Aos pés de Teixeira

16/03/2009 07h10

Phydia de Athayde

“Você já viu os olhos de alguém emocionado? Brilham!” Assim o governador do Amazonas, Eduardo Braga, relata a reação da comitiva da Fifa ao passar por Manaus, uma das dezessete cidades que disputam as doze vagas para sediar jogos da Copa de 2014 no Brasil. Daqui a menos de um mês, precisamente em 20 de março, as escolhidas serão anunciadas em Zurique, na Suíça. Somente a partir daí a organização do Mundial começará de verdade. É quando o governo federal anunciará as obras do PAC para atender à demanda por infraestrutura nas cidades que receberão o evento. É quando, também, os governos estaduais terão de provar estar preparados. Quando maquetes terão de se transformar em realidade. De preferência, sem grandes rombos nos cofres públicos. 

Os Jogos Pan-Americanos, realizados no Rio de Janeiro em 2007, continuam a ser um exemplo do que não se deve fazer. Orçado inicialmente em 414 milhões de reais, o Pan consumiu quase 4 bilhões de reais do Erário, sem que o legado tenha sido relevante. 

Somente em infraestrutura, a Copa poderá custar mais de 100 bilhões de reais, estima a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), que fez um levantamento em todas as cidades candidatas, a pedido da CBF e do Ministério do Esporte. Há pouco mais de um ano, um orçamento preliminar, preparado pelo agora diretor-financeiro do Comitê Organizador, Carlos Langoni, estimava em cerca de 4,8 bilhões de dólares (à época 8,3 bilhões de reais) as obras estruturais, e em 1,2 bilhão (2 bilhões de reais) os estádios. Não se fala mais desse orçamento preliminar. E não se fala, ainda, de um orçamento real. 

Na África do Sul, anfitriã da Copa de 2010, inicialmente previa-se gastar 350 milhões de dólares para construir cinco novos estádios e reformar outros cinco. O orçamento pulou para 1 bilhão de dólares. Greves e obras atrasadas causaram mal-estar. A Fifa descarta tirar a Copa de lá, embora o clima não seja dos melhores. Em janeiro deste ano, o parlamentar sul-africano Jimmy Mohlala, que havia denunciado um esquema de corrupção na construção de um dos estádios para a Copa 2010, foi assassinado na cidade de Mbombela. 

Se não pretende ser uma África do Sul, o Brasil também não dá sinais de ser uma Alemanha, anfitriã da edição de 2006, considerada um sucesso de organização. A última Copa deu lucro de 135 milhões de euros, 40,8 milhões deles destinados somente à Fifa. Dos cerca de 2 bilhões de euros investidos nos estádios, apenas um terço foi financiado pelo poder público. O governo alemão investiu outros 3,5 bilhões de euros em infraestrutura urbana. 

Que a Copa do Mundo de 2014 não repita os caminhos do Pan deveria ser não apenas um desejo, mas uma condição. Antes da confirmação da escolha do Brasil como sede da Copa de 2014, embora não houvesse concorrente na América e ainda existisse o rodízio de continentes, a CBF registrou em cartório, no Rio de Janeiro, a estrutura da então “Associação Brasil 2014”, embrião do presente Comitê Organizador da Copa. A entidade foi concebida em um formato jurídico que veta a interferência do governo federal. Constituída como associação civil sem fins econômicos, conforme o estatuto, dá plenos poderes a seu diretor-presidente, Ricardo Teixeira, alijando o poder público de qualquer decisão.

A partir daí, Teixeira nomeou o comitê. Sem justificar as escolhas, cercou-se de figuras como Mário Rosa, requisitado graças à especialidade em gerenciar escândalos e crises de imagem. Filha de Teixeira, Joana Havelange, de quem se diz falar quatro idiomas e se sabe ter tido uma grife de bolsas no Rio de Janeiro, ganhou um cargo no Comitê. Outro que figura na lista é o advogado Francisco Müssnich, de estilo um tanto heterodoxo. É capaz de lances espetaculares e inusuais para defender o interesse de seus clientes. Uma vez, chegou a sair correndo de uma assembleia de acionistas da Brasil Telecom, com a ata da reunião debaixo do braço, para evitar que os sócios conseguissem destituir Daniel Dantas do controle da operadora. 

