Silvio Torres: 'Corremos o risco de fazer a Copa mais cara da História'

01/06/2009 07h10

Deputado federal fiscaliza a organização para a Copa de 2014

Silvio Torres critica a administração dos Jogos Pan-Americanos (Crédito: marcelo Mitsuo)
Marcel Merguizo, Marcelo Damato e Paulo Roberto Conde
O Brasil de hoje quer se inserir no grupo de países mais poderosos do mundo. E se valer da força do esporte para atingir o objetivo. O país que será a casa da Copa do Mundo de Futebol em 2014 almeja também trazer a Olimpíada em 2016.
A ânsia em hospedar tais megaeventos tem se calcado no financiamento público e gerado gastos exorbitantes, quase sempre pagos pelos contribuintes.
O deputado federal Silvio Torres (PSDB-SP) é um dos poucos fiscais atuantes do Brasil. Relator da Comissão de Inquérito (CPI) CBF/Nike, recentemente solicitou a criação de comissão para checar a organização da Copa-2014. Baseado no estouro orçamentário que marcou o Pan do Rio, em 2007, ele crê que a edição canarinho do Mundial da Fifa pode ser das mais caras da História (previsão de gastar R$ 10,950 bilhões na construção de estádios), por conta do mal planejamento.
- O governo assinou compromissos de investimento que vão de R$ 4 bilhões a R$ 100 bilhões. Na verdade, ninguém sabe quais são as obras para a Copa ou que já estão previstas nos orçamentos de cada estado ou município.
Paulo Roberto Conde: O Pan do Rio, em 2007, pode ser usado como trunfo ou um erro que deve ser corrigido para a Copa de 2014 e a candidatura do Rio-2016?
Silvio Torres: Os Jogos Pan-Americanos foram muito mal administrados. O resultado foi um gasto que, imaginamos, seja de R$ 5 bilhões. O Tribunal de Contas da União (TCU), encarregado de fazer a fiscalização dos gastos, apresentou relatório parcial e já elencou uma série de irregularidades e desvios. Isso aconteceu porque não houve planejamento ou transparência. O gasto estimado era de R$ 400 milhões, prevendo saneamento básico, transporte coletivo e legados na área de segurança e saúde. Mas não houve nada disso. E ainda gastaram R$ 5 bilhões.
Marcel Merguizo: Qual foi o erro do governo no Pan?
Silvio Torres: O governo assinou, se comprometeu com prazos. Mas, como estes não podiam ser cumpridos, foram feitas contratações sem licitação, diretamente, sem fiscalização, e o resultado na área econômica foi decepcionante. Houve um oba-oba na área esportiva, mas nos Jogos Olímpicos de Pequim percebeu-se que os resultados foram ruins.
Marcelo Damato: Qual o maior erro na organização da Copa-2014?
Silvio Torres: O comitê organizador da Copa é supercentralizado pelo Ricardo Teixeira, a filha dele (Joana Havelange) e mais três assessores diretos. E tem poder enorme até sobre governadores. O Ministério do Esporte não tem qualquer influência. O governo assinou compromissos de investimento que vão de R$ 4 bilhões a R$ 100 bilhões. Na verdade, ninguém sabe quais são as obras para a Copa de 2014 ou que já estão previstas nos orçamentos de cada estado ou município.
PRC: O que poderia ser feito?
Silvio Torres: Na Alemanha (para a Copa de 2006), havia comitê interministerial. O Ministério do Interior foi encarregado de ser interlocutor com instituições, sociedade, governos, setor privado. E a Copa só trouxe lucros para a Alemanha, com investimento menores do que prevemos para o Brasil. Nós ainda nem sequer definimos sedes e sub-sedes.
MM: E deveria haver mais investimento privado, não público...
Silvio Torres: Com a crise, os investidores privados estão se escondendo. Ninguém tem dúvida de que os governos federal, estadual e municipal vão entrar com muito dinheiro. Entre os estádios, apenas dois ou três serão construídos pela iniciativa privada. E os outros nove (serão 12 sedes), quem vai bancar? Brasília já prevê gastar R$ 400 milhões na reforma do estádio. O Amazonas fala em R$ 1 bilhão, mas o governo não tem dinheiro para isso. O governo federal acabará assumindo o que não era competência dele.
MM: Estamos seguindo um péssimo caminho, então.
Silvio Torres: Precisamos aprender com os erros do Pan. Pois, se não houver uma fiscalização rigorosa do TCU, do Congresso Nacional e da imprensa, corremos o risco de fazer a Copa do Mundo mais cara da História.
MD: Houve lobby pela não instauração da CPI sob alegação de que poderia prejudicar a candidatura do Rio aos Jogos de 2016.
Silvio Torres: O Ricardo Teixeira usou o mesmo argumento para persuadir governadores a convencer deputados para retirar as assinaturas da CPI sobre a lavagem de dinheiro, que eu coordenava. Dizia que atrapalharia o Brasil para escolha da Copa de 2014. Aguardamos o Brasil ser confirmado e, mesmo depois de escolhido, Ricardo Teixeira foi lá e fez com que recolhessem as assinaturas. Porque não quer investigação.
PRC: Você é considerado um deputado contra a Copa do Mundo...
Silvio Torres: Eu não sou contra a Copa do mundo no Brasil. Só Ricardo Teixeira continua dizendo que sou o único contra a Copa, o que é falso. Se o legado for torrar dinheiro público, deixar elefantes brancos, não ter fiscalização, então prefiro que não haja Copa. Eu e qualquer cidadão brasileiro. A Copa tem de ser para o cidadão. E não para um grupo seleto se aproveitar dela. O brasileiro vai continuar gostando de futebol com ou sem Copa no Brasil, mas ele gostará mais de futebol se souber que o dinheiro dele, como torcedor, associado de clube ou contribuinte foi bem empregado.
MM: E em relação à candidatura olímpica Rio-2016?
Silvio Torres: Não sou anti-brasileiro, mas nossa chance de sucesso é muito pequena. O Rio de Janeiro está em uma situação não muito boa para ser escolhido. Depois, para realizar a Olimpíada, vamos gastar muito mais do que na Copa. E não haverá legado da Copa para uma eventual Olimpíada. Serão gastos novos. Para sediar a final da Copa e outros jogos, o Rio vai fazer investimentos que faria de qualquer maneira.
PRC: O trabalho do Tribunal de Contas da União e das Comissões Parlamentares é confiável?
Silvio Torres: O TCU tem condições de levantar o custo real de qualquer obra, e pode esclarecer se foi superfaturada. Mas cobramos que os relatórios, como o do Pan, sejam entregues logo. O do Pan não foi entregue, por exemplo. Mas, se demorar, as pessoas esquecem. Por isso, precisamos fazer a CPMI dos gastos públicos com esportes olímpicos. A partir daí, faríamos uma política nacional de esportes e não viveríamos mais de espasmos ou grandes eventos. O COB recebe dinheiro público e pode ser investigado. Defendemos a CPMI, porque dela não se foge. O presidente do COB (Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman) não pode se negar a depor.
PRC: Não há interesse de outros deputados e senadores em investigar o esporte?
Silvio Torres: A Constituição de 1988 acabou considerando que as entidades esportivas são privadas e, por isso, têm autonomia de organização. Eu considero o esporte questão de Estado, tal como a saúde. Pesquisas mundiais apontam a importância do esporte na vida. Infelizmente, no Brasil, o esporte tem sido manipulado por interesses que não são do Estado. Os deputados querem investigar, mas têm outros interesses. O presidente Lula encontrou bases para fazer uma revolução, mas, ao contrário, acabou sendo envolvido pelo glamour que rodeia o esporte e se comporta mais como torcedor do que como presidente.
MD: A grande marca do esporte brasileiro é a perpetuação de dirigentes no poder. Qual sua opinião sobre isso? Como vê a falta de cobrança em cima dos dirigentes?
Silvio Torres: A limitação de mandatos já foi uma das propostas da CPI da Nike, porque é facilmente perceptível que esse continuismo só traz vícios e acaba impedindo que se areje, que se modernize, que haja mais transparência. Isso é regra no esporte brasileiro, nas entidades, confederações, federações, clubes. Minha esperança é de que consigamos fazer a mudança pelos clubes. Vejo alguns clubes administrando com característica mais profissional, admitindo a necessidade da transparência. Essa conscientização vem da pressão que a sociedade faz. Quais resultados têm o esporte e futebol? A maioria dos clubes está quebrada. As confederações estão à mingua, com atletas na rua.
MD: É necessário, então, mudar os clubes?
Silvio Torres: A CBF manda dinheiro para 90% das federações. A maioria dos clubes, que são eleitores, é que recebe adiantamentos da CBF, das redes de televisão, via CBF. A questão financeira acaba prevalecendo. Enquanto não fortalecermos os clubes, eles não terão poder para mudar a realidade. Sou a favor do saneamento. Do jeito que está não tem solução. O Flamengo tem uma dívida impagável. É necessária uma política que inclua o saneamento financeiro, administrativo, impondo contrapartidas. Na Timemania, a contrapartida é o escudo dos clubes, mas isso é piada.Odebate não pode ser restrito aos que já mandam.
MM: Há uma saída imediata?
Silvio Torres: Não vejo saída preparada. A saída seria mudar a legislação, com mais intervenção do governo. Futebol e outros esportes são questão do Estado. O futebol mobiliza toda a estrutura do Estado, como segurança, transporte. Como o trataremos como algo privado?
PRC: A Lei de Incentivo privilegia apenas clubes que já são ricos?
Silvio Torres: Depois de um ano meioemfuncionamento, os poucos projetos aprovados foram destinados ao futebol e aos clubes que estão bem, como é o caso do São Paulo. Quem é mais organizado e tem condição de elaborar projeto e buscar financiadores vai se dar melhor. Aí o dinheiro não chega onde precisa chegar.
Fonte: MSN Esportes