apresentados pelos partidos com os quais o seu se coligou. 

Tabela explicativa da distribuição dos lugares entre partidos e coligações nas eleições proporcionais

A Tabela passo a passo:

1) As duas primeiras colunas colocam o problema a ser resolvido: distribuição de dez lugares, em determinada circunscrição (estado ou município), entre quatro partidos ou coligações (A, B, C e D) que tenham recebido, respectivamente, 128.000, 100.000, 58.000 e 28.000 votos.

2) As três colunas seguintes mostram a primeira distribuição de lugares, feito cálculo dos quocientes partidários. Como parte dessa primeira distribuição, a terceira coluna mostra a definição do quociente eleitoral, que se obtém dividindo o número total de votos válidos (314.000 votos) pelo número de lugares a preencher (dez lugares). A quarta e a quinta colunas mostram como a seguir se definem os quocientes partidários, pela divisão do número de votos recebido por cada partido ou coligação (128.000, 100.000, 58.000 e 28.000) pelo quociente eleitoral previamente encontrado (31.400), e pela exclusão da fração, se houver. Quando um partido ou coligação tenha recebido votos em número inferior ao quociente eleitoral, ele é imediatamente excluído da divisão de lugares (é a situação do partido ou coligação D em nosso exemplo: recebeu 28.000 votos e o quociente eleitoral é de 31.400). 

3) Os quocientes partidários indicados na quinta coluna (4, 3 e 1) mostram o número de lugares que os partidos ou coligações A, B e C obtiveram até esse momento. Como sua soma é igual a oito, restam dois lugares a preencher para se chegar à distribuição dos dez lugares.

4) A sexta e a sétima coluna mostram como se distribuem, respectivamente, o primeiro e o segundo lugares restantes (ou sobras). Se mais lugares restassem por distribuir, mais vezes se repetiria o mesmo cálculo. A primeira “sobra” é distribuída da seguinte maneira: a votação de cada partido é dividida pelo número de lugares já obtidos (ou seja, pelos quocientes partidários) mais um. Assim, os 128.000 votos recebidos pelo partido ou coligação A são divididos por cinco, que é a soma do quociente partidário (quatro) mais um. Da mesma forma, os 100.000 e os 58.000 votos recebidos por B e C são divididos, respectivamente, por quatro (quociente partidário três, mais um) e por dois (quociente partidário um, mais um). Comparam-se os resultados de todas as divisões realizadas (no caso, os resultados são de 25.600, 25.000 e 29.000 para A, B e C). O partido ou coligação que tenha apresentado o maior resultado (no caso, C, com o resultado de 29.000) fica com a primeira sobra.

5)  Na distribuição de cada sobra seguinte, só muda o cálculo feito com o partido ou coligação que tenha obtido a sobra na distribuição anterior. É que, com a sobra obtida, o total de lugares por ele já ocupado aumentou. No caso de C, ele passou de um para dois lugares já obtidos. Portanto, seus votos (58.000) deixam de ser divididos por dois (um lugar já obtido, mais um) e passam a ser divididos por três (dois lugares já obtidos, mais um). O resultado é de 19.333. O partido ou coligação A apresenta, então, o maior resultado (25.600) e obtém a segunda sobra.

6) Com os oito primeiros lugares distribuídos de acordo com os quocientes partidários e os dois lugares restantes distribuídos pelo método de distribuição de sobras, fica definido o resultado final.

 

 

MÁRCIO NUNO RABAT

Consultora Legislativa

 

Material atualizado até a data da publicação (12/08/2010).