Mercosul, nosso norte é o sul

A presidenta Dilma, mais uma vez, encheu-me de orgulho, e a milhões de Brasileiros ao declarar que "foi uma honra e uma satisfação presidir esta reunião do Mercosul, que tem significado histórico", referindo-se à aprovação da inclusão da Venezuela ao Mercosul.
10/08/2012 17h45

Foto: Elias Kitosato

Mercosul, nosso norte é o sul

Foi no último dia 31/7, em Brasília, depois de seis anos de espera. Essa medida imprime uma nova configuração geopolítica continental, um avanço estratégico e uma mudança significativa na nova ordem geoeconômica global, além de imprimir a marca da sagacidade da nossa presidenta Dilma Rousseff nas relações internacionais.

É um importante avanço no sonho dos líderes da atualidade em prol da transformação política, econômica e comercial da região, para fazer frente, inclusive, à crise internacional, com uma base ideológica forjada no sofrimento e na reação dos povos sul-americanos, cuja prova são os mandatários progressistas, todos eleitos e reeleitos democraticamente.

Já em 2001 a Venezuela havia apresentado sua candidatura. Mas, apesar do ingresso do quinto país membro já estar aprovado desde 2006 por sete das oito casas legislativas que compõem o Mercosul, dependia ainda da aprovação do Senado paraguaio. O mesmo Senado, de partidos conservadores, que em rito sumário, menos de 30 horas, cassou o mandato do presidente Lugo, exercia poder de veto na integração da América do Sul e fazia coro com os países ricos contrários à consolidação do Mercosul.

Esta recusa do Senado paraguaio em aprovar o ingresso da Venezuela no Mercosul não difere mesmo da política norte-americana na América do Sul, quando já em 1889, na I Conferência Internacional Americana, propôs a negociação de um Acordo de Livre Comércio nas Américas e a adoção, por todos os países da região, do dólar como moeda única para as transações. E é claro que para esse tipo de objetivo a negociação com blocos de países (no caso a formação do Mercosul) é muito mais difícil. Por isso os países ricos, desde o início, mantiveram uma posição contrária ao Mercosul, criado em 1991 para estimular o livre comércio na região.

A criação do Mercosul, e a consequente rejeição da proposta estadunidense de criação de uma área de Livre Comércio das Américas – ALCA, já havia sido um duro golpe nas pretensões da potência. Mas, a inclusão da Venezuela no Mercosul constitui, do ponto de vista geopolítico, a maior derrota diplomática estadunidense na avaliação do pensador argentino Atilio Borón.

A adesão mostrou a capacidade dos governantes sul-americanos, com destaque especial para duas mulheres, às presidentas Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, que junto com o presidente do Uruguai, José Mujica, apararam o golpe dado no presidente do Paraguai Fernando Lugo e o transformaram em algo positivo, promovendo com ainda maior rapidez, a suspensão provisória do Paraguai no Mercosul e a introdução da Venezuela como quinto membro daquele organismo.

Eu diria que a reação pegou os líderes políticos do Partido Colorado, que esteve no poder no Paraguai durante sessenta anos (até a eleição de Lugo), os dos Estados Unidos e seus aliados de surpresa. Todos pareciam imaginar que as sanções contra o Paraguai, em decorrência do impedimento de Lugo, seriam principalmente políticas, e não econômicas, limitando-se a impedir o Paraguai de participar de reuniões de Presidentes e de Ministros do bloco. Prova disso é que diante dessa evolução inesperada, os líderes e partidos conservadores de todo o mundo ocidental capitalista se mobilizaram em socorro dos neogolpistas com toda sorte de argumentos, proclamando a ilegalidade da suspensão do Paraguai (sustentando assim o golpe); consequentemente, proclamavam, também, a ilegalidade da inclusão da Venezuela, já que a suspensão do Paraguai teria sido ilegal.

O Paraguai procura obter uma decisão do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul sobre a legalidade de sua suspensão. E houve por aqui quem lhe desse eco: o líder do PSDB anunciou sua intenção de recorrer à Justiça brasileira sobre a legalidade da suspensão do Paraguai e do ingresso da Venezuela no Mercosul. Não consegue perceber, o líder desse partido, das vantagens comerciais e possibilidades de desenvolvimento conjunto que este ingresso favorece.

Com a integração da Venezuela, o Mercosul se transforma na quinta maior economia do mundo em termos de PIB, atrás dos Estados Unidos, China, Índia e Japão, e à frente da Alemanha. Com 270 milhões de habitantes, equivalentes a 70% da população da América do Sul, um PIB na casa dos US$ 3,3 trilhões, ou 83,2% do PIB do subcontinente, e um território de 12,8 milhões de quilômetros quadrados que se estende sem descontinuidades da Terra do Fogo até o Mar do Caribe, o equivalente a 72% da área da América do Sul, um território sem guerras.

O bloco torna-se um dos principais produtores mundiais de alimentos e de minérios e uma potência energética global tanto em recursos renováveis quanto em não renováveis. Além disso, ao passar a ser parte de um bloco geopolítico, que se consideram as implicações estratégicas, militares, de infraestrutura, de transporte e de pesca, entre outras, que se reverte em beneficio dos países membros.

A Venezuela tem uma das maiores reserva de petróleo do mundo, motivo pelo qual sua incorporação torna o Mercosul economicamente mais robusto e também detentor de uma maior dimensão geopolítica.

Segundo o relatório anual da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), divulgado em julho de 2011, a Venezuela chegou ao fim de 2010 com uma reserva comprovada de mais de 250 bilhões de barris, superando a Arábia Saudita. As reservas venezuelanas triplicaram nos últimos cinco anos e alcançaram quase 20% do total mundial. Este resultado está relacionado com as recentes descobertas e certificações da Faixa Petrolífera do Orinoco.

O Informe Estatístico de Energia Mundial 2011, da British Petroleum, aponta que o país detém a oitava maior reserva de gás do planeta. As recentes descobertas fortalecem a iniciativa de constituir uma Organização dos Países Exportadores de Gás (OPEG) e impulsionam as articulações para a construção do Gasoduto do Sul, que conectaria o subcontinente desde a Venezuela até a Argentina.

O mais novo membro do Mercosul também possui outras vantagens comparativas, como suas imensas reservas de minerais, água potável e biodiversidade, além de uma localização geográfica especial, mais próxima dos fluxos internacionais do comércio do Hemisfério Norte.

O Brasil, que já tem uma forte presença na Venezuela, por meio de empresas como Odebrecht e Camargo Corrêa, Embrapa, Caixa Econômica Federal, a Zona Franca de Manaus e o IPEA, deve ampliar a sua participação em território venezuelano.

Além disso, ganha força a ideia de que a Venezuela entrará no Mercosul através do norte do Brasil. Nos últimos anos os governos do Brasil e da Venezuela, assim como as administrações de Roraima e do estado venezuelano de Bolívar, vêm promovendo iniciativas para dinamizar as relações comerciais, intensificar os fluxos de investimento e promover a integração produtiva do norte brasileiro com o sul venezuelano, as regiões mais pobres dos dois países.

Nossa integração física com o país vizinho também está em andamento, com a construção da rodovia que ligará Manaus à Venezuela, com a interconexão ferroviária do sudeste de Venezuela ao norte do Brasil e a interconexão elétrica entre a empresa venezuelana Del Gurí e Manaus.

A refinaria Abreu e Lima em Pernambuco, uma parceria entre Petrobrás e PDVSA, empresa petrolífera estatal venezuelana, está em fase de finalização e deverão levar 115 mil barris de petróleo para refinar e abastecer o norte do Brasil de combustível. Tudo isso significa geração de emprego e possibilidade de redução do custo de vida.

Além de tudo aqui citado, a entrada da Venezuela propicia aproximar o Mercosul de outros produtores de energia da região, como a Bolívia, potência em gás natural, e Equador, também com abundantes reservas de hidrocarbonos.

Essa integração é o tão sonhado despertar entre os vizinhos. É uma busca de soluções conjuntas e auxílio mútuo para crescermos juntos. Finalmente a nossa América Latina acorda, levanta e se une para discutir o seu futuro. É agora o momento de reinventar a vida e lutar para conquistar a mudança social, que tem a marca da cara indígena, negra, popular e feminista. É um resgate do exemplo de resistência e experiência revolucionária presentes nas nossas origens.

É aqui que uma nova teoria pode estar se produzindo, com base na economia compartilhada e no respeito às diferenças e buscando a soberania dos povos sobre seus recursos com altivez e independência.

* Perpétua Almeida - Deputada Federal (PCdoB/AC)
 Presidenta da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados