Comissão de turismo debate os impactos da economia colaborativa

O mundo está cada vez mais conectado. Os smartphones e a internet permitiram o surgimento de uma nova maneira de consumo. Plataformas digitais possibilitam que pessoas se conectem compartilhando produtos e serviços, dando origem à economia colaborativa. Para discutir de que forma isso afeta o setor, o presidente da Comissão de Turismo, Herculano Passos (PSD-SP), propôs a realização de um seminário na Câmara dos Deputados. O evento foi realizado nesta quarta-feira, 07, e reuniu pesquisadores e o trade de hospedagem tradicional e colaborativa.
09/12/2016 11h53

Billy Boss

Comissão de turismo debate os impactos da economia colaborativa

Conforme a especialista em gestão e inovação, Ana Lavaquial, a economia colaborativa pode ser compreendida de uma maneira bastante simples. “É, basicamente, juntar o ‘eu preciso’ com o ‘eu tenho’ a partir de plataformas com base tecnológicas, que geram eficiência e confiança a partir de uma nova moeda chamada reputação”.

Duas das plataformas mais conhecidas no Brasil são o Uber, que conecta motoristas e passageiros, e o AIRBNB, que liga anfitriões e hospedes. No entanto, existem centenas de outros exemplos desse novo tipo de negócios, como Getninjas, que permite conectar prestadores de serviços variados a possíveis clientes, ou o Enjoei, que possibilita a venda de roupas e acessórios usados.

No turismo, a hotelaria tem sentido o impacto das plataformas de hospedagem. Conforme o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH Nacional), Dilson Fonseca, a falta de regulamentação da economia colaborativa gera uma concorrência desleal. “O setor não é contra esse novo modelo de negócios, o que nós precisamos é isonomia tributária, lealdade no procedimento do exercício da mesma atividade, o avanço coletivo, a transparência, e que todos sejam regulamentados”.

Em seu discurso, o presidente do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB), Manoel Gama, elencou normas as quais os hotéis são submetidos, mas as plataformas não. “A hotelaria não quer aumentar as dificuldades para o AIRBNB, só quer ter as mesmas regras”, citando algumas obrigações como a adequação às leis do turismo, do inquilinato e de zoneamento; as questões tributárias; obrigações trabalhistas; normas de segurança; adaptações para acessibilidade; licenças e alvarás; seguros de proteção; e qualificação de mão de obra.

Já o presidente do Conselho Empresarial de Turismo e Hospitalidade da Confederação Nacional de Comércio, Bens e Serviços (CNC), Alexandre Sampaio, afirmou que os meios de hospedagens tradicionais têm coobrigação legal e formal de controlar esse processo. “Usando as plataformas, os proprietários dos imóveis estão exercendo uma atividade comercial difícil de ser tributada com eficiência. Além disso, os fluxos financeiros gerados por meio de cartão de crédito em plataforma online podem transitar fora do território do imóvel. Podemos, portanto, supor que um proprietário brasileiro receba o aluguel de seu imóvel em conta no exterior sem declarar a renda no Brasil”.

No contraponto, a gerente de relações governamentais do AIRBNB Brasil, Flávia Matos, defendeu que o aplicativo tem embasamento legal e que a empresa deseja contribui para movimentar a economia nacional. “A atividade exercida entre o anfitrião e o hóspede do AIRBNB é prevista pela Lei do Inquilinato. Além disso, nós estamos comprometidos em fazer o pagamento justo de impostos, inclusive os do turismo, em todas as jurisdições onde atuamos. E estamos comprometidos também promover o compartilhamento responsável de lares e em fortalecer os destinos turísticos”, afirmou.

Ela defendeu também que o perfil do usuário do AIRBNB não é o mesmo da hotelaria. “Atendemos um segmento de mercado com exigências particulares, é uma experiência completamente diferente de viagem. Analises mostram que os hóspedes que locam pela nossa plataforma correspondem a apenas 0,65% dos turistas domésticos e estrangeiros no Brasil. Então, tem um mundo de 99,35% de turistas a ser explorado pelo mercado”, enfatizou.

Comissão Especial

Vários países do mundo já têm legislações específicas para as plataformas de hospedagem. Na grande maioria, o morador ou proprietário do imóvel tem que estar junto com o hóspede. Também é estipulado um período máximo de locação durante o ano, há necessidade de uma licença comercial, bem como o pagamento de uma taxa para registro de locação por temporada. No Brasil, no entanto, ainda não há nenhum tipo de regra. Pensando nisso, o deputado Herculano Passos propôs a criação de uma Comissão Especial de Estudos do Marco Regulatório da Economia Colaborativa, na Câmara dos Deputados. “Esse é um modelo de consumo que só vai crescer, não há como evitar e nem queremos isso. E ele abrange várias áreas, não só o turismo. Então queremos discutir, sim, as plataformas de hospedagem, os aplicativos de transporte ou de restaurantes, mas essa comissão será mais ampla”, explicou.

Herculano, que no início do ano que vem deixa a presidência da Comissão de Turismo, deverá ficar à frente da Comissão Especial. “Nós estamos lidando com o novo, ninguém sabe muito bem o que pode e o que não pode e o que queremos é delimitar direitos e deveres. Vamos ouvir os vários segmentos, acolher sugestões, buscar exemplos internacionais que deram certo e, desse colegiado, deve sair um projeto de lei com uma regulamentação que seja benéfica para as empresas, os consumidores e para o país”, afirmou.

Governo Federal envolvido

Durante o seminário, o chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Qualificação e Promoção do Turismo, Hercy Rodrigues, afirmou que o Ministério do Turismo trabalha para mediar esse tema. “Todos os envolvidos no processo precisam ter maturidade para lidar com o novo. Esse é o caminho para encontrarmos uma solução de consenso. Já realizamos uma rodada de conversas com representantes de negócios da economia compartilhada, da hotelaria e de prestadores de serviços interessados na discussão, como os aluguéis por temporada. O próprio ministro Marx Beltrão tem ouvido os envolvidos no tema para encontrar o melhor encaminhamento para essa complexa questão”.

O Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) também tem participados dessa discussão. Na opinião do presidente, Vinicius Lummertz, é preciso descobrir e propor fórmulas de consenso. “Não podemos lutar contra algo que, filosoficamente, é natural e faz sentido, mas também não podemos aceitar que a indústria possa entrar em colapso, que o faturamento possa cair, que possa aumentar o desemprego, porque não se produz mais e, sim, se colabora. Precisamos discutir essa nova forma de pensar a sociedade, que logicamente impacta o turismo. É preciso encontrarmos um ponto de equilíbrio e uma solução para novas formas de se viver. ”

Regulamentação

Por ser uma inovação, a economia colaborativa traz desafios regulatórios. Segundo a líder de Projeto do InternetLab, Beatriz Kira, um deles é a questão de tratamento da privacidade dos dados pessoais dos usuários das plataformas. “Hoje em dia, muitas empresas usam as avaliações como método de aferição de qualidade da prestação dos serviços. Para que essas avaliações funcionem, é preciso coletar muitos dados pessoais, com isso surge a preocupação de qual o nível de proteção que é dada a estes dados. ”

Mas, na opinião da coordenadora de inovação e tecnologia do Instituto de Tecnologia & Sociedade, Luiza Mesquita, os desafios são ainda maiores. “Tem uma nova economia emergindo sendo que praticamente metade da população mundial ainda não está conectada. Então imagina as oportunidades e possibilidades que ainda vão surgir à medida que esse cenário avança? ”, provocou.

Professora de administração e turismo da Universidade Federal de Brasília (UnB), Helena Araújo Costa, chamou a atenção para o fato de que a economia colaborativa deve mudar também a maneira como empresas tradicionais irão funcionar. “Não é regulamentar os novos modelos de negócios, é como eu posso promover uma facilitação para quem existe no mercado. Quais são as regras que impedem que a concorrência seja justa? É olhar para os novos negócios e pensar que tipo de regulamentação pode os acolher, porque as demandas são legitimas. E aí entra o setor público mediando isso, com essa enorme complexidade que se tem. ”

 

Jane Santin

Assessora de Comunicação
Deputado Federal Herculano Passos