Pacientes com Ataxia de Friedreich: os desafios para um melhor acesso à saúde

04/12/2015 11h00

Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Pacientes com Ataxia de Friedreich: os desafios para um melhor acesso à saúde

As doenças neuromusculares compreendem um grupo de patologias que envolvem doenças dos músculos (miopatias), doenças dos nervos (neuropatias), doenças dos cornos anteriores da medula (atrofia espinhais), perturbações da junção neuromuscular (miastenias) e outras. Devido à baixa prevalência, podem ser classificadas como doenças raras e integram a alta complexidade em saúde, o que exige custos e investimentos durante e depois do diagnóstico, por toda a vida do paciente. Uma dessas patologias, a Ataxia de Friedreich, foi discutida na última quarta (09/12) na Comissão de Direitos da Pessoa com Deficiência da Câmara dos Deputados, com o propósito de apresentar algumas demandas que afetam o tratamento dos pacientes: as dificuldades de acesso às novas opções terapêuticas, o que inclui os medicamentos órfãos, a necessidade de criação da rede nacional de cadastro de pacientes e também a participação em pesquisas clínicas.

Foto: Cleia Viana/Câmara dos DeputadosFoto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

O médico neurologista Dr. Alberto Rolim Muro Martinez, integrante do grupo de pesquisa em Neuromuscular e Neurogenética da Unicamp, explicou “a ataxia é definida pela incapacidade de realizar movimentos finos, precisos e coordenados”. Na neurologia, ela pode topografar as alterações que levam a ataxia no cerebelo, vias sensoriais e lobos frontais. A doença leva o nome de Nikolaus Friedreich, um neurologista alemão que identificou a doença em 1863, e estudou os genes causadores em 96 crianças. Anos depois, foi descoberto que a doença é causada por uma mutação num gene chamado frataxina (FXN), que leva a um defeito de expressão da proteína frataxina. Registros nos países americanos e europeus apontam uma prevalência de 1 caso a cada 50 mil indivíduos, e na população dos Estados Unidos há em média 9 mil pacientes diagnosticados.

É uma doença que se transmite por herança autossômica recessiva, e tem um início precoce, manifestando nos primeiros 10 ou 20 anos de idade. A Ataxia Friedreich é multissistêmica, ou seja, afeta vários sistemas do corpo humano. No quadro neurológico, tem ataxia mista, intrusões sacádicas, arreflexia e sinal de Babinski; no ortopédico, há escoliose e pés cavos; no endocrinológico, de 20 a 40% tem diabetes mellitus; no cardiológico, 66% tem hipertrofia ventricular, que causa cardiomiopatia dilatada e distúrbios de condução cardíaca. Outro agravo são os sintomas não-motores, uma média de 36% dos pacientes tem depressão, fadiga e transtornos do humor.

“O diagnóstico baseado na história clínica, antecedentes familiares, avaliação física e neurológica e teste molecular. Já o tratamento é baseado em multiprofissionalidade. O acompanhamento ideal exige que médicos e não-médicos devam ter uma atuação conjunta”, explicou o médico Dr. Alberto. O especialista informou que o medicamento utilizado no tratamento hoje é o Idebenona, porém, causa impacto no quadro cardiológico. E os fármacos promissores são: Resveratrol, para manifestações cardiológicas e Interferon Gamma-1b, e os desafios que precisam ser investidos são: na atenção multiprofissional, a criação de um registro nacional de pacientes, melhorias nos centros de referências, incentivo à pesquisa clínica, terapia gênica e difusão do conhecimento.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Ataxias Hereditárias e Adquiridas (ABAHE), o Brasil tem registro de 216 pacientes, mas esse número pode chegar a 4 mil. Amália Maranhã, coordenadora ABAHE e mãe de paciente, criticou a falta de um cadastro nacional de atáxicos, que serviria para mapear quantos pacientes são diagnosticados no Brasil e em quais regiões estão concentrados. A intenção com essa base de dados seria para utilizar em pesquisas para tratamento de novas opções terapêuticas, como o Interferon Gamma-1b.

Aspectos regulatórios Dr. Oldemiro Hardoim Junior, membro da Câmara Técnica de Neurologia e Neurocirurgia do Conselho Federal de Medicina (CFM), comentou que a entidade dispõe de uma Resolução nº 1.982/2012, que aborda os critérios de protocolo e avaliação para o reconhecimento de novos procedimentos e terapias médicas pelo CFM, incluindo a possibilidade para o uso compassivo de determinado tratamentos quando se mostrar evidências em pesquisas no exterior. Informou ainda a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que regulamenta a pesquisa em seres humanos no país.

“Não estamos no nível de pesquisa de países desenvolvidos, esses estudos demonstram que já existem um tratamento, faça o requisito ao CFM e ele vai autorizar. Enquanto médico, sofro com a falta do que oferecer ao paciente, algo resolutivo. Mas temos que reconhecer que não podemos oferecer soluções mágicas, o papel do médico não é esse. As doenças neurodegenerativas são grupos de doenças cujos tratamentos são paliativos, e a medicina ainda não conseguiu interromper o fluxo daquela doença. Todos esses tratamentos visam amenizar o sofrimento do paciente. As propostas terapêuticas são apenas para amenizar, não para interromper. Por isso, não podemos ser eufóricos  e ficar fora da realidade. A nossa expectativa é começar a fazer trabalhos científicos no Brasil seguindo os protocolos, utilizando os canais certos, como a Anvisa e o CFM. A nossa câmara técnica avalia mensalmente diversos pedidos para patologias e novos procedimentos. Tem que realmente avaliar o que vai beneficiar o paciente. A gente não pode ser submetido à pressão da indústria e de fabricantes de máquinas e equipamentos que querem vender. Tem que pensar na qualidade de vida do paciente. Não tem que pensar no custo, se for bom para o paciente depois vamos discutir custo e recursos para isso”, pontou.

Meiruze Sousa Freitas, superintendente de Medicamentos e Produtos Biológicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), disse que a agência dispõe de uma norma, a RDC nº 37/2014 que versa sobre a priorização da análise técnica de petições de registro, pós-registro e anuência prévia em pesquisa clínica de medicamentos e produtos biológicos, e leva um tempo de 45 dias para responder as petições. Esclareceu que não há solicitações na Anvisa para o registro e nem solicitação de anuência em estudo clínico com o Interferon Gamma-1b.

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O deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), segundo vice-presidente da Comissão de Direitos da Pessoa com Deficiência da Câmara avaliou as recomendações fundamentais dos pacientes: conhecer quantos são os pacientes atáxicos no País e o indicativo de cadastro de paciente.  “É urgente fazer uma articulação para estabelecer um cronograma para alcançar isto, já é uma resposta. Precisamos partir de alguma premissa, se são 216 pacientes, porque impacta na assistência e no recurso, seja na busca de medicamento ou atendimento multidisciplinar”.

Esperança pela vida

Foto: Sandra Mota/Alta ComplexidadeFoto: Sandra Mota/Alta Complexidade

Cintia Coutinho, formada em Pedagogia, tem 38 anos, foi diagnosticada com Ataxia de Friedreich há 22 anos e foi aposentada por invalidez. Ela destacou a importância da inserção do paciente no mercado de trabalho, porém, os desafios são muitos, pois os pacientes devem fazer a escolha de ter um benefício social, mas o mercado não oferta condições para atender as necessidades, como redução da jornada de trabalho. Além disso, defendeu o incentivo à pesquisa no Brasil. “Estamos lutando para que esses testes possam vir ao Brasil, pois a maior luta, é o inimigo, é o tempo. Para nós, dois ou três anos é muito. Será que daqui há três anos vou dar conta de falar? Será que vou conseguir comer sozinha? São coisas básicas, mas quem está na pele de um paciente, sabe o sofrimento que causa. Todo mundo quer ter saúde”.

Foto: Hulda Rode/Alta ComplexidadeFoto: Hulda Rode/Alta Complexidade

Denis Henrique de Farias, 28 anos, é vereador pelo PSDB em Toca do Mogi (MG), é mais esperançoso e procura viver a vida sob um outro aspecto: o da superação. “Pelo fato de morar uma cidade pequena, as pessoas com deficiência não sofrem com o preconceito. Todo mundo ajuda todo mundo, e esse deveria ser o mundo que a gente luta por ele. O tratamento de saúde é importante e você tem que buscar, mas pode não esquecer da sua vida. Vai fazer o que você quiser. Se quiser trabalhar ou ficar deitado no sofá, o que não pode perder é a esperança”.

Produção legislativa No ano de 2015, a Câmara dos Deputados teve duas solicitações que falam sobre a Ataxia de Friedreich, a indicação nº 834/2015, de autoria do deputado Esperidião Amin (PP/SC), sugere que o Ministro da Saúde autorize a realização de pesquisa para Ataxia de Friedreich, e a indicação nº 781/2015, da deputada Mara Gabrilli (PSDB/SP), que sugere ao Poder Executivo ampliação de ações destinadas a portadores de ataxia de Friedreich e outras ataxias hereditárias.

Olhar macro Os debates sobre as doenças neuromusculares não podem ter um viés para a indústria, pois contrapõe as reais necessidades dos pacientes atáxicos. O atendimento multiprofissional com qualidade e permanência nos Centros de Referências em Doenças Neuromusculares contribuem de forma significativa para a redução da progressão da doença, sobretudo, quando se pensa em assistência à saúde para pacientes que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde. Em âmbito nacional, a atenção ambulatorial especializada precisa ser descentralizada, isso porque o paciente frequenta o centro de referência para acompanhamento médico, que normalmente é no centro da cidade, e utiliza a rede de cuidados em regiões próximas ao domicílio, ou seja, atendimentos nas áreas de: fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, nutrição, podem permitir a periodicidade da integralidade da assistência proporcionando melhora do quadro clínico, que tem impacto na qualidade de vida.

Por Hulda Rode, jornalista do Alta Complexidade