Müssnich é íntimo da família: defende Daniel em processos e é namorado permanente da irmã Verônica. Rodrigo Paiva, assessor de imprensa da CBF e da seleção brasileira desde 2002, repete o mesmo posto. O arquiteto Carlos de La Corte foi chamado para ser consultor de estádios, após prestar uma consultoria para o Ministério do Esporte e por ter uma empresa de projetos de viabilidade de arenas esportivas. Há, também, o ex-presidente do Banco Central, Carlos Langoni, e Alexandre Silveira, responsáveis pela parte financeira. 

No Congresso, há pouca gente realmente empenhada em acompanhar a articulação de recursos públicos que serão aplicados na Copa. Um dos raros é o deputado federal Silvio Torres (PSDB-SP). “Ricardo Teixeira adquiriu poder extra com o interesse dos estados em sediar a Copa. Interesses diretamente ligados a interesses políticos. Ele faz esse jogo e, por conta disso, nunca esteve tão poderoso”, diz. “Haverá muito dinheiro público envolvido na preparação para a Copa e, sem planejamento, acontecerá como no Pan, em que se gastou muito mais do que o previsto e sem licitações. Há risco em todos os setores”, alerta. Ele quer criar uma Comissão Especial de Acompanhamento da preparação para a Copa. A proposta está nas mãos do presidente da Câmara, mas ainda não foi votada. Torres vai insistir e, também, estará na subcomissão que pretende acompanhar o tema. 

Ainda que muito se especule quais serão as cidades escolhidas e que sejam dadas como certas São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte e Brasília, ninguém arrisca as doze sedes. O clima de suspense chegou ao ápice após o périplo dos representantes da Fifa pelo País. Daí a determinação do governador amazonense em anotar reações físicas nos visitantes, já que a comitiva não interagiu com os anfitriões. A estes restou o insondável. 

“Nós os recebemos de forma amazônica”, exalta Braga. “Até chegarem a Manaus, eles estavam o tempo todo sob pressão. Aqui, relaxaram num eco-resort belíssimo, ficaram absolutamente à vontade”, garante. Verdade seja dita, o tratamento mais que vip proporcionado ao francês Thierry Weil, diretor de Marketing da Fifa, ao norte-americano Dick Wiles, da Match, empresa responsável pelos ingressos do Mundial, e ao brasileiro Fulvio Danilas, gerente da Fifa e responsável pelo projeto da Copa no Brasil, repetiu-se a cada cidade. 

A rotina das visitas seguiu o mesmo roteiro em todo o País. A recepção (no melhor restaurante local ou no palácio do governo), a apresentação dos projetos de ampliação de aeroportos, a exposição técnica da candidatura, um sobrevoo de helicóptero pela cidade e, quando havia o que mostrar, pouso e inspeção relâmpago no estádio postulante. 

Os mais céticos acreditam que a comitiva da Fifa é apenas parte de uma encenação. A mesma que teria levado Ricardo Teixeira a declarar em artigo na Folha de S.Paulo que “todo o processo da Copa será conduzido com a maior seriedade”, que as escolhas das cidades “não serão políticas” e coisas do tipo. Teixeira não está em campanha. Garantiu-se na CBF até a realização da Copa, quando completará 25 anos no poder. 

Em campanha estão os governadores, especialmente os de estados onde o futebol é insignificante. “Faz tempo que estou mexendo meus pauzinhos para trazer a Copa para o Mato Grosso, mas prefiro fazer isso quieto, sem alarde”, proferiu Blairo Maggi no Palácio Paiaguás. O secretário de Desenvolvimento do Turismo, Yuri Bastos, dá detalhes do projeto de Cuiabá: “A nossa arena, o Verdão, custará 400 milhões de reais. Queremos a iniciativa privada investindo. Caso não encontremos parceiros, garantiremos os recursos”. Traduzindo: se ninguém quiser investir em uma arena, o governo estadual pagará sozinho. 

Assim como a capital amazonense, Cuiabá contratou a consultoria Deloitte para alinhavar a candidatura à Copa. “É uma organização altamente profissional”, diz. Além dos 400 milhões de reais para o estádio, Bastos diz que 1 bilhão de reais será utilizado em obras estruturais. 

A grife da consultoria internacional Deloitte também municia Braga, que alardeia 6 bilhões de reais em investimentos, com nome em inglês. “É o nosso master plan de investimentos privados e públicos, nossa capacidade de atração. Mas com 40% disso eu faço a arena e resolvo a questão da mobilidade urbana”, explica o governador, antes de repetir o mantra, comum a 100% dos postulantes à Copa: “Tanto quanto possível, usaremos o mínimo de dinheiro público”.

A candidatura amazonense inclui a proposta de “carboneutralizar” a Copa do Mundo. Consiste em garantir a não derrubada de uma área preservada de floresta entre Mato Grosso, Rondônia e Pará. A Copa só terá as emissões de carbono neutralizadas se Manaus for uma das sedes? “Em que pese acharmos injusto prestar um serviço ambiental sem sermos sede, uma coisa não depende da outra. Isso é um plus”, floreia Braga. 

É particularmente interessante a disputa entre as cidades fora dos eixos sagrados do futebol brasileiro. Ainda mais depois que o ministro do Esporte, Orlando Silva, antecipou-se à Fifa e garantiu “uma cidade na Amazônia e outra no Pantanal” entre as escolhidas. Teixeira o desmentiu, a reforçar que “nada está definido”. Mas a alteração anunciada em seguida por Joseph Blatter, de que, em vez das dez originalmente programadas, haveria doze cidades-sede, faz pensar em arenas erguidas nessas duas regiões. 

“Mas aqui não vai ter elefante branco”, destaca a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa. Ela sabe o peso disso, e apressa-se em se diferenciar dos concorrentes vizinhos. “Aqui temos futebol. No último clássico, Remo e Paysandu levaram 32 mil pagantes ao estádio. Além disso, em janeiro mostramos nossa capacidade ao recebermos 130 mil visitantes no Fórum Social Mundial. E temos o maior projeto de reflorestamento do planeta: plantar 1 bilhão de árvores”, diz, ciente da importância que a preocupação ambiental poderá ter. 

Belém também contou com uma consultoria internacional, a PricewaterhouseCoopers, para elaborar seu projeto de sede. A reforma do Mangueirão, orçada em 90 mil dólares, tem valor bem menor do que a dos concorrentes. A governadora diz que, ao todo, o Pará investirá 400 milhões de reais em obras financiadas pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal. “Tudo isso vai acontecer independentemente de sermos escolhidos”, garante. 

Também na corrida amazônica está o Acre. A candidatura de Rio Branco fez a senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva usar a tribuna para fazer campanha pela Copa. Ela cita desde a luta dos acrianos para serem integrados ao Brasil até a ideia de desenvolvimento sustentável defendida por Chico Mendes para convencer o restante do País a conhecer melhor o postulante. “O Acre está acostumado a surpreender. Por que não também agora?” 

O secretário de Turismo, Cassiano Marques, diz que o estado tem investimentos de 3,5 bilhões de reais em obras com impactos na Copa. Caso seja escolhido, outros 400 milhões de reais estão previstos para a construção do Centro de Treinamento, da segunda fase da Arena da Floresta e de mais hotéis. Marques, porém, parece reconhecer a chance mínima de Rio Branco. “Por conta do seu esforço, o Acre já está na Copa. De um jeito ou de outro, já estamos.” 

Com chances mais realistas de estar entre as sedes anunciadas em 20 de março, a capital cearense apresenta seus números. O governador Cid Gomes comenta a passagem da comitiva da Fifa por Fortaleza. Escolhida para ser a última visitada, foi onde, pela primeira e única vez, os homens da Fifa se pronunciaram. Thierry Weil arranhou um portunhol para dizer que, em 2014, “o futebol volta para na sú casa”. Fortaleza foi a última cidade visitada por estar fisicamente mais próxima da Europa. “Isso não é um elogio, é apenas uma constatação. Uma verdade absoluta (a proximidade da Europa) foi mencionada cercada de pudores. Eles são absolutamente discretos”, disse o governador. 

Cid Gomes destaca como vantagens cearenses a rede hoteleira razoável e concentrada em 5 quilômetros da orla. Mas reconhece as limitações de mobilidade urbana (comuns a todas as candidatas). “O estado investirá no transporte metroviário, na ligação aeroporto-hotéis-estádio. No Metrô investiremos 800 milhões de reais, independentemente da Copa. Nas duas linhas de VLT (veículo leve sobre trilhos), 90 milhões de reais em cada, mas dependendo da confirmação da Copa”, diz Gomes. A candidatura cearense inclui a reforma do Castelão, que é estadual. “Tivemos uma oferta de PPP e foi feito um belo projeto. Uma estimativa grosseira de custos fica em torno de 300 milhões de reais, mas ainda não existe projeto executivo”, diz o governador. Além de garantir a reforma caso a PPP não se concretize, espera investir 800 milhões de reais em obras viárias, “cinco ou seis viadutos”. Tudo a ser definido após 20 de março. 

Na Bahia, o secretário de Transporte, Renda e Emprego, Nilton Vasconcelos, repete ideias parecidas. “O governo do estado quer investir zero no equipamento esportivo. É um desejo. A curto prazo, a hipótese de uma PPP é proposta a ser modelada”, diz. A reforma da Fonte Nova está orçada em cerca de 320 milhões de reais e inclui a construção, opcional, de um shopping center ou um centro empresarial ao redor do estádio, para tornar o investimento economicamente viável. “Sabemos que apenas a receita operacional do estádio dificilmente trará o retorno financeiro”, admite. “O investimento no estádio dificilmente virá num contexto diferente. Mas não contamos com essa hipótese”, diz Vasconcelos, sobre a eventualidade de Salvador não ser escolhida. 

No Rio de Janeiro, o governador Sérgio Cabral se diz confiante não apenas na escolha, mas em abrigar a final da Copa e, também, o Centro de Mídia. “Não tenho dúvida de que vamos conseguir”, disse. “Os dirigentes da Fifa ficaram encantados com o projeto do Rio de Janeiro. Temos uma lista de investimentos em infraestrutura em andamento, como o Arco Metropolitano, o PAC nas comunidades carentes, a compra de novos trens suburbanos e os investimentos no Metrô. São iniciativas que chegam a 10 bilhões de reais, fruto da parceria dos três níveis de governo.” O governador não distinguiu quanto dos investimentos caberá ao município nem ao estado. 

Walter Feldman, secretário de Esportes da cidade de São Paulo, apresenta números vultosos. “Teremos investimentos de 10 bilhões de reais, a maior parte disso, 8,6 bilhões, no Metrô, verba fundamentalmente do governo do estado, fora o 1 bilhão que a prefeitura disponibilizará por ano, também para o Metrô”, diz. A candidatura paulistana está atrelada à ampliação do Metrô em direção ao aeroporto de Congonhas e ao Morumbi. Apesar de rumores apontando o surgimento de uma nova arena na cidade para a Copa, Feldman está fechado com o estádio do São Paulo. “O Morumbi tem condições de receber a abertura e a final, mas precisa ser modernizado. Quanto a isso, recebemos todas as garantias da direção do clube.” A construção de uma garagem interligada com a futura estação do Metrô, próxima ao estádio, ainda não foi definida. “Seria o complemento que nos daria a perfeição, mas não é um impeditivo”, conclui Feldman. 

Além das mencionadas, concorrem Campo Grande, Natal, Recife/Olinda, Curitiba, Goiânia e Florianópolis. A contagem regressiva para a definição das sedes da Copa 2014 está perto do fim. Depois de 20 de março, as cidades escolhidas terão três meses para entregar à Fifa o estudo de pré-viabilidade dos projetos apresentados. A partir daí, seguirão o cronograma da Fifa. Em novembro de 2008, a entidade máxima do futebol anunciou ter feito um seguro milionário, no valor de 650 milhões de dólares, para se resguardar de eventuais problemas durante a preparação da Copa de 2010, na África do Sul, e da Copa de 2014, no Brasil. Melhor prevenir.

Fonte: Carta Capital