O presente e o futuro das nossas políticas Externa, de Defesa e de Inteligência foram temas de Seminário na CREDN
Foto: Antônio Augusto (CD)
CREDN reuniu alguns dos mais renomados especialistas para discutir as prioridades para o Brasil nas três áreas
O evento reuniu alguns dos mais renomados especialistas nas três áreas e foi inaugurado com uma aula magna do professor Fernando Reinares, investigador principal de Terrorismo Internacional do Real Instituto Elcano de Madri. Reinares chamou a atenção para as transformações do terrorismo e alertou para o fato de que o Brasil não está distante deste fenômeno.
Segundo ele, "na medida em que o Brasil ocupa e desempenha um papel mais relevante na esfera internacional, esta realidade deve ser percebida como alto menos distante e mais próxima". Além disso, afirmou que Al Qaeda e Estado Islâmico, hoje com cerca de 30 mil militantes, deverão disputar poder e influência junto aos islamistas em breve.
Reinares também manifestou preocupação com a propagação da Yihad no Brasil por meio de associações mulçumanas. "No Brasil, estão definindo Yihad como combate e violência e isso é negar o que verdadeiramente ela significa, um esforço pessoal por viver de acordo com as regras do Islã".
Política Externa
Em relação à Política Externa Brasileira, os especialistas convidados foram unânimes em afirmar que a mesma fraquejou nos últimos anos por falta de planejamento e de coerência, criando uma espécie de "zona cinza", caraterizada basicamente por incertezas.
Para o sociólogo e diretor de Inteligência e Estratégia da Arko Advice, Thiago de Aragão, a postura e o papel do Brasil no mundo não estão muito claros atualmente. "O planejamento e a coerência é o que hoje não está muito claro aos olhos dos estudiosos e da comunidade internacional em relação à postura do Brasil. Uma política externa centralizada no Itamaraty ou na Presidência, tem que ter coerência e planejamento, tendo em vista que a politica externa é uma política de Estado e não de governo ou de partido", afirmou.
Já o professor de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília, Creomar de Souza, criticou a dificuldade do Brasil em definir qual é o real interesse nacional em termos de política externa. "De maneira geral, a gente pode dizer que há uma relativização de pontos fundamentais que marcam a trajetória brasileira no sistema internacional. É como se nós tivéssemos criado algumas zonas cinza dizendo: isso vale para A, mas não vale para B, que é meu amigo."
Para o cientista político e coordenador de Estudos e Debates do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) Leonardo Paz, a inserção brasileira nas cadeias globais de comércio e nos grandes acordos internacionais deve estar no topo da agenda do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff.
O professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV), Oliver Stuenkel, lamentou a passividade da Política Externa Brasileira e explicou que uma Política Externa ativa deve ser parte de um projeto nacional.
"Precisamos de um presidente que esteja disposto a arriscar capital político e um chanceler com autonomia, e precisamos estar na Coreia do Norte para poder opinar sobre o que condenamos de tudo aquilo que lá acontece, assim como deveríamos ter uma embaixada no Afeganistão, pois é lá que se define como lidar com estados falidos. Sem isso, não temos legitimidade para postular um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU", advertiu.
Defesa Nacional
Em relação à Defesa Nacional, os painelistas reconheceram avanços no setor, mas cobraram maior poder civil na Defesa.
Para Alexandre Fuccille, professor de Relações Internacionais na Universidade Estadual Paulista e presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED), há um déficit em relação à administração civil da defesa nacional. "Não estamos falando de uma política de defesa nacional, mas de uma política para a defesa nacional. Coronéis da reserva não são civis. Precisamos instituir a carreira típica de Estado de analista de defesa".
Gunther Rudzit, coordenador e professor do curso de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco e consultor em defesa, cobrou uma reestruturação da estrutura militar com o efetivo controle civil sobre os meios de defesa. Na sua avaliação, os militares já aceitaram o seu papel, mas os civis ainda precisam deixar claro o que querem.
Por outro lado, criticou a edição do decreto 4.735 de 2003, que trata das secretarias de Política, Estratégia e Relações Internacionais e de Logística e Mobilização Nacional, ambas do ministério da Defesa, que só podem ser ocupadas por oficiais da ativa e no último posto. "Esta medida torna impossível o controle civil sobre os militares. Há civis em número suficiente para ocupar esses postos e definir políticas para o setor. Hoje, são os militares que estão elaborando as políticas", afirmou.
Já o diretor do Centro de Tecnologia, Relações Internacionais e Segurança (CeTRIS), Salvador Raza, lamentou que os temas de Defesa e Segurança tenham ficado de fora das campanhas eleitorais recentes e explicou que o Brasil precisa conceber uma profunda reforma institucional e organizacional do ministério da Defesa.
Integrante do grupo que trabalhou na criação do MD, Raza também contestou os dogmatismos ainda presentes na relação entre civis e militares, sobretudo no que se refere aos cargos na defesa. "O que precisamos é de gente inteligente, não importa se civil ou militar. Tem que ter uma gestão de competência. Não podemos permitir que o MD se transforme num cabide de empregos para coronéis reformados", destacou.
No entanto, o professor Antônio Jorge Ramalho, diretor do Instituto Pandiá Calógeras (IPC), think thank vinculado ao ministério da Defesa, enfatizou o esforço que tem sido feito para o aperfeiçoamento do diálogo do setor Defesa com a sociedade civil.
Segundo ele, "estamos passando por um processo de evolução do setor nacional de Defesa, que envolve esse diálogo com a Academia, com o próprio Congresso Nacional e com a mídia, para levar a uma criação de cultura de defesa", explicou.
Antonio Jorge rebateu as críticas de que o Brasil não contaria com uma estratégia que pensasse em metas para o futuro, ao destacar que a Estratégia e a Política Nacional de Defesa estabeleceram mudanças estruturais e definem de forma clara os rumos do setor para os próximos 30 anos.
Ele lembrou ainda que em 2016, o Livro Branco de Defesa passará por uma reformulação, já que a lei que sustenta o documento prevê uma revisão a cada quatro anos e que desta discussão, deverão participar todos os setores, incluindo o Congresso.
Inteligência
Os conferencistas convidados para a mesa "Inteligência: política de Estado, assuntos estratégicos e interesse nacional", foram taxativos ao afirmarem que o Brasil precisa investir na atividade de Inteligência com forte controle por meio do Legislativo.
Na opinião do General Maynard Marques de Santa Rosa, ex-chefe da Divisão de Contra-Inteligência do Centro de Inteligência do Exército e ex-Secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do ministério da Defesa, "a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) significa um avanço institucional do país e confere legitimidade à Inteligência. No entanto, um dos problemas que temos é a falta de um conceito de Segurança Nacional que torne explícitas as formas de ameaças ao país. Isso dificulta a orientação do esforço de busca de informação de Inteligência".
Santa Rosa assinalou ainda que a inaptidão cultural dos clientes principais ao uso desta importante ferramenta de apoio às decisões agrava a situação. "Em geral, não sabem o que querem ou não confiam nos órgãos institucionais e deixam de estabelecer as próprias necessidades". Ele acredita que parte deste problema guarda relação com a transição feita de forma precipitada entre o antigo Serviço Nacional de Inteligência (SNI) e a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), deixando sequelas ainda não superadas.
"Leva-se uma geração para construir confiança no Sistema e cinco minutos para destruí-la. Por isso, Inteligência de Estado deve ser preservada de influências políticas e sindicais", defendeu.
Já André Woloszyn, ex-Analista de Assuntos Estratégicos, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) e diplomado em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra (ESG), acredita que "enquanto não tivermos um objetivo de Estado claro tanto a nível interno quanto a nível externo, não poderemos responder sobre qual Inteligência é a ideal para o Brasil".
Segundo ele, "Inteligência não é mais apenas espionagem e monitoramento. O tipo de Inteligência que queremos depende diretamente do tipo de país que queremos e do tipo de projeção que buscamos", concluiu.
"Quando as denúncias de Edward Snowden explodiram na imprensa brasileira, todos ficaram chocados, menos a comunidade de Inteligência, que conhece as vulnerabilidades", explicou Marcus Reis, advogado especialista em contraterrorismo e contrainsurgência, combate ao crime organizado transnacional, bem como em governança global e segurança mundial.
Reis disse ainda que as principais conclusões da CPI da Espionagem que funcionou no Senado entre 10 de julho de 2013 e 9 de abril deste ano, foram a condenação às medidas de espionagem de outras nações contra o Brasil e a necessidade de se criar a Agência Brasileira de Inteligência de Sinais. No entanto, ao que parece, o choque inicial deu lugar à inércia.
"Estado que ficar sem Inteligência de sinais, com todas as tecnologias necessárias, incluindo a interceptação telefônica, vai ficar para trás. Além disso, a Inteligência humana precisa ser fortalecida, afinal de contas, entender como funcionam as relações interpessoais é poder. Poder para influenciar os outros, para entendê-los e os seus objetivos", advertiu.
O Consultor Legislativo Joanisval Brito Gonçalves, doutor em Relações Internacionais e especialista em Inteligência (ESINT/ABIN), vai além. Na sua avaliação, "a nossa Inteligência está completamente abandonada. No Brasil não há preocupação significativa das autoridades e da sociedade e esta pouca atenção se deve, em parte, ao desconhecimento, preconceito e até má-fé em relação aos profissionais de Inteligência".
Ele lamenta que no Brasil, falte cultura de planejamento, de segurança e defesa e de Inteligência. "A Inteligência é fundamental para apoiar e assessorar o processo decisório, além de proteger o conhecimento sensível. Enquanto não planejarmos, estaremos vulneráveis a tudo", alertou.
Democracia
Todos foram unânimes em afirmar que Inteligência e Democracia são compatíveis. É assim em todas as grandes democracias com os seus serviços de Inteligência. "É claro que há regimes autoritários que também os têm e Inteligência, boa ou ruim, é um instrumento de poder. O que difere uma da outra é o controle. A atividade de Inteligência precisa ser controlada, interna e externamente", afirmou Gonçalves.
Por fim, defendeu que o órgão central da Inteligência tenha acesso direto à presidente e que haja maior coordenação e cooperação entre os órgãos do SISBIN. "Do contrário, estaremos sempre à mercê de quem sabe fazer Inteligência de verdade", concluiu.
